Escritos de Eva

Aqui Eva escreve o que sonha e - talvez - não só. Não tem interesses de qualquer tipo nem alinhamento com sociologias, política, religião ou crenças conformes às instituições que conhecemos. Estes escritos podem servir de receita para momentos de leveza, felicidade ou inspiração para melhorar cada dia com bons pensamentos. Alguns poemas ou textos... Algumas imagens ou fotos... Mulheres e homens, crianças e idosos podem ler Eva e comentar dando a sua opinião.

2006-11-30

Barulhos

30 de novembro de 2006

Barulho de chávenas e afins - pires, colheres, moinho de café.

Isto quer dizer que estamos perto de um café. E da "civilização".
Nada disso!

Devem estar coisas dessas, ou semelhantes, nas sacolas que o animal leva.
O viajante surge risonho e conduz o bicho pelas correias, na direcção da estrada de saída. Precisamente a mesma que nos serve de entrada.
Nem sempre o mais desejado (neste caso um cafezito e comida) é o que aparece.

Também nem sempre o que parece, assim é.
Às vezes dá impressão de vivermos numa miragem dentro da paisagem que nos rodeia.

Quantas vezes dizemos "isto não é possível estar a acontecer" ou "como é que isto está aqui...?"
Entre a semelhança e a realidade parece que estamos flutuando.
E a realidade incrível é também a mais possível de acontecer.
Sem loucuras nem dramas, o que é menos esperado chega, e nós podemos aceitar (ou não) essas variações da rotina e da vida.

Podemos estar atentos (ou não) ao que se vê além do que está à vista.
Ou do silêncio que se ouve além do barulho. Ou do que se sente diferente do que os outros sentem.
Já Jesus dizia "quem tem ouvidos para ouvir que oiça, quem tem olhos para ver, que veja!".

Isto há 2006 anos, pelo nosso calendário.
Haverá ainda alguém que não perceba, além de entender?

2006-11-29

O céu de todos nós

29 de novembro de 2006

Bazar com rifas e de compras para doação dos lucros, já se vê.
O Natal vem aí e, com ele, vem todo um pacote de sentimentos que se deveriam ter pelo ano fora. Enfim, existirem pelo menos nos tempos próximos da data festiva, já não está mal.

Todos oferecem qualquer coisa, todos compram qualquer coisa para ajudar.
Muito se consegue com boa vontade. Quase tudo com amor e carinho.
Loiças e "trapinhos" adornam as prateleiras.

As etiquetas dos preços mal se vêem porque nós cortamos etiquetas em bocadinhos pequeninos.
Poupamos no que se pode para para aumentar os lucros da beneficência.
Uma azáfama, uma canseira e muita satisfação. A satisfação do dever cumprido.

Aquela satisfação que dá paz interior e vontade de viver uma vida mais útil.
O que acontece a tanto sentimento bom durante o resto do ano é um enigma.

Pelo menos todos os anos há esta hipótese de renascer um bocadinho no céu de todos nós.
Natal é das prendas e presépio.

Seja sempre de amor e tolerância para todos os que já forem capazes de servir tanta emoção boa.
Emoções portadoras de felicidade, todos somos capazes.

2006-11-28

Possibilidades

28 de novembro de 2006

Estudantes às mesas de cafés, de computadores portáteis em vez de livros.
Ligação à internet que já não precisa de fios porque há cafés que já facilitam essa ligação.
Impressoras que copiam directamente, assim como imprimem o que se pretende.
Enfim, vidas mais facilitadas pelos prodígios das tecnologias.
Mas a concentração de ideias continua a ser um mundo, como dizia Platão.
Todos temos um mundo de ideias por descobrir dentro de nós.
Mas também temos mil possibilidades de concentração para desenvolvimento de estruturas de ideias que levem a conclusões e acções práticas.
Ideias que, estudadas, criam novas ideias e soluções para a vida e e para cada momento da vida.
A mente e a inteligência desenvolvem possibilidades incríveis se projectadas para a humanidade.
Podem salvaguardar problemas e crises agindo por prevenção ou como solução.
Evidentemente que também as podem provocar, mas aí não têm expansão nem projecção.
A não ser pelas notícias...
O mundo das ideias necessita de direcção, de disciplina mental, de estruturas lógicas e racionais e só então elas estão trabalhadas para produzir algo de útil.
Os estudantes, hoje em dia, dispersam-se um pouco por tanta informação.
Com a vida vão aprender a concentrar toda a informação possível para depois serem capazes de a dirigir para si próprios. Para os conhecidos mais próximos e os mais distantes, assim como para os totalmente desconhecidos. Então vão descobrir a união da sua quota parte ao todo do planeta e a parte deste ao universo.
O ambiente será então ambiência. O sol, uma fonte minúscula de luz e calor.

2006-11-27

O tocador de violino

27 de novembro de 2006

Ele tocava violino como ninguém - era o que lhe diziam.

E o violino era a sua vida. A sua razão de trabalho.
Tocava sempre que podia. A música dele ou doutros era a sua felicidade.

Tocava até em pensamento; em sonhos e, quando acordava, tentava tocar aquela melodia que sonhara.
Viveu e morreu para a música e para o violino.

A paixão era tal que sonhava que tinha morrido e continuava a tocar.
Tocava nas nuvens, no céu: aos que passavam, mais brancos de vestes ou mais normais; aos que iam a correr ou mais devagar.

