Escritos de Eva

Aqui Eva escreve o que sonha e - talvez - não só. Não tem interesses de qualquer tipo nem alinhamento com sociologias, política, religião ou crenças conformes às instituições que conhecemos. Estes escritos podem servir de receita para momentos de leveza, felicidade ou inspiração para melhorar cada dia com bons pensamentos. Alguns poemas ou textos... Algumas imagens ou fotos... Mulheres e homens, crianças e idosos podem ler Eva e comentar dando a sua opinião.

2007-03-31

Gostos

31 de março de 2007

- Não estive cá. Fui viajar e, por isso, é que não me viste.
- Foste onde? Para fora do país?
- Andei por muito lado, à procura de fontes e repuxos de água.
Vi fontes lindíssimas, grandes e pequenas, com muita água e com menos água.
- Era mais fácil teres ido ver cataratas. Era menos tempo e mais barato!
- Não, não. Eu falo de fontes. Fui a lugares onde enchiam jarros com essas águas que eram boas para beber, mas até enchiam piscinas com essas águas. A comida também era feita com água dessas fontes.
Chegou uma altura em que já sonhava acordado com o barulho da água a cair. Até ao dia em que a água me inundou num banho e fiquei submerso. Esse foi o último dia e vim embora!
- Mas afinal, foste onde?
- Às termas, é claro! Mas olha! Estou mais magro e sinto-me melhor. No entanto não consigo beber um copo de água. Acho que demorei por lá tempo a mais para as minhas capacidades. Devia ter feito o que me disseram, que era começar por poucos dias e, gradualmente, ir aumentando a estadia.
A questão é que, apesar de tudo, aquilo me soube tão bem… Era um ambiente tão acolhedor, natural…
- Mas tu nem gostas da natureza!
- Não gostava, não. Agora mudei os gostos. E até reconheço que deveria mudar mais, pois posso ser muito melhor do que sou.
Até em gestos simples, como poupar água e não a desperdiçar.
As águas limpas, mesmo correndo só em fio, enchem vasilhas de muitos litros.
Eu nem sabia o quanto desperdiçava!

- Geralmente ninguém tem uma ideia precisa da importância de tudo o que faz, senão faria logo melhor.

2007-03-30

Janela estreita

30 de março de 2007

Estendo a mão para outra, acima de mim e que se propõe puxar-me.
Subo pelo chão para um outro chão, envernizado e lustroso, e estou afinal numa divisão com janelas enormes, onde entra luz forte do sol.
A seguir, a mesma mão puxa-me para uma porta cinzenta, que se abre e deixa ver um vão sombrio.
Sou atirado para essa divisão apertada, que tem uma janela com grades.
Esta janela é estilo bandeirola estreita.
A porta fecha-se.
- E tiveste medo?
- Não tive tempo de ir além do espanto. Como podia eu estar naquele lugar a meia-luz e com grades, se tinha acabado de estar num espaço amplo e brilhante de luz?
- Era com se te pusessem outra vez de castigo, não era?
- Sei lá eu! Fiquei ali horas e depois ouvi uma voz que me perguntava, do lado de fora das grades da janela, se eu queria deixar ali as minhas fantasias e ilusões, até as minha preocupações…
- Para quê?
- Foi o que eu perguntei, mas apenas repetiu o que já tinha dito ou perguntado.
- E então?
- Então, nada! Abanaram-me e o condutor disse que tinha de voltar e se eu queria ficar sentado no expresso tinha que mostrar ou pagar o bilhete de volta.
E eu saí bem depressinha que já me tinha atrasado!

2007-03-29

A luz da vida

29 de março de 2007

Ela veio abrir a porta, toda vestida de escuro, muito mais magra e de ar abatido.
Não conseguia estar ali ao frio, era melhor entrar.
O marido estava muito mal, internado e paralisado numa cama.
Pior, não lhe queria falar, de zangado que estava com ela.
Estava zangado porque não o trazia para casa.
Mas ela não podia cuidar dele, tinha caído desamparada no corredor e, sempre sozinha, tinha conseguido deitar-se.
Passou dias a fio na cama, sem comer, sem poder atender o telefone ou a porta.
Sem conseguir dizer que estava na cama, toda dorida, sem se mexer.
Uma tristeza e agonia estes últimos três meses.
E o marido que nem lhe fala.
As cartas e as contas são tais e em tal quantidade que já nem as abre.
Estão todas naquela mesa, ali.
Nós olhamos e vimos. Um molho delas, ainda fechadas.
E remédios ainda nas caixas, por abrir também.
Os cortinados corridos, a luz acesa e o seu ar triste, outrora um rosto tão risonho. Sempre foram pobres mas ela tinha sempre um sorriso.
Vamos tentar ajudar o marido a compreender a situação.
No meio disto tudo, que haja entendimento no seu amor.
O amor, em novos como em velhos, é sempre a luz da vida, que supera falta de saúde, de dinheiro, enfim, que é superior a todas as faltas.

2007-03-28

Pareceu-me...

28 de março de 2007

Senti um pequeno solavanco, digamos assim.
Depois, não percebi se estava pesada ou, pelo contrário, leve como uma pena.
Pareceu-me ver uma mão estendida, muito brilhante, até fazia mal à vista o brilho daquela imagem.
Apoiada nessa mão fui capaz de andar e chegar a uma espécie de sala ou salão, pois as dimensões eram enormes.
A entrada era estreita.
Toda essa sala brilhava de luz e em cores do azul claro ao branco.
Os reflexos, por vezes, eram amarelados ou creme.
Ao entrar, a admiração deu lugar a uma vontade de não sair mais dali.
Cansada, tentei sentar-me no chão que, aliás, não se distinguia do resto.
Portanto, acomodei-me como me pareceu possível.
Não sei quanto tempo estive assim, porque pareceu que me acordavam ao de leve, no ombro.
Era outra vez aquela imagem brilhante, que me sorria e me dava outra vez a mão.
Agora ouvia distintamente uma música.
A música transformou-se em canção e a canção em vozes, muito perto de mim.
Mesmo muito perto, junto à minha cabeça e diziam para eu tentar acordar e o que sentia.
Sem esperar pela minha resposta, as vozes eram já só uma voz calma, que me falava de ter passado algum tempo inconsciente e querer saber se podia dizer o meu nome, porque no carro não encontravam qualquer identificação.