Mas antes, como agora, não encontrava ninguém como ele.
Sempre se sentiu só. Isolado mesmo. E continuava a sentir esta solidão.

Um dia, um velhinho chegou perto dele e perguntou delicadamente se podia ficar ali a ouvi-lo tocar.
Passou algum tempo e o velhinho perguntou-lhe porque só tocava sem falar nada.

Ele, velhinho, estava ali a fazer-lhe companhia e o tocador nem reparava.
Claro que reparara, ele até tocava sem repetir as músicas em sua atenção.

Podia ser, mas não se notava nada essa dedicação. Nem em gestos se notava algo diferente de quando estava sozinho.
Às vezes - continuou o velhinho - parece-nos uma coisa pela outra. Se calhar esteve sempre rodeado de amigos que nunca notou.

Se calhar dedicou-se a pessoas que nunca o viram.
Tem que pensar e agir em conformidade.

Pensar e contra-pensar de si mesmo, não leva a nada a não ser a disparates sobre disparates.
Tem que criar um objectivo ou um caminho para si e segui-lo de corpo e alma, partilhando-o com quem tem ao seu lado.

Pois, se calhar, pode ser útil também ao outro.
Partilhar o que temos é, talvez, o mais importante.

2006-11-26

S. Paulo # A caridade

26 de novembro de 2006

Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver caridade, sou como bronze que ressoa, ou como címbalo que tine.
Ainda que eu tenha o dom da profecia e conheça todos os mistérios e toda a ciência, ainda que possua a fé em plenitude, a ponto de transportar montanhas, se não tiver caridade, nada sou.
Ainda que distribua todos os meus bens em esmolas e entregue o meu corpo a fim de ser queimado, se não tiver caridade, de nada me aproveita.
A caridade é paciente, a caridade é benigna, não é invejosa; a caridade não se ufana, não se ensoberbece, não é inconveniente, não procura o seu interesse, não se irrita, não suspeita mal, não se alegra com a injustiça, mas rejubila com a verdade.

Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.
... ...

Agora subsistem estas três: A fé, a esperança e a caridade; mas a maior delas é a caridade.
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in "Bíblia Sagrada", Difusora Bíblica (Missionários Capuchinhos), 1968
de 1ª Carta aos Coríntios, Capítulo 13, versículos 1 a 13 e 17
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2006-11-25

O resto... é conversa!

25 de novembro de 2006

Ele estava numa "camisa de forças", todo amarrado, sem se conseguir mexer.
Não entendia porquê. Não fazia mal a ninguém.
Diziam-lhe que não, era até calmíssimo. Então porquê aquele estrago todo?
Não entendia nada.
Via-se a si próprio numa cadeira e numa sala, como que a ser julgado.
Via-se a ser atirado ao chão e até lhe cuspiam; e empurravam-no pelo chão fora ao pontapé.
Via uma porta a abrir-se para uma espécie de ginásio, todo bonito e colorido.
A seguir, via-se outra vez sujo e cheio de frio.
Logo de seguida tentava sair de um espesso nevoeiro, de nuvens muito escuras.
Depois voava em pleno céu azul.
«Completamentete alucinado», ouviu dizer.
Alucinações, como, se estava tudo ali mesmo?
Até via recordações suas de várias épocas, todas seguidas, mais feias e horríveis que na altura de acontecerem.
Parou tudo e está numa sala à espera da enfermeira.
Ela chega, carinhosa, e começa a conversar com a mulherzinha franzina que está à sua frente.
«Ainda bem que percebeu, querida, assim já se sente melhor e tem hipóteses de ir para casa».
Essas coisas são assim. Só páram quando percebemos que são alucinações inúteis e parvas.
Que não é verdadeiramente assim hoje - mesmo que tenha tido alguma semelhança - hoje não quer ser doente e tem direito a uma vida normal e melhor do que era.
«E o senhor, também já se conhece melhor a si próprio?
Já tem mais a certeza "que não quer ir por alí"? Já sabe quem é?
Não se esqueça, o importante é a verdade de nós próprios na nossa vida».
O resto... é conversa!

2006-11-24

Liberdade de pensamento

24 de novembro de 2006

Hoje lembrei-me da banda desenhada do Quino, a Mafalda.
Às tantas ele inventa a Liberdade, uma miúda pequenina que tem dificuldade em crescer.

É evidente a simbologia com a liberdade dos povos e nações.
Mas também é evidente a dificuldade que a maior parte de nós, indivídualmente, tem em fazê-la crescer dentro de nós.

Porque a liberdade não é só para os povos.
A liberdade, em nós, reflecte-se nos nossos movimentos e também nos nossos pensamentos.
Pois, os pensamentos são livres, se não se amarrarem a preconceitos, a tradições, nem a inovações por serem moda.

A liberdade de pensamento vai mais além do "poder pensar o que se quiser que ninguém reclama".
Para poder pensar livremente temos que nos poder distanciar do acontecimento. E dos sentimentos que as situações geram em nós e que são diferentes a cada momento da vida.

Porque evoluímos a cada instante em que vivemos.
A nossa transformação mental é constante como o bater do coração.

Portanto o pensamento é livre se o libertarmos.
Pela análise de todas as condições e situações que enfrentamos diariamente, nos momentos maus e bons. Depois de disciplinarmos as nossas primeiras vontades de reacção (ou impulsos) em resposta a cada situação.
Depois de resolvermos pela lógica e através do amor, por nós e pelos outros, os nossos problemas.

Então os pensamentos evoluem livremente para a solução que mais convém a cada pessoa.
O pensamento livre estará sempre ajustado à resolução correcta de cada momento da nossa vida.

2006-11-23

Melodias

23 de novembro de 2006

Canções cheias de ritmo. Um ritmo acelerado, que dá vontade de seguir no resto do dia. Velocidade melodiosa que contagia nos afazeres rotineiros.
A música embala as nossas emoções, a nossa história - de hoje e de antes do hoje.

Tanta coisa que poderíamos ter feito.
E outras tantas que não deveríamos sequer tê-las imaginado, quanto mais fazê-las.
Desesperos ou harpejos fortes. Alegrias ou staccatos rápidos.

Há vidas cheias de músicas, jardins cheios de melodias.
O que importa é fazer dos nossos dias uma vida melhor em construção e lembrança.

Todos somos construtores do nosso edifício: a vida que temos.
Todos podemos vivê-la lamentando-a ou moldando-a à beleza e melodias que escolhemos para nós próprios.
Independentemente das dificuldades, sejam de saúde, solidão, dinheiro ou outras, podemos sempre melhorar os nossos dias.

Juntando aqueles pormenores que dão o "toque de classe" que nos permite até gostarmos mais de nós proprios por termos conseguido ser melhores, ultrapassando-nos nas dificuldades.
Dificuldades que, anos antes, se calhar não conseguiríamos enfrentar.
Todos os dias há um novo amanhecer e certo será que, um dia, haverá um amanhecer especial para cada um de nós.

Nesse dia o sol brilhará mais - só para esse - de nós todos.
E todos nos alegraremos por esse dia.

2006-11-22

Caleidoscópio

22 de novembro de 2006

Uma pequenita olhava espantada para um tubo.

Punha-o colado a um dos olhos e fixava-o na areia da praia onde estava.
E olhava por ele para as pedras, e conchas e tudo o mais que apanhava a jeito.

Ia soltando exclamações. A mãe chegou-se ao pé dela, achou-lhe piada pelos gritinhos e afastou-se percebendo que eram de satisfação e não de choro.
O pai aproximou-se, por seu turno, e ficou com ela e com o seu entusiasmo.

Explicou-lhe então que aquilo era um caleidoscópio, ou seja, um tubo com vidrinhos coloridos que ele mesmo tinha feito para ela.
Esperava que efectivamente ela se espantasse. Ainda bem que também gostava.
- Oh, sim! Sim, sim...
Continuou o pai a explicação de modo simples, apontando o tal tubo para o mar, para a espuma, para o céu. Mas nunca o deveria apontar para o sol, porque brilha demais para os seus olhos.
Ela continuava encantada com tudo o que via com o tubo.

Não o largava e queria ver o que a rodeava com essas cores e desenhos.
Tude se alterava. As coisas mais banais ficavam cheias de formas geométricas e coloridas de modo diferente do que eram à vista desarmada.
O pai explicou-lhe ainda que ela poderia fazer isso mesmo sem o tubo. A tudo o que quisesse.

Deveria fechar os olhos. O que ela fez logo e ficou com cara de bolacha, como a mãe gostava de lhe chamar.
De olhos fechados, agora só tinha que ver as coisas com outra luz e outra dimensão.
Todas as coisas poderiam ficar pior ou melhor do que eram.

Só dependia dela e do modo como as quereria ver.
Com tubo ou sem tubo...

2006-11-21

Disciplina

21 de novembro de 2006

Luzes, energias - tudo o que hoje nos envolve se resolve em luz e energia.

Dos electrodomésticos aos computadores, da electricidade à informática.
Por ondas ou por imagens, as nossas vidas dependem delas.
Os conhecimentos dos homens, nestes últimos séculos, foram incríveis em relação às descobertas e à capacidade de as transmitir e vulgarizar na rotina dos quotidianos.
Pela história das civilizações, temos nós também a noção de que apenas alguns puderam transformar, de modo positivo, o nosso dia-a-dia. As possibilidades de curas e tratamentos para tantas situações dolorosas que existem.

Apenas alguns dedicadamente estudaram e transmitiram o seu saber de forma simples e desinteressada.
Alguns foram capazes de observar o que acontecia na natureza e quiseram imitá-la numa utilização de recursos disciplinada pelo homem e suas necessidades.
Agora o que também se impõe é que os muitos que vivem distraídos e fechados em si próprios, se disciplinem e se concentrem no bem do próximo - esteja mesmo próximo ou um pouco mais afastado.
Hoje em dia é urgente pensar caridosamente nos outros e tentar renascer todos os dias com novo ânimo.

Assim como na natureza - onde tudo se renova todos os dias um pouco todas as semanas mais - todos os anos se renovam as vidas de cada ser.
Não é preciso morrer para renascer.
Todos os minutos são preciosos para atitudes renascidas de moral mais nobre.

2006-11-20

Tantos anos...

20 de novembro de 2006

Sentado no seu cadeirão habitual falava-lhe de tudo o que se conseguia lembrar.

Ela ouvia e comentava. Conversavam finalmente.
Durante anos, ele fingia que não ouvia e ela fingia que se calava.
Estavam desencontrados na acção, mas no pensamento estavam sempre de acordo e completavam-se.
Tantos anos juntos. Parecia mentira como o tempo passava tão depressa.