2007-03-27

Lágrimas

27 de março de 2007

- Emagreceu muito, coitadinha. A roupa está tão larga que lhe cai.
- É preciso outra roupa mais justa e, se possível, vestidos tipo bata.
- Mas dá pena toda esta roupa de seda e de bons tecidos ir fora, para o lixo.
- Se observar bem, está quase toda rasgada ou estragada.
- Ah, pois está! É de estar sempre na mesma posição, não é?
- Pois é; e as fraldas, a idade e a doença que não a deixam mexer, acabam por rasgar facilmente a roupa.
- Está nova numas partes e estragada noutras.
- Coitadinha, ela gostava tanto de vestir bem. Vamos ver o que se pode arranjar.
- Não se esqueça que a roupa deve facilitar a mudança das fraldas.
- Vou dar hoje uma volta pelas lojas e ver o que se pode arranjar.


- Mas achas que ela está assim tão magrinha?
- Não se nota, assim sentada. Mas se dizem que a roupa não lhe serve e está estragada…
- De cara está muito melhor, mais rosadinha. Sempre linda.
- Só não percebo como é capaz de ter aquele ar sereno, haja o que houver. Eu sei que hoje, por exemplo, está cheia de dores.
- Mas não diz nada!
- Pois não, mas o olhar, às vezes, mostra as dores; parecem gritar a dor. Mais nada no seu rosto trai o seu sentir, o seu sofrer. Sempre quieta e serena, sorrindo amável. E dos seus olhos, quantas vezes, caem as lágrimas lentamente. E se lhe pergunto se está pior, responde que não me preocupe, que é mesmo assim, que às vezes tem dores que a entristecem.
- Nunca conheci ninguém assim.
- Nem eu!

2007-03-26

Esperança e lucidez

26 de março de 2007

No geral, os acertos financeiros correm mal para as classes baixa e média.
Os impostos são altíssimos para quem trabalha, e os descontos e as contribuições são demasiado pesados para quem já não trabalha.
A desilusão e o desespero adquirem grandes proporções nos sentimentos das pessoas.
São dívidas que não podem pagar, mas não são de luxos, nem de nada que se pareça.
São dívidas da casa onde se mora com a família; ou de alimentação ou remédios; ou de água e electricidade…
Enfim, não há dinheiro para as necessidades básicas.
Mesmo que se tenha algo de seu para vender ou negociar, não há quem tenha para pagar.
A crise é enorme, até os negócios por conta própria vão à falência.
Resta, como sempre, a esperança e que, nesta altura, tem que ser grande.
Uma esperança grande como o céu.
Esperança também se confunde com fé.
Fé em algo superior a nós, que possa inspirar-nos o que devemos fazer.
Fé em que sendo hoje tudo tão difícil, podendo parecer até impossível, possa no amanhã, transformar-se tudo em algo bom.
Devemos também merecer essa transformação e ter coragem para enfrentar a crise com lucidez… e paciência!

2007-03-25

Thomas Moore # A Emoção de Viver a Cada Dia

25 de março de 2007

«Ecologia» é composta por duas importantes palavras gregas, cada uma delas uma porta para os mistérios que se encontram na própria base da vida humana. A sua etimologia desvia a atenção da ciência e concentra-a na emoção e no mistério, na religião e no coração. Se pudéssemos pensar na ecologia como um desenvolvimento tanto da vida interna quanto da externa, poderíamos aprofundar e humanizar o nosso relacionamento com a natureza.
«Eco», uma forma abreviada do grego oikos, significa lar, quer seja uma casa humana, um templo, o lar dos deuses, e até mesmo a «casa» astrológica ou domicílio de um planeta. Uma palavra sagrada cobrindo várias e profundas áreas da vida, oikos abrange a nossa busca emocional de um lar, a construção e o zelo dispensados a igrejas e templos e a procura astrológica das combinações mais férteis de tempo e lugar. A um nível mais profundo, a ecologia envolve a prática espiritual de construir um lar para o homem e, mais misteriosamente, de encontrar um lar para a alma.
Logos, a outra parte de «ecologia», é outra palavra cheia de mistérios. Embora seja comummente explicada como «o estudo de», como em psicologia e geologia, a palavra tem muitas implicações sagradas. No Evangelho Segundo S. João, Jesus é chamado Verbo (Logos): «No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.» Na antiga Sabedoria de Salomão, está escrito que a «palavra [logos] todo-poderosa desceu dos céus e do trono real» (18:15). No início do Corpus Hermeticum, encontramos: «O Verbo iluminador, que vem da mente, é o filho de Deus» (1:6). Esses textos importantes mostram que logos contém tanto mistério que é usado para denotar a própria divindade.
Junte-se esta abrangente noção de logos à misteriosa palavra oikos e tem-se «ecologia», uma ideia de lar infinitamente profunda e misteriosa. Vendo a ecologia por esta perspectiva, ultrapassamos o literalismo e o materialismo da habitual imagem que temos da natureza e aproximamo-nos de um dos grandes mistérios que motivam o dia-a-dia das nossas vidas: estamos sempre a criar um lar para o coração e em busca da casa da divindade.
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in “A Emoção De Viver A Cada Dia”
de Thomas Moore

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2007-03-24

A ignorância e o conhecimento

24 de março de 2007

Professor é outra das profissões sublimes, se entendida e praticada como um combate à ignorância.
Porque a ignorância é causa da maioria dos males pessoais e sociais.
Porque é pelo conhecimento de si próprio e das coisas que o rodeiam, que o ser humano-indivíduo-pessoa obtém a capacidade de se auto-criticar e de se melhorar.
É pelo conhecimento da sua vida, da verdade que é válida para o seu modo de ser e de viver, que pode sentir-se em paz consigo mesmo, porque está em consonância entre o mundo que o rodeia e o seu espaço.
É ainda o conhecimento da realidade, que o envolve, que lhe dá a capacidade de partilhar, compreendendo as necessidades daquele que, a seu lado, sofre ou precisa de auxílio.
Neste caso, auxílio moral e humanista.
Há dezenas de anos que se difundiram as ideologias humanistas.
Mas ainda hoje não foram entendidas na sua plenitude, a não ser por alguns.
É desejável que os seres humanos mostrem em que consiste, efectivamente, a sua superioridade em relação aos outros seres vivos.
Porque hão-de tê-la, mesmo que não seja reconhecida em tantos quantos seria desejável.
A fé nas religiões é sabido que está em crise um pouco por todo o lado, nomeadamente quando se exagera em fanatismos.
Mas a fé em si próprio não pode sofrer crise, porque senão desaparece o valor do próprio indivíduo, enquanto pessoa.
Fica de sobra então o risco de ser inferior aos animais mais inferiores.
A pessoa não pode despersonalizar-se, de modo algum.

2007-03-23

Aperfeiçoar sempre

23 de março de 2007

- Ora estou triste, ora alegre e bem disposta. No entanto, não faço ideia porquê. Acordo assim.
- Tens que te educar, não cair nesses extremos porque isso desgasta. E ainda mais desgastante é quereres a explicação.
A vida é para se ir levando, com a melhor moral possível, e na confiança que o que não está bem irá ficar bem encaixado no mosaico da nossa vida.
Porque aquilo que não compreendemos, há-de ter uma razão e é a atitude esperançosa em dias melhores, que nos ajuda a ir em frente.
Até os sofrimentos hão-de ter uma razão de ser para a nossa felicidade. Aquilo que hoje é uma surpresa, amanhã poderá ser o mais vulgar.
Não és, com certeza, o mesmo de há cinco anos. A tua personalidade altera-se, pretensamente em melhoria, sendo cada dia mais aperfeiçoada que o dia anterior.
Se assim não fosse, hoje eras mais antipático e malquisto do que eras.
Ou talvez fosses mais afamado no trabalho ou na vida social, mas não é disso que se trata.
Trata-se de conseguir estar mais tempo em paz contigo mesmo e conseguir sentir que, voltando atrás, um dia que fosse, farias o mesmo e terias as mesmas atitudes. Ou apenas, talvez, um pouquinho melhor.
Não te seria necessário tomar um rumo diferente; apenas aperfeiçoar. Porque esse querer deve ser constante.

Aperfeiçoar, aperfeiçoar sempre!

2007-03-22

Um sorriso

22 de março de 2007

Mecânica, automóveis, acidentes e papeladas administrativas para tratar.
Eis um dia para testar a paciência.
A maioria já está a desconversar.
Mostra um ar apático ou, pelo contrário, cheio de energia e de desgaste por estar ali sem fazer mais nada que esperar, com tudo o que fica por fazer no trabalho de cada um, para estar ali.
Só ”estar ali”, de senha de atendimento na mão.
Passam as meias horas. Passam as horas e o descontentamento cresce.
As discussões sucedem-se, mas os assuntos ficam à mesma por resolver.
De repente vê-se um sorriso.
Um sorriso agradável, de quem parece estar feliz, ali, naquele caos.
Um sorriso que iluminou tudo em volta.
Gestos agradáveis e harmoniosos acompanhados de palavras de boa vontade em atender o seguinte.
Atendidos depressinha e agradecidos porque resolveram o que queriam.
A seguir, mais são atendidos pelo sorriso que não entristece, antes resolve com dinamismo o que é para se fazer.
O ambiente anima-se e torna-se mais leve.
As pessoas trocam agora algumas graçolas sobre a situação que os trouxe ali.
Começa a reinar a boa disposição também atrás do balcão.
Com método e eficiência tudo se vai resolvendo a boa velocidade.
- E começou tudo por um sorriso e alguma amabilidade…
- Um sorriso agradável transformou isso tudo?
- Até o problema do carro se esbateu. Ainda existe, mas ganhei a esperança de o resolver bem.
- Afinal uma solução tão simples: um sorriso!

2007-03-21

Resposta difícil

21 de março de 2007

Sala de espera pediátrica com muitos bebés e mães à espera para vacinação.
Todos corados, porque ainda trazem roupas de Inverno mas as temperaturas subiram.
Mexendo as pernitas a toda a velocidade que podem, não param de se mexer.
Alguns agitam os braços e dão gritinhos eufóricos.
As mães não estão tão eufóricas. Algumas têm um ar cansado.
Mas, cansadas ou não, vão ajeitando roupas e brinquedos e os seus colos para os bebés.
As meninas tornam-se mais vistosas, com saias e vestidos que abanam à força do volume das fraldas.
Olham uns para os outros e têm reacções diferentes.
Enquanto uns arregalam os olhos e ficam parados a ver aquele movimento todo à sua volta, outros agitam-se frenéticos e gritam ou riem.
Enchem a sala, estes pequenos seres.
Mesmo quando regressam chorosos das vacinas, são encantadores na sua rabugice.
Inacreditável é lembrar que já fomos assim, com certeza.
- Que fizemos das nossas vidas? Que valor lhes demos? Será que merecemos o que temos? Que fizemos de nós mesmos? Valorizámos esse bebé que já fomos um dia? Que representamos para aqueles que nos rodeiam – em casa, no trabalho, no desconhecido? E que podemos ainda fazer pelas nossas vidas?
- Sei lá…
- Aí está a resposta mais difícil de resolver!

2007-03-20

Máscaras

20 de março de 2007

Hoje é almoço conjunto.
Nestes dias de reunião de pessoas com trabalho semelhante mas educações tão diferentes, há sempre alguns problemas.
O ambiente é tenso e as pessoas parecem mais numa reunião de máscaras que a almoçar, tentando dizer sempre o conveniente e sorrindo.
Sorrindo sempre.
Não são conversas fiáveis, pois só se pretende alcançar um objectivo profissional e pessoal.
Tanta conveniência individual pode ensombrar até o sol.
Esperamos todos, enquanto olhamos uns para os outros, pela liberdade do fim do almoço-reunião.
Esperamos também que chegue o dia em que o trabalho possa ser resolvido de «coração nas mãos», com franqueza e colocando ideias de produção em equilíbrio com o bem-estar da amizade entre as pessoas.
Sendo o homem um ser inteligente, essa condição deveria colocá-lo acima da condição animal, em vez de defender o lugar melhor só para os mais fortes.
Os mais fortes deveriam, até, usar a sua posição para proteger os mais fracos.
E lembrar sempre que fama e fortuna não são nada, se não forem usadas em favor dos que nada têm.
Ensinando-os a melhorarem a sua condição na qualidade do trabalho e da gestão das suas coisas.
Elogios só para o que nasce de modo espontâneo na natureza, um nascer perfeito sem a interferência do homem.
O dever de cada um em prol da sociedade e da evolução, é também um direito à verdadeira felicidade.
A felicidade de querer ver os outros tão felizes quanto a si próprio.

2007-03-19

O dinheiro e a liberdade

19 de março de 2007

Trabalho e ganha-pão andam sempre ligados e talvez por isso se diga que o trabalho dignifica.
Por todo o lado se vêem novos e velhos a esmolarem uma moedinha.

Até nos cruzamentos.
A verdade é que pode considerar-se trabalho, porque cumprem horário e recebem dinheiro por estarem ali à nossa espera, dirigindo-se às pessoas e automóveis para pedirem a tal moeda.
Antigamente trocavam-se produtos uns pelos outros; hoje é o dinheiro que tem validade.

Sem dinheiro não há comida, nem remédios, nem roupas.
Mas o dinheiro, ao contrário do trabalho, não dignifica.

Pode é envaidecer ou provocar subserviência.
O dinheiro só vale pelo bom uso, ou não, que fazemos dele.