Fizeram muitas coisas juntos. E outras ficaram por fazer.
O tempo de conversa fácil foi uma delas. Finalmente é tempo de poderem falar um com o outro.
Ele conta-lhe agora imagens que lhe acodem à mente. Umas até nem são boas, outras são disparatadas. Parecem um limpar de imagens de filmes ou sonhos ou qualquer outra coisa.

Parece que uma vassoura vai limpando as poeiras e lixos da sua cabeça. Lá dentro da sua cabeça, sim...
Ela lembra uns versos que lera um dia e gostara tanto que ainda não esquecera.

Eram assim: "A vida é o clarão do pirilampo na noite; é a sombra que se perde no sol".
- Então a vida pode ser sempre luminosa. É isso, não é?
- Foi o que eu entendi e por isso to digo agora. Porque, para mim, tu também foste uma luz na minha vida.
- Dizes coisas tão boas sobre a nossa vida. Ainda bem que fomos úteis um ao outro.
- Ainda bem que existimos um para o outro. E que essa existência seja um exemplo para os dias em família dos nossos filhos.
- Ainda bem que consegues limpar as poeiras da vida. Vou ver se consigo fazer o mesmo, para poder ir indo mais leve.
- Quando quiseres, porque todos os dias são bons para ir, se já se cumpriu o dever de estar aqui.
- Deixamos uma boa recordação, não deixamos?
- Acho que sim!

2006-11-19

Lao Tse # O sábio

19 de novembro de 2006

..Aquele que conhece os outros é sábio.
..Aquele que conhece a si mesmo é iluminado.
..Aquele que vence os outros é forte.
..Aquele que vence a si mesmo é poderoso.
..Aquele que conhece a alegria é rico.
..Aquele que conserva o seu caminho tem vontade.

..Sê humilde e permanecerás íntegro.
..Curva-te e permanecerás erecto.
..Esvazia-te e permanecerás repleto.
..Gasta-te e permanecerás novo.
..O sábio não se exibe, e por isso brilha.
..O sábio não se faz notar, e por isso é notado.
..O sábio não se elogia, e por isso tem mérito.

..E, porque não está competindo, ninguém no mundo pode competir com ele.
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2006-11-18

A paciência

18 de novembro de 2006

Por todo o lado notícias, a toda a hora, sobre intolerância e violência.
Estão sempre ligadas, seja intolerância política, religiosa, moral ou social.
Mas, por vezes, é difícil manter uma posição, o não ser "Maria vai com as outras" e o não ser intolerante.
Se quisermos levar uma ideia por diante, isso implica uma certa força de vontade e, logo, alguma intolerância.
À mesa chegam os cafés pedidos, porque os estudantes e intelectuais de várias gerações alimentam as suas ideias a café.
Não a frutas ou iogurtes, não. O café ilumina as ideias ou, simplesmente, acorda-as.
É sempre o mais barato, isso é que é!
Esta conversa já vai em três interlocutores, mas de conclusões vai a zeros.
Falávamos da intolerância que, no fundo, é um meio da vontade e da iniciativa.
Nem sempre! Se houver mais paciência que todo o resto, ela conduz suavemente o processo, naquela esperança e crença que tudo tem um tempo certo.
Um tempo acertado entre as várias ideias e vontades.
Como a hora que meio ano se atrasa e meio ano se adianta para estar em conformidade com parte do mundo.
Ganha o trabalho, a família, a instrução, o comércio, a indústria - enfim, o possível de modo a sintonizar as trocas de informação diárias entre uns e outros, sem o desgaste extra das energias em descanso.
Isto para conjugar de parte a parte os horários, entre os diferentes fusos e paralelos e meridianos.
Faltavas tu para harmonizar isto tudo. Então a paciência é a motivação da tolerância.
Fica bem assim, não fica?
Só falta o mundo inteiro saber desta conversa, neste cantinho do universo.
Porque não? Só é preciso ter a paciência de esperar que chegue ao meu computador...

2006-11-17

Reacções

17 de novembro de 2006

Arco-íris de cores suaves, em que perdura mais o verde. O verde esmeralda.

Lembra a pedra - a esmeralda. Tem cor de mar, de águas calmas.
Águas esverdeadas, limpas e transparentes, cheias de peixinhos coloridos e cheios de vida.
Rápidos, de um lado para o outro. Parecem dançar com as suas barbatanas coloridas.
Dá vontade de ficar a olhar. Neste caso, para o enorme aquário que está ali na parede da loja.

Assustaram-se e fogem todos na mesma direcção.
É por causa dum outro peixe, com aspecto calmo, mas nenhum gosta dele.
Por alguma razão será, porque as reacções são isso mesmo - uma reacção a alguma acção passada.

Na natureza, ou entre os homens, também é assim.
O perigo sente-se de modo instintivo.
Até na pele se sente a conhecida "pele de galinha" ou um frio, uma tremura.
Pelo contrário, o que é agradável, sente-se sem medo nem susto.

Assim, mansinho, de modo agradável.
Parece que todos temos instinto de sobrevivência, mas também de felicidade.
Felicidade terá cores de arco-íris. Pode ser assim tão variada e tão linda.
É só esperar por ela e acarinhá-la para que não vá logo embora.