O dinheiro dividido até multiplica, se for bem empregue.
De contrário, até endivida as pessoas, a casa, o carro e sei lá que mais…
A maioria das pessoas opta pelo consumo em moda, seja comprar um móvel, um computador ou outra tecnologia, mesmo que não lhe dê utilidade.
A moda impõe a comparação entre pessoas e casas ou carros, independentemente da necessidade ou da capacidade financeira.
O bom é poder sentir-se livre para optar por aquilo que se quer, independentemente dos outros terem ou não terem o que nos agrada.
É bom ter amigos, para quem comparações destas não têm interesse.

É muito bom ser feliz, sendo tão-somente um “eu livre”.

2007-03-18

Hans Christian Andersen # O Colarinho Postiço

18 de Março de 2007

Havia uma vez um elegante cavaleiro que tinha por todo mobiliário um descalçador e uma escova para os cabelos, mas possuía o mais belo colarinho postiço do mundo, e é uma história de colarinho de camisa que vamos escutar. Ele estava em idade de pensar em casamento, e sucedeu que encontrou um liga na lavagem.
– Não – disse o colarinho postiço –, jamais vi pessoa assim esbelta, delicada, meiga e gentil. … …
– É que sou um elegante cavaleiro – disse o colarinho postiço –; possuo um descalçador e um pente!
Não era verdade, era o amo quem os possuía, mas ele gabava-se.
– Não se aproxime de mim – disse a liga –; não estou habituada a isso! … …
E foi retirado da lixívia, … e posto na tábua de passar a ferro; então, chegou o ferro quente.
– Minha senhora! …viuvinha … Uh! Peço-lhe a sua mão!
– Trapo! – disse o ferro, … …
O colarinho postiço desfiava-se um pouco nas pontas e a tesoura de papel chegou para lhe cortar os fios.
– Oh! – disse o colarinho postiço –, deve ser uma primeira-bailarina! … …
– Será que ele me pede a mão? – disse a tesoura.
E deu-lhe um bom corte que o trouxe à razão.
– Nesse caso é preciso pedir para casar com a escova. … Nunca pensou em ficar noiva?
– Claro que sim, sabe-o bem – disse a escova –, estou noiva do descalçador.
– Noiva! – disse o colarinho postiço. … sentiu-se muito despeitado.
Decorreu um longo momento, e o colarinho postiço chegou numa caixa à fábrica de papel.
– Tive um número prodigioso de noivas – disse o colarinho postiço –, não conseguia estar tranquilo! … …
Jamais olvidarei a minha primeira noiva, era uma cinta, elegante, doce e gentil, atirou-se a uma selha de água por minha causa … … Havia também uma viúva … mas meti-a na ordem … E havia a primeira-bailarina, deu-me o golpe que ainda mostro, estava danada! A minha própria escova dos cabelos se apaixonou por mim …
E todos os trapos … foram transformados em papel branco, e o colarinho postiço tornou-se … no bocado de papel branco … onde esta história está a ser impressa; ele ficou assim porque se gabou descaradamente do que nunca lhe sucedera; nós devemos pensar em não nos conduzirmos desse modo, porque nunca podemos saber se não iremos também um dia na caixa dos trapos, para sermos transformados em papel branco e vermos toda a nossa história impressa em cima, mesmo o que ela tiver de mais secreta, de modo que seríamos obrigados a correr a contá-la por toda a parte, como sucedeu com o colarinho postiço.
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”O Colarinho Postiço” de Hans Christian Andersen
in "Histórias Para Crianças", Apresentação e Selecção de João Costa

2007-03-17

Do túnel para a luz

17 de março de 2007

Manhã apressada, com viagem marcada.
De repente, aparece um corredor de paredes claras, de cor creme.
Só que essas paredes estreitam num espaço que só dá para uma ou duas pessoas, a pé.
É um enorme ou longo corredor e, muito longe, parece haver uma porta.
Dessa porta sai, rápido que nem uma bala, um animal com aparência de pré-histórico e com manifesta intenção de guardar o acesso à porta.
Sou pequena para tal colosso mas, tentando não ter medo, pergunto-lhe o que está ele a guardar, tão zeloso.
Olha-me espantado e baixa-se para me ver melhor.
Antes de mais nada, tento acalmá-lo e que me dê uma resposta.
Só quero saber. Porque gosto de saber coisas.
Não o quero ofender nem, muito menos, desafiar.
Acho que nunca lhe falaram assim, simplesmente, sem querer nada…
De tão espantado, fica sossegado e diz que a porta só dá para um túnel escuro e que ele também nunca foi lá dentro.
A sua função é guardar a porta, para evitar intrusos.
Peço-lhe então que me deixe espaço suficiente para voltar para trás.
Responde que não pode ser.
Uma vez naquele corredor, só se pode seguir em frente.
Talvez haja saída do outro lado do túnel.
Acendo uma luz e o túnel ilumina-se à minha passagem.
Peço-lhe para vir comigo e, se houver uma saída, será outro caminho para os dois, depois do túnel.
Aceita, e depois de muito andar, chegamos a céu aberto, primeiro enevoado e depois a um campo cheio de sol e flores.
Pergunta-me sobre a origem da luz do túnel.
Era a luz do meu coração, respondi.
Ele ainda não conhecia essa luz.
Iria agora procurar a do seu, pois tinha, agora, um horizonte à sua frente.

2007-03-16

Nós e as finanças

16 de março de 2007

Finanças e impostos e contribuições.
É um “ver se te avias” com tanto papel para preencher e, na grande maioria dos casos, pagar (para receber, os casos são poucos).
É assim… porque das contribuições individuais se preserva o bem comum, de todos.
É evidente que assim se espera que aconteça.
Senão, é demasiado trabalho e despesas para nada.
Seja como seja, é sempre um tempo menos agradável aquele que é dedicado às finanças, todos os anos.
Geralmente, a nossa paciência sofre uma rude prova e nem sempre consegue passar ilesa.
Por outro lado, é um bom exercício para a paciência; diria até, uma prova de exame, a nível nacional.
O engraçado é observar as reacções das pessoas, que conseguem ser típicas, por zonas.
Faz lembrar as epidemias, porque há regiões, ou zonas, onde a irritação é de índice maioritário, com tendência para a violência.
Outras há, em que a despreocupação é tal que passam os prazos para entrega das declarações e nem dão por isso.
Esta diversidade acaba por trazer, à luz da consciência, o valor da liberdade de opinião.
Assim como também é possível observa o grau de evolução de cada um, na escala da progressão, em harmonia de sentimentos e emoções.
São os factores de educação e sociabilidade, neste caso entre os contribuintes e os funcionários das repartições, que são os determinantes do bem-estar.
Muitas vezes até, dos resultados acertados e do agrado de ambos os lados – o estado e o contribuinte.
Porque é sempre em harmonia que melhor se decide, e não pela completa informação que se obtenha dos assuntos.
Nem sequer pela vontade do dever cumprido.
Sem harmonia de coração não há resultados desejáveis.

2007-03-15

Ser normal

15 de março de 2007

- Falou sozinho, mas não foi ele que falou.
- Já está no manicómio? Ou numa clínica?
- Não! Já nos habituámos a ele ser assim.
- Assim, como? Passado?
- Disparate! Ele não é “passado”, mas concordo que é diferente da maioria. Se observarmos bem, todos temos algo que nos diferencia dos demais.
- E que teimamos em esconder para não sermos diferentes.
- Pois, mas isso leva a quê? A não ser que falemos de esconder a vontade de violência, o que não é o caso.
- Está visto que ele não está melhor!
- Está na mesma, porque ele nem melhora nem piora - é mesmo assim! Fala por ele e pelos seus pensamentos!
- Pois, só que a voz muda e altera-se!
- Nada disso! A voz é sempre a dele e não altera nada! É mesmo como se falasse alto para consigo mesmo!
- E continua a gesticular e a entusiasmar-se com o que diz?
- Nada, nada! É sossegado, a falar ou calado! Perfeitamente sereno a expor as suas ideias.
- Quais ideias? Ainda aquelas maluquices dos seres como se fossem véus, translúcidos? E que lhe diziam e perguntavam coisas a que ele respondia, sem dar conta se estava no café ou na rua?
- Tu não simpatizas nada com ele, pois não?
- Ai, ai, que a questão não é essa! Mas que não me sinto à vontade na sua companhia, é verdade!
- Pois é! Mas ele é uma jóia e o que vê ou não vê já não sabemos, porque calou-se sobre isso tudo. Deve ter-se fechado!
- Ou está normal?
- Hum, então resta saber o que é normal, para ele e para nós!

2007-03-14

Cada um como cada qual

14 de março de 2007

- As árvores crescem sempre para cima.
- Não só as árvores. Geralmente, tudo se desenvolve na direcção do sol; logo, é para cima.
- Há arbustos e trepadeiras que é para onde for. Tanto rasteiram pelo chão - metros e até quilómetros - como sobem ou descem muros, de modo a serem como que uma cobertura.
- É verdade, mas sempre na direcção do sol e, no caso de se prenderem com ganchos ou outros, até encontrarem água, porque as suas raízes podem não ser muito fortes para isso.
- As árvores é que sobem na vertical da sua raiz.
- Há uns dizeres antigos que reflectem essa verticalidade das árvores, comparando-a à integridade que se deve ter pela moral, sendo o sol e o céu o objectivo a alcançar.
- Daí também o dito "as árvores morrem, mas morrem de pé", querendo significar a nobreza moral e a coragem.
- Engraçado, estas comparações com a natureza para exemplo a seguir pelos homens, e não o contrário.

- Isso tem a ver com as possibilidades da inteligência humana. Tanto dá para se melhorarem pelas qualidades lustradas pelo intelecto que as defende, ao racionalizá-las, como simplesmente prevalecem por evolução natural.
Assim como também dá para usarem a inteligência no apuramento de resultados destrutivos. Primeiramente, destruindo os alvos do seu descontentamento (mais do que do seu desgosto) e depois na auto-destruição: deixando de viver para o gozo feliz do dia-a-dia, para dedicar os dias, e até as suas noites, a tecer vinganças, com todos os pormenores.
- Bom, mas isso só prova que cada um gasta a sua vida como quer.
- Pois é mas, por vezes, dá pena.
- Mas cada um decide de si.
É da sua liberdade de viver que se trata.

2007-03-13

Terminologia

13 de março de 2007

- O eu, o infra-eu e o super-ego.
- Ihh, há tanto tempo. Hoje já não se diz assim.
- Tudo bem. Os significados são os mesmos e esta terminologia continua a ser, para mim, a mais significativa. Ou seja, percebe-se logo onde se quer chegar.
- Ai sim?
- Sim! Vejamos o ponto a seguir, que é o do culto da personalidade. Todos somos bons e maus, somos o que quisermos ser. Todos temos capacidade para alterar, acentuar ou corrigir o que tivermos vontade de mudar na nossa personalidade.
- Com hipnose, comprimidos e eu sei lá mais quê?
- Nada, nada! Simplesmente com um enoorme esforço de boa vontade para a nossa felicidade. É da nossa vontade auto-corrigirmo-nos em pensamentos e frases positivas, optimistas e esperançosas. Todos podemos influenciar melhor a nossa personalidade, muitas vezes pacífica e aceitante do dia-a-dia. A paciência é uma virtude, se ligada à esperança de melhores tempos.
- Ou seja, corrigimo-nos como corrigimos as crianças, que nem dão os bons-dias ou nem pedem licença para interromper.
- Exactamente! Auto-educamo-nos na vontade de ser melhores, na esperança que tudo mude para melhor. Isso é a inteligência emocional.
- Ou seja?
- O ser, de modo inteligente, conhece e educa as suas emoções negativas em positivas, conseguindo assim ser livre em si mesmo, de mente e coração.
- Ou coração e mente...

2007-03-12

Realidades

12 de março de 2007

A realidade é, muitas vezes, difícil de encarar.

Parece até quase impossível e é, nessas alturas, um acto de coragem.
De verdadeira coragem: arregaçar as mangas e olhar em frente, e de frente, a vida, também.
Quantas vezes os sonhos inventam ilusões que nos agradam mais, mas o acordar torna-se um drama; esse sim, um pesadelo.
Às crianças dizemos para transformarem os pesadelos em algo bom e afiançamos-lhes que é assim que se podem realizar.
E a nós, porque não transformamos em esperança as nossas realidades mais tristes?
Esperança não é ilusão.
Esperança relaciona-se com fé.

Com a fé de que tudo se modifica a cada instante.
Como diz o povo, "não há mal que sempre dure nem bem que perdure".
Experimentemos então sentir fé e projectar a nossa esperança num futuro próximo mais feliz.
Até porque, geralmente, os nossos dramas são comparáveis a outros, e muitas vezes, de menor importância que outros bem piores.
Há sempre, ao nosso lado ou lá longe nas notícias, alguém em pior situação e que demonstra uma santa paciência para com a sua vida.