2006-11-16

As crianças

16 de novembro de 2006

A menina pequenina acordou e queria ficar com a rosa que luzia no seu sonho.
- Não pode, diz-lhe a mãe, o sonho já passou.
- Então quero dormir outra vez, para ver a rosa. se calhar, tem um jardim também. E, se calhar, tem gatos. E pássaros também.
- Já agora uns bancos, umas bolas e baloiços, escorregas...
- Boa, boa. Era bom. Quero dormir, não quero sair.
Mas tem que sair. É preciso ir ao médico.
- Nem pensar. Quero dormir.
- Podes dormir lá na sala de espera.
- Ele deixa?
- Acho que sim. Pelo tempo que esperamos, podes sonhar um jardim e até uma feira de diversões.
Olha, sonha com a praia.

- Não quero. Quero sonhar outra vez com a rosa que luzia.
- Não percebo porque todas as crianças têm esta paixão pela luz e pelo que brilha.
- Ó Dr., não são só as crianças. Parece-me que qualquer um é assim. até os mais velhos!
- Lá isso é verdade. Os que querem a escuridão estão, geralmente, muito doentes. E quase sempre da cabeça. Pronto! Estás despachada para encontrares o teu sonho.
- Se for capaz de me dizer como. É que ele agora já fugiu!
- Tenta dormir.
- Agora já não me apetece. Mas logo, vou deitar-me a pensar na tal rosa e vou lembrar a cara de vocês todos a brilharem junto dela. Se ela quiser. Pode ser que lhes faça tão bem como a mim.
- Ah, as crianças são únicas. Pena nos ser tão difícil imitá-las.

2006-11-15

Pelo sim, pelo não...

15 de novembro de 2006

Montes e vales, declives e planícies. Água por todo o lado.

Inundações rápidas e desastrosas para pessoas, animais e plantas.
Sistemas de seguros talvez funcionem, mas não chegam para os prejuízos reais.
No meio da falésia, entre as quedas de água lamacenta e as rochas a pique sobre o mar, está uma mulher esfarrapada e cheia de sangue.

Os pescadores conseguem socorrê-la e até as redes de pesca lançadas sobre as rochas a ajudam, até chegar mais auxílio.
Não se lembra de nada a não ser da chuva derrubar o telhado da sua casa, no alto da serra, onde sempre morou. Depois foi o andar, a cair, por ali abaixo.

Parece-lhes apática. Talvez dos nervos ou do cansaço.
Levaram-na ao posto médico para tratar e descansar.
Passados uns dias, foram vê-la, já com melhor aspecto, mas não dizia coisa com coisa.

Assegurava que estava morta algures lá em cima, na serra e que, por favor, a fossem buscar.
Pois não precisava de nada, então não lhes acabara de dizer que tinha morrido.
Os mortos só precisam de sepultura.
E era isso que ela lhes pedia; que a fossem encontrar lá em cima e lhe fizessem uma sepultura normal.

Podia ser lá ao pé da sua casa.
Eles saíram a discutir uns com os outros. Não custava nada, agora nem podiam ir pescar com este tempo.

E faziam um passeio, todos juntos, até à casa dela.
No dia seguinte, uns quantos foram serra acima.

Encontraram a casa e a ela mesma, caída à porta, ensanguentada pelas pedras que lhe bateram, ao rolar com as águas com toda a força.
Levaram-na envolta em lençóis que tinham levado, pelo sim... pelo não...
Passaram pelo posto médico, pensando que seria uma gémea da primeira.
Juntou-se o grupo todo dos pescadores no enterro. Ela agradeceu-lhes, comovida.

No dia seguinte, foram despedir-se dela, pois o mar calmo chamava-os.
- Qual mulher? Vocês não brinquem!

2006-11-14

O desmaio

14 de novembro de 2006

Uma senhora sai meio zonza do carro que conduzia e vai cair desmaiada no meio das prateleiras-expositores de rua, do comércio mais próximo.
Nesta tentativa de se agarrar aos expositores para não cair, ainda consegue balbuciar algumas palavras. Ninguém percebeu nada a não ser que tinha caído uma mulher na rua, provocando inúmeros prejuízos no pobre do comerciante do bairro.

Chamadas a ambulância e a polícia - para ela e para os estragos - ficam para depois as contas a pagar mas fazem-se logo as identificações.
A dita senhora, não acusando nada de especial, entra na unidade de psiquiatria para melhor observação e exames mais pormenorizados à cabeça.

Ela acorda e não gosta do que vê em seu redor.
Fecha novamente os olhos, a convencer-se que é tudo um pesadelo.
E dos bons... parecia realidade pura...
Chega uma enfermeira que, delicadamente, a informa que está na psiquiatria para fazer exames, não porque a achem louca...
Mais uns dias e nada de visitas nem de ter alta.

Enervada e angustiada, vai, pelo seu pé, falar com o médico que vê no quarto ao lado.
Pois não sabem ainda o que ela tem e o marido, esse, afirma que ela pode estar em perigo ou ser perigosa para ela e para os outros se não tomar consciência da sua realidade.
- Qual realidade?

- A sua.
- Mas se não sabem os médicos, como posso eu saber? Isto é pesadelo ou alucinação.
- Meditação, responde-lhe uma voz que não reconhece.

- O que é isso?
- É pensar intensamente e descobrir o seu próprio interior. É isso que deve fazer. Conhecer-se no interior - diz a voz.
- Mas eu não me acho mal.
- Ora aí está um indício do desconhecimento. Porque não afirmou que se acha em sintonia consigo mesma, de corpo e alma. E em sintonia com a vida em seu redor.