2007-03-11

Graça Gonçalves # O Céu dentro de ti

11 de março de 2007

O menino tinha um amigo mais velho que, além de gostar de jogos, era um excelente companheiro. ... Era mesmo divertido!
Foi o menino o primeiro a aperceber-se quando o amigo desatou a namorar.
..., o amigo passou a ter um comportamento estranho. Entrara na dependência de uma substância perigosa. E, mais importante que saber qual era, foi sentir como as suas atitudes não paravam de pôr em risco os seus laços de família e amizade. Mesmo para a namorada, ele andava diferente. Um tormento!
..., o meu coração ... segredou-me:
- Sabes, pode ser absolutamente decisivo para o amigo do menino, como para qualquer pessoa, aperceber-se de que, à sua volta, existe uma Rede de Afectos, que, de uma maneira muito pessoal, lhe transmita aquilo que, em cada dia e todos os dias, é tão importante ouvir e sentir: És amado. Ora, nesta história, anda muita mágoa. Conseguirem atravessá-la vai depender, não só da esperança, mas de, muito cuidadosamente, reforçarem, até refazerem, algumas ligações que, na Rede de Afectos, estão mais fracas. Terão de usar muitos pontos de gostar. Esta Rede de Afectos, de que estou a falar-te, é toda tecida com pontos de gostar. ...
- Ponto de gostar, porque ele necessita de gostar, de se estimar mais a si próprio. Isso vai dar-lhe muitas forças, coragem. Quando isso acontecer, e ele começar a pensar antes de agir, o que não tem de forma alguma só a ver com esta dependência, rejeitará aquilo que não lhe interessa e o impede de ser feliz. Entretanto, a Rede de Afectos, tecida e reforçada por todos aqueles que o estimam, vai ser essencial para ele se sentir bem amparado.
... ...
Para mim, cada vez mais, a esperança era mesmo como uma estrela. ...
Para cada um chegar ao seu próprio coração.
Chegar ao coração dos outros.
Ver bem com o coração.
E conseguir, assim, construir o céu dentro de si.
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in "O Céu dentro de ti"
de Graça Gonçalves
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2007-03-10

Antes tarde que nunca

10 de março de 2007

Famílias numerosas ou pequenas.
Discórdias e desavenças fazem parte de quem tem interesses comuns e opiniões diferentes.
Sempre que possível, devem estabelecer regras de respeito mútuo.
Senão, não se resolve nada, mas as discórdias aumentam e todos soçobram entre indiferença e raivas.
Por vezes é precisamente em família que temos falta de regras de boa conduta.
Não se percebe bem porquê, em virtude de serem geralmente aqueles que nos acompanham mais tempo e estão mais próximos de nós.
As partilhas sofrem, geralmente, deste desassossego de emoções e atitudes.
É por essa razão que a nossa função é importante, como catalisadores de todos esses problemas.
- Ficamos com os contactos de todos e quando tivermos os papéis para assinarem, nós contactamos.
- Mais ou menos um mês. Depois seguem, para as repartições, os registos já individualizados das propriedades.
De saída e na rua, entre pais, filhos, sobrinhos e primos há uma impressão comum que teria sido mais barato um entendimento entre eles, sem advogados.
A discussão que tiveram ali, de modo cordato e elegante, poderia ter existido das outras vezes (inúmeras vezes) que se encontraram e que até estragaram o sono e os dias seguintes em preocupações fantasiosas.
Os números até são os mesmos. Eram dados pelo valor patrimonial e depois era só ter dividido por todos, com honestidade e igualdade de circunstâncias e equivalências.
Tinham entretanto aprendido, à força, os valores da honestidade, do respeito mútuo e da harmonia, que voltaram a sentir uns pelos outros.
Antes tarde que nunca.

2007-03-09

Tempo

9 de março de 2007

Dia limpo, sol brilhando e o locutor anunciava chuva em todo o território nacional.
Da janela dava para pensar que, ou eu ou ele, não estávamos no mesmo território nacional.
Fui fazer as coisas de rotina obrigatória, logo pelo princípio da manhã, esquecendo, na pressa dos horários, as tais chuvas "nacionais".
Tão entretida andei que não voltei a olhar para o céu, até sentir frio.
Do calor aconchegante da primeira manhã, estava agora, pelo meio da manhã, a ficar cheia de frio.
Vesti o casaco e olhei então para o céu.

Não é que estava nublado? Lembrei o dito locutor e a previsão.
Nem dava para acreditar que, em poucas horas, o tempo tivesse sofrido uma reviravolta daquelas.
E, despreocupada, não tinha trazido nada para a apregoada chuva.
- Olha, às vezes é bem feito! Foste avisada e sorriste incrédula. Não acreditaste que tudo está sempre em mudança...
- Mas logo tinha de ser para pior?
- Pior ou melhor. Porque as terras já precisam de água. Para uns serve agora, para outros serve depois, quando quiserem comer os produtos dessa terra regada.
- Bem regada, vai ser, parece-me agora a mim.
- E bem te empresto eu o guarda-chuva quando fores almoçar. Que dizes?
- Obrigada! Que houvera de dizer?
- De nada servem os avisos se quem pode ouvir, não o quer fazer. Em contrapartida, outros há que levariam em conta os avisos que não têm.
A verdade é que todas as coisas parecem ter o seu tempo justo, apesar de tudo.
Mas também é verdade que isso, na maioria das vezes, só se nota mais tarde
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2007-03-08

Médicos

8 de março de 2007

Hospitais, camas metálicas, macas, doentes, familiares e médicos.
Muito barulho e, por vezes, demasiado silêncio.
Os médicos são os grandes administradores de tudo isto.
Da sua consciência e dos seus conhecimentos dependem as vidas - oh, tantas e tantas vidas - que lhes passam pelas mãos.
Deles dependem os diagnósticos individuais, mais do que a leitura de análises e outros exames.
Deles dependem pessoas que, pelo facto de estarem doentes e com mau aspecto, não deixam de ser pessoas.
Pessoas que chegam a parecer farrapos numa cama.
Pessoas de quem ainda dependem outros indivíduos.
As camas tornam-se enormes para seres humanos que vão mirrando lentamente, pelos anos, doenças ou maus-tratos.
Pessoas que choram (e gritam) sem abrir os olhos, em sonhos ou no seu sono, também cheio de dores e sofrimento.
Por vezes dão-se remédios excessivos e calmantes, porque não se tem tempo para a devida atenção.
Mas tanto fármaco acalma o sofrimento e o doente até consegue voltar a sorrir.
Por vezes os tratamentos conseguem calar gritos incessantes de dor.
Mas as dores existem e agora são gemidos abafados e lágrimas que deslizam de rostos que dormem.
Deve ser das profissões mais sublimes e há médicos que velam a sua vida inteira, em desvelo dedicado pelos seus semelhantes.
A esses um agradecimento especial e felicitações por assegurarem valores elevados na ética das suas vidas, e pelas vidas dos outros que recebem o seu carinho profissional.