- E como posso fazer isso? E vale a pena?
- Se quiser estudar-se a si própria, sim. Se quiser estar bem e curada de si para si. Porque não tem qualquer mal físico. Parece é mal preparada para as surpresas do dia-a-dia.
- Ainda está aí, ó voz? Parece que se foi embora.
- Não, não ouço nada dentro da minha cabeça, Dr.... Já não!

2006-11-13

Paz interior

13 de novembro de 2006

Ela vinha rua fora, bem arranjada para mais e mais compras. São a sua distracção.
Ainda não sabe o que deve fazer na vida. Que valor dar aos seus dias.
No entanto, alguns (suas vítimas do passado), já lhe perdoaram.
Perdão pelas suas intrigas que tantos infelizes fizeram.
Mães que tiveram que se separar, à força, dos filhos.
Filhos que tiveram que aguentar a solidão de não ter mãe para os mimar e ter aquela, ao contrário, tão próximo.
E percebendo esses filhos de outras mães, apesar de crianças pequenas ainda, o poder maléfico da intriga e da espionagem contínua das suas vidas, agora também em perigo.
Assim como esses maridos que desesperaram com as suas mentiras, diz-que-disse e as reticências malévolas que empurraram os desgraçados para os piores e mais falsos pensamentos.
Todos esses, no entanto, perdoaram-lhe.
E esta mãe também, até porque não podia ficar com o peso de não lhe dar uma oportunidade de recuperar a sua vida.
A verdadeira vida dela. A sua vida interior. A sua possibilidade de progresso em melhoria pessoal.
E esta mãe também não queria deixar de se perdoar a si própria o sofrimento que ela lhe causou.
Os filhos agora criados por outra, apesar de tudo, estão bem - no bem possível.
Dos céus, em trovoada e chuva, surgiu um relâmpago bem forte que a iluminou ali no meio da cozinha.
E a sua vida, tão escurecida de amargura, clareou por uns instantes também.
Então ela conseguiu compreender que o perdão que foi capaz de sentir pela outra, a iluminou de paz a ela própria.
Do relâmpago ficou a luz da sua paz interior.

2006-11-12

Erasmo Carlos # As Baleias

12 de novembro de 2006

....Não é possível que você suporte a barra
....De olhar nos olhos do que morre em suas mãos
....E ver no mar se debater o sofrimento
....E até sentir-se um vencedor nesse momento
..........
....Não é possível que no fundo do seu peito
....Seu coração não tenha lágrimas guardadas
....P'ra derramar sobre o vermelho derramado
....No azul das águas que você deixou manchadas
..........
....
Teus netos vão te perguntar em poucos anos
....Pelas baleias que cruzavam oceanos
....Que eles viram em velhos livros ou nos filmes dos arquivos
....Dos programas vespertinos de televisão
....
O gosto amargo do silêncio em sua boca
....Vai te levar de volta ao mar e à fúria louca
....De uma cauda exposta aos ventos em seus últimos momentos
....Relembrada num troféu em forma de arpão
..........

....Como é possível que você tenha a coragem
....
De não deixar nascer a vida que se faz
....Em outra
vida que sem ter lugar seguro
....Te pede a chance de existência no futuro
..........
....Mudar seu rumo e procurar seus sentimentos
....Vai te fazer um verdadeiro vencedor
....
Ainda é tempo de ouvir a voz dos ventos
....Numa canção que fala muito mais de amor
.
de Erasmo Carlos
in álbum "Roberto Carlos" de Roberto Carlos
.

2006-11-11

Harmonia

11 de novembro de 2006

Ah, as gentes. São sempre uma surpresa.

Ora são piores, muito piores mesmo do que parecem, numa capa muito bem posta e conseguida ao longo de anos de treino.
Ora são fantásticas e maravilhosas, em pequenas figuras apagadas, como que a pedir desculpa por existirem.
No geral, as crianças são simples, nem num extremo nem noutro.

Algo deve portanto acontecer pelos anos fora.
Na escola, começam as forças exteriores a formatar os seres ainda tão novos.

E pela escola, universitárias e festas de amigos vão mostrando em quem se vão tornando esses adultos de amanhã.
No emprego e trabalho que escolhem, ou aceitam vem o resto da formatação.

A personalidade primeira ou fica latente, meio envergonhada, ou reflecte-se desproporcionada, em tudo o que a rodeia.
Os outros, vizinhos e amigos, desconhecidos, simples conhecidos, são levados por ondas de afinidade pois apenas existem enquanto são parecidos.
Os relacionamentos da família idem, são de afinidade. Ou a família divide-se de um ou outro modo.
Felizes daqueles que conseguem a harmonia da sua personalidade com a dos outros.
.
....................Ó Deus, cujo sopro
....................dá vida a todas as coisas
....................possa eu escutar a tua voz
....................nos ventos, nas folhas, nos rochedos,
....................possa eu compreender o que ensinaste
....................para combater com sabedoria
....................o meu pior inimigo
....................- eu próprio

2006-11-10

Caminhando, sem pressa

10 de novembro de 2006

Aí estão os miúdos, rampa abaixo.

Um escorregou que só visto.
Neve por todo o lado - verdadeira e artificial em grande quantidade. Macia, suave e... gelada.
Focas pequenas, por todo lado. São simpáticas e gostam muito de brincadeiras.

Tão malucas como os miúdos, agitados e exaustos de tanta correria pelas rampas.
No fim, um banho fresco, fresquinho.
O sol do fim do dia ilumina suavemente a promover a despedida.

Cheios de pena, mal saem parecem que vão cair para um sono profundo.
Embalados no transporte, já sonham e sorriem ao mesmo tempo.

É bom sinal. São sonhos e recordações felizes.
Vão alegrar os próximos dias e comparar os próximos invernos.
Muitos anos depois, já velhos, estas são o tipo de recordações que ajudam a viver as agruras da vida que resta. Nesta altura já se vão indagando se também se levam as lembranças desta vida para a vida além da morte.
Estão perto deste tempo que desejam ser de fronteira, nunca de fim.
É impossível que toda a sua vida, os seus sacrifícios e alegrias tenham sido em vão.

Fechar os olhos não pode ser o fim de tudo.
Deve ser apenas um rio a transpôr, ou uma porta a abrir para outra paisagem.
Outro sol concerteza os iluminará. Outros ideais os guiarão.

Outro mundo os acolherá e ensinará o resto que precisam aprender.
Batem à porta do quarto. - Jantar! Bom, bom, já tinha fome!
Tanto pensamento cansa e desperta a curiosidade, mas não dá pressa. Não... não!

2006-11-09

Cemitério

9 de novembro de 2006

Uma senhora de cabelos todos brancos, completamente brancos, pergunta na secretaria pelo número da campa do seu marido - o general - pois, de repente e já com as flores "ao colo", esqueceu-se.
- Pois agora não pode ser, porque isso é obrigação de quem tem a sepultura.
Tem, mas tem lá em casa, ali não, pois sabia tudo de cor.

- O melhor era ir buscar lá em casa.
Então, mas está ali e com as flores. Já não tem muita idade para essas correrias.
- Então vai ter que aguardar.
- Pois, obrigada.
- Mas, sabe o nome do general, não sabe?
- Pois sei, era o meu marido.
- Como só lhe chamou general...
Outra idosa, esta muito trôpega de pernas e muito nervosa pergunta onde deixa a chave do jazigo
- Sabe o número?
- Do quê?

- Do jazigo.
- Pois não, só sei ir lá dar.
- Então diga-me o nome de quem lá está.

- Vivo ou morto?
- Ó minha senhora, isto é um cemitério. Do falecido!
- Sim, mas como era para deixar a chave... assim, o nome todo não sei.
- Então o melhor é ir ver o número e depois volte cá.
- Outra vez para lá?

- Então, se não sabe nada...
- Oh, valha-me Deus. Ainda levo eu a chave e pronto.
- Isso é um problema seu. Eu estou cá até às 16 horas.

- Pois... pois...
Este cemitério é antigo e muito bonito, no seu estilo próprio.

Mas creio que já nos habituámos a vê-los com relva pelos "meios".
Pois é, mas, no fim de contas, são museus ao ar livre para quem queira visitá-los sob esse prisma.
Hoje em dia, a cremação e o desviar da importância das coisas; o alterar das tradições que novos tempos impõem, faz que estes lugares - antes tão venerados - hoje sejam contornos da paisagem.
Como será daqui a uns trinta anos?

2006-11-08

Compras

8 de novembro de 2006

Flores e mais e mais flores nas águas junto à costa deste país à beira-mar.

Flores de todas as cores, a boiar, sem caule.
Do meio delas saltam peixes pequenos e as gaivotas atrás deles sem dó nem piedade.
É a lei da sobrevivência.
Elas vão despreocupadas às compras, nem sabem do quê.

Mas muitas mulheres são assim. As compras são uma espécie de janela nas suas vidas.
Um pouco ociosas, pensando bem.
Os homens, hoje, mais que antigamente mas, mesmo assim, não tanto.
Há um não sei quê de estilo feminino nas compras.

Além de uma capacidade extra para os pormenores e a beleza.
Uma especial capacidade de ver um objecto simples e imaginá-lo em outro sítio, a valorizar esse lugar ou alguém a usá-lo.
Sem dúvida que eles são mais austeros de costumes e, talvez por isso, as grandes lojas de "marca" tenham os artigos para homem com qualidade de maior duração ou conservação.
E elas chegaram agora à praceta, cheia de cafés e esplanadas.

Mas o tempo urge, as lojas vão fechar.
Depois é almoço e seguem para as lojas do centro comercial, ali já ao fundo da rua.
Montras e sacos de compras. Os cartões de crédito já vão esvaziando.

O mês é longo para as despesas extra. As famílias ressentem-se mas estão todas mais "à moda".
Até a casa está.
Conforto e boa vida, com jantares de amigos, têm hoje em dia preços muito altos.

Para uns valem a pena.
Para outros, menos abonados de crédito financeiro, nem sempre valem sequer um sorriso em casa.
Equilíbrio e medida em tudo, é necessário.
E esse sim, é verdadeiro conforto.

2006-11-07

Velhice

7 de novembro de 2006

Ele esperou tantos anos.

Já velho, de visita aos pais, ouviu - apenas pela terceira ou quarta vez - dos seus pais, que gostavam da sua visita.
Que lhes fazia bem vê-lo porque gostavam dessa presença.
E porque lhes lembrava o tempo da sua criação.
A velhice tem coisas destas: no meio do imenso olvido, surgem com nitidez as recordações dos tempos.

No fundo, dos tempos mais importantes.
Os tempos em que se cria a sua própria família.

Os tempos em que se fazem também os maiores sacrifícios - físicos e financeiros.
Mas parece que são também os tempos mais felizes.
O tempo das traquinices dos filhos. Das escolas e do seu futuro.
Todos caminhamos para velhos mas nem sequer imaginamos como será.
Ele gostou de ouvir e devolveu o cumprimento. Era bom tê-los vivos.