2007-03-07

Contas em dia

7 de março de 2007

Flores e mais flores.
Pequenas, totalmente abertas, em botão.
Ou de pé alto e aos molhos.
As floristas têm uma característica: uma loja ou espaço onde assomam a beleza das flores, em qualquer época do ano.
A beleza dos arranjos que fazem a gosto próprio, com a melhor arte.
O cuidado com que arranjam as flores em bases aguadas, molhadas ou húmidas, ou em vasos com terra, conforme a necessidade.
Enfim, uma actividade que obriga a levantar cedo para encontrar do melhor, nos mercados.
Abertas todos os dias e, por vezes, em sítios que têm horário prolongado - mas uma actividade agradável.
Tanto fazem arranjos para felicitações, como para acompanhar os defuntos à sua última morada. Num caso ou no outro, lembro-me sempre duma frase sobre a "felicidade que é poder ter as contas em dia com a nossa consciência".
De facto, para morrer basta estar vivo.
Não é preciso estar doente ou ser velho.
Basta, tão somente, estar vivo.
E, para viver bem, basta estar bem com a sua consciência.
Mas quem é que não comete erros no dia-a-dia?
Quanto mais não seja, por relaxe, preguiça ou incúria, sem maldade explícita.
Todos falhamos de modo mais ou menos grave.
O problema reside em não notar ou observar o erro.
Porque isso implica continuar a errar pelas mesmas razões.
Mesmo se, analisando com cuidado, não o soubermos ultrapassar, não superarmos as nossas vontades instintivas nem compensarmos aqueles que lesamos.
Então a nossa evolução será nula e os anos passarão por nós como o vento.
E o vento não deixa as flores desabrochar, nem mostrar a sua beleza.
Apenas passa depressa demais...

2007-03-06

Um colar

6 de março de 2007

Um colar em pedras verdes, de fantasia.
Muito bonito e bem feito, à mão, pela empregada.
A avó gostou tanto que achou que era dela e não o queria devolver.
Mas não, não era da avó. Era da empregada, que os faz nas horas vagas.
- Tão bonito! Encantador!
A avó gostava e o avô também mostrava a sua concordância.
A neta não resistiu aos seus olhares de pena quando a empregada guardou o colar nos bolsos.
- Poderia vendê-lo?, perguntou.
- Eu? Talvez! Quanto acha que vale?
Chegaram a acordo. Não foi barato mas também não foi caro.
A avó nem queria acreditar quando lho deixaram no seu colo.
Então, afinal, sempre era dela...
- Não era! Mas a sua neta comprou-mo. Agora já é!
- Avó, tudo é possível! Ainda tudo é possível para ti, para mim, para esta senhora tão habilidosa com colares e pulseiras...
- Netinha, eu sei disso. ainda tenho esperança!
- De quê? De ficares melhor?
- Pois! Já sei que boa não volto a ficar! Mas melhor e ver mais vezes as flores a renascer, como estes malmequeres... tão pequeninos e tão bonitos!
- São ainda muito frágeis, avó!
- Afinal eu que sou a mais velha, percebo mais disto que tu... que vocês! Até brincaram com o meu colar! Era o meu, não era, marido?
- Era, era! - disseram todos em coro.
Nós é que ainda não tínhamos percebido a verdade do seu tempo, sem tempo.

2007-03-05

Matemática e conjuntos

5 de março de 2007

- Matemática e os conjuntos.
Os conjuntos e as regras da sua intersecção ou divisão ou separação, que sei eu quantas coisas podem acontecer com estes conjuntos...
- Ora essa! Não sabes é as regras, porque tudo o que acontece com os conjuntos está regulado. E garanto-te que não há falhas! Só há leis a serem cumpridas. E sabidas! Bem decoradas, de preferência.
- Mas olha lá, conjuntos ou grupos de dados são a mesma coisa, não são?
- Ihhh, ainda vais aí...
- É para que vejas que, se não percebo matemática, não significa que não saiba das coisas.
- Isto está bom, está!
- Ou seja... os grupos de coisas, animais, plantas ou pessoas também são formados por elementos semelhantes, com regras a cumprir para as suas transformações ou simples manutenção - digo sobrevivência.
- Pode ser uma das aplicações, pode!
- A grande diferença então é que a matemática já regulou as características e publicou-as de modo a que todos possam aprendê-la, se quiserem.
- Pois foi!
- Mas as ciências, a biologia, por exemplo, ainda não regulamentou nada semelhante neste campo de acção.
- Nem vai, porque está interessada (a ciência) na experimentação livre de quaisquer entraves.
- E as éticas e as morais?
- Essas têm regras, sim senhor, mas não são muito conhecidas e de modo algum decoradas como deveriam ser, ou como as da matemática.
- Pois! Senão as experiências não padeceriam desse falha nas atitudes de alguns cientistas.
- Chegámos. Obrigada pela boleia. Amanhã levo-te eu e assim vai ficando bom e mais barato.
Óptimo.