Bonitos e arranjados, mesmo que tão estragados pela idade, nos seus movimentos e juízo.
Era bom poder visitá-los e senti-los ali, em segurança, e vivos.
Detestava cemitérios e aquelas romarias de flores.
Evidentemente que tinham de estar num sítio mas, às vezes, lembrava-se dos costumes antigos de enterrar os mortos nas suas terras.

E, tinha de reconhecer, parecia-lhe melhor. Ficavam, como dizer... em casa.
Percebia que hoje isso não tinha cabimento. Socialmente era diferente.
Mas em relação à sua família, tinha todo o sentido.
Progresso e evolução ou simplesmente alterações dos tempos.
Sobretudo, diferenças de opinião.

2006-11-06

Logo se vê...

6 de novembro de 2006

Ela queria sair, respirar fundo; andar, caminhar ou correr.

Enfim, qualquer coisa, menos estar ali.
E saiu finalmente. Acabou o trabalho.

Estava desgostosa com ela mesma.
Ia terminar o prazo do contrato e propuseram-lhe outros termos.
Menos uma hora, algumas regalias mais e menos uma folga por semana.
Era um impulso do tempo. Tempo em que tudo lhe corre de revés.

Não quer e diz que se vai embora.
Hoje, quase na altura da data da decisão, pensa melhor e não sabe o que vai fazer.

Na sua idade já não é fácil, e a vida envelheceu-a ainda mais.
Está sozinha, viúva recente e os filhos criados.
Vai para a terra onde nasceu, talvez, mas vai fazer o quê?

Lá não há nada, só casas e lavoura. Ela não sabe nada daquilo.
E já se habituou à cidade. Como fazer?
Durante um ano tem o fundo de desemprego. A seguir, logo se vê.

Se calhar, vende esta casa que lhe ficou paga pelo seguro do marido.
Já lhe dará para ir então para a terra e arranjar uma loja.
"Não sei, logo se vê o que aparece. Logo se vê..."
O futuro a Deus pertence e a esperança não morre.

E lá vai ela, rua fora, respirando fundo.
A vida dá volta nela, mas ela ainda tem forças para dar uma volta à vida. Oh! se tem...

2006-11-05

Ary dos Santos # Libertação

5 de novembro de 2006

..........Rasgou minha alma um grito agudo
..........De libertação.
..........E eu desdobrei as asas nos espaços,
..........Sem peias, sem pudor e sem razão,
..........Abrindo os braços,
..........Como um irmão,
..........Ao mar e ao céu!
..........Na plenitude heróica do meu ser,
..........Caminhei sem parar,
..........Levando nos meus dedos
..........Todo o poder
..........Indómito do mar.
..........Livre de grilhões e de cadeias
..........Eu dei o corpo à terra sem chorar,
..........E senti o pulsar nas minhas veias
..........A imensidão do mar.
..........Libertou-se a minha alma!
..........O mar cantou mais alto,
..........O céu ficou maior
..........E eu fiquei sem saber
..........Se a minha alma era o céu,
..........Se era o mar,
..........Se era eu!

in "Asas"
de Ary dos Santos

2006-11-03

Ilusão

3 de novembro de 2006

Hora do cafezinho da manhã. Esplanada molhada, chapéus de sol a fazer de chapéus de chuva. Empregadas rápidas nos passos e nos movimentos porque os aguaceiros são fortes e vem lá um, já já.
Os clientes devem ser doidos pois estão lá fora com bebidas e bolos à chuva.

Há gostos para tudo, sem dúvida...
Aquele ali, lê um livro e, quando muda a folha, já está toda molhada.

No balcão comentam que o pagamento adiantado foi uma boa "invenção".
Dentro do café está quentinho e acolhedor, sem dúvida.
Lá fora... bom... olhando melhor, deve ser já Natal.

É que o chão está rosa, molhado de água rosa.
A chuva é toda rosa e forma um cone, com bico para o céu e base cada vez mais larga, na dita praça onde fica o café.
As gotas de chuva brilham e reflectem as cores dum arco-íris que se formou no céu.

As pessoas ficaram paradas como estátuas.
O sol apareceu e clareou o céu, as ruas, a praça - tudo. Como é costume.
Tudo brilhava agora à luz do sol. E todos continuavam estáticos.

O sol vai outra vez para trás doutra nuvem. O brilho esvanece.
As pessoas como que acordam para a sua rotina.
A praça volta ao movimento habitual, sem que ninguém recorde a quebra no dia, no tempo.
E será de recordar? O que é vulgar já não causa espanto a ninguém.
Tudo ilusão, já se vê!

2006-11-02

Amigos

2 de novembro de 2006

Um amigo de outro. Aquela amizade de confiança simples.
Daquelas coisas de oportunidade. Tudo é bom até prova em contrário.
Da parte do primeiro, a facilidade da conversa de quem não tem nada a esconder.

Tanto fala do tempo como da família.
Sempre na confiança do dia-a-dia, da compreensão por semelhança.
Na semelhança de culturas, sociabilidades, princípios, etc.
O outro, menos falador das suas coisas e tentando sempre observar o primeiro, em todos os pormenores.

Horários, referências de emprego, da família, da morada, do telefone, dos hábitos de todos lá de casa.
Enfim, conversa sãs e malsãs. Conversas sem finalidade e conversas com interesse.
Chegam as férias e, nessa