2007-03-04

Sophia de Mello Breyner Andresen # O Anjo de Timor

4 de março de 2007

Há muitos, muitos anos, em Timor, vivia um liurai muito poderoso e muito bom. Na sua juventude resolveu ir correr mundo, para se tornar mais sábio.
Foi viajando de barco, de ilha em ilha, até chegar a uma terra muito distante.
Ali, um dia, conheceu um mercador vindo de muito longe, dos países do lado do Poente e que, também ele, andava há longos anos no caminho.
Esse mercador disse-lhe que, numa das suas viagens, tinha ouvido contar que, ainda muito mais longe, para além de montanhas, oceanos e dos imensos desertos de areia, vivia um povo que adorava um Deus único e todo-poderoso, criador do Universo e de todas as suas criaturas. E esse povo acreditava que o seu Deus, um dia, desceria à terra para salvar todos os homens.
- Quero ir ao país onde mora esse povo, disse o timorense.
Quero ouvir mais notícias do Deus que um dia viverá entre nós.
- Ai, é impossível, respondeu o mercador. Esse país fica tão longe que mesmo se viajasses a tua vida inteira não conseguirias lá chegar.
.................................................
- Já vi tantos lugares e tantos povos, mas não posso encontrar o povo que adora o Deus único, porque mesmo que viajasse a vida inteira não conseguiria lá chegar. Por isso, de que me serve viajar mais?
E voltou para a sua terra.
...............................................
E enquanto dormia, ouviu em sonhos uma voz que lhe disse que esperasse, esperasse sempre, pois um dia, a meio da noite, Deus lhe mandaria um sinal.
..............................................
Daí em diante, foi sempre assim. ... quando todos tinham adormecido, sentava-se de novo sozinho, à porta da sua casa, à espera de um sinal de Deus. ... ia envelhecendo, mas todas as noites se sentava à entrada da sua casa, à espera do sinal de Deus. Poisava sempre ao seu lado a pequena caixa de sândalo onde estavam guardadas as pedrinhas com as quais na sua infância jogava o hanacaleic.
...........................................
E o jovem disse:
- Sou o Anjo de Timor. Alegra-te, liurai, porque o Deus que tanto tens esperado se fez homem e desceu hoje à terra. ... Gaspar traz uma caixa com oiro. Melchior uma caixa com mirra e Baltasar uma caixa com incenso.
- Quero ir com eles, exclamou o chefe timorense.
- É impossível. Belém fica tão longe que nem que caminhasses a tua vida inteira lá chegarias.
- Então, Anjo, tu que és mais rápido que o pensamento, leva o meu presente ao Menino. É uma caixa de sândalo que tem lá dentro as pedras com que eu brincava ao caleic quando era pequeno. O Anjo tomou a caixa nas mãos e disse:
- Ainda bem que te lembraste de Lhe mandar um brinquedo.
...........................................
Este Natal, de novo, o Anjo de Timor se ajoelhou e ofereceu uma vez mais a caixa de sândalo e as pedras do caleic:
- Menino Deus, Príncipe da Paz, Deus todo Poderoso, lembra-Te do povo de Timor que por Ti foi confiado à minha guarda. Vê como não cessam de Te invocar, mesmo no meio do massacre. Senhor, libertai-os do seu cativeiro, dai-lhes a paz, a justiça, a liberdade. Dai-lhes a plenitude da Vossa graça.
Glória a Ti, Senhor!
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in "O Anjo de Timor"
de Sophia de Mello Breyner Andresen
ilustrações de Graça Morais

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2007-03-03

Noutros planos

3 de março de 2007

Festa de reencontro.

Flores, chocolates, lanches, aperitivos, brincadeiras e alegrias entre as famílias. Passou uma eternidade desde a última vez que estiveram juntos.
Os papéis eram diferentes, as casas e as vidas também.
As famílias, hoje, estão - digamos - misturadas em relação ao ontem longínquo.
Depois dos primeiros esforços de reconciliação, as famílias voltam a conviver com alegria sã.
Até os animais de afeição e companhia, se esforçam para se entenderem, mesmo quando isso é contra a sua natureza.

Isto é, apesar de, pela sua natureza, serem inimigos.
Mas vale o esforço duma disciplina para não deixar de ter a companhia dos donos.

O problema surge quando essa disciplina falha, nem que seja um instante, pois há logo uma enorme vontade de se caçarem uns aos outros.
Os donos, sempre vigilantes, ajudam-nos a evoluir e a respeitarem-se mutuamente, apesar das suas diferenças.
Os impulsos são, evidentemente, sentimentos primários e, como tal, sujeitos à evolução para atingir o seu objectivo último, que é a sensação de serenidade perante todas as coisas;

a consciência de que tudo se altera a cada momento e que resta sempre o trilho da conduta certa e do pensar correcto.
Resta a integridade pessoal e de grupo.
Resta a luz da paz nos corações de todos.

2007-03-02

Visitas

2 de março de 2007

Um camião, ou um pesado, vai a boa velocidade pelas estradas rurais.

Entre curvas e contracurvas vai sempre acelerando até encontrar um ligeiro.
Nessa altura ultrapassa-o e corta-lhe a passagem.
Sem dizer uma palavra, o motorista abre o carro e retira um corpo de rapaz, quase inanimado, do banco de trás e leva-o nos braços, para o seu camião.
O condutor do ligeiro que, entretanto, saiu do carro, diz-lhe, do meio da estrada, que não teve culpa de nada e que ia precisamente levá-lo para cuidarem dele.
O do camião arranca com o rapaz e deixa o outro a falar sozinho e a gesticular no meio da estrada.
Muito mais tarde, encontram-se novamente os dois condutores e o do camião resolve falar.
Já sabia que não tinha prejudicado o rapaz mas também tinha de compreender que o rapaz agora pertencia àquela família.
Isso era evidente, mas o rapaz é que tinha aparecido lá em casa e depois sentira-se mal.
Pois sentira, porque tinha ficado muito tempo longe de si próprio e foi enfraquecendo até ficar inanimado.
Certo, mas ele não sabia como levá-lo de volta.
E, mesmo que soubesse, se ele não queria, como fazer? Não podia expulsá-lo pois ele só queria estar um pouco com a mãe. E ele também queria estar com ele.
Famílias separadas são assim e os filhos nem sempre concordam com a desunião.
Talvez fosse mais construtivo deixar, cada um por si, escolher as visitas e o tempo delas.

Porque os filhos nem pediram para nascer nem pediram a separação dos pais.
O meio termo, o da sensata harmonia, talvez possa ser encontrado, com (muita) boa vontade.
E vale a pena, de certeza, esse esforço.

2007-03-01

Tudo passa

1 de março de 2007

Bandeiras amarelas com letras cinza, fazem algum barulho nos mastros por causa do vento.
Devem ter sido amarelo forte e letras pretas porque os dizeres lembram as habituais das corridas de carros.
O que antes deve ter sido cheio de movimento e energia de vida, hoje está fechado e abandonado.
Os tempos, as épocas - tudo passa.
Nada é permanente nas nossas vidas a não ser a existência do nosso ser.
Passamos os dias a dar tanta, ou demasiada, importância a pormenores...
Outras vezes, damos importância a coisas que realmente têm alguma, como os nossos compromissos.
Podemos alargar o leque da nossa consciência para o que nos rodeia, atendendo a critérios de selecção mais apurados para dedicar às nossas preocupações e sentimentos.
Em média preocupamo-nos o dobro do que precisamos, em intensidade, e no triplo das razões que deveríamos, e ainda conseguimos desleixar outras tantas.
Para melhor saúde do nosso sistema nervoso impõe-se uma selecção de interesses mais puros, no nosso modo de viver.
Mais saúde seleccionando também bebidas, alimentos e até na disciplina dos horários em que os ingerimos.
Mais exercício e agilidade no dia-a-dia, tentando equilibrar os tempos de posturas obrigatórias pelo tipo de trabalho e, muitas vezes, erradas.
Mais bem estar para nós mesmos, de modo natural (através da natureza), na convicção de que tudo o que nos rodeia é passageiro e que a relevância das coisas importantes é constantemente transferida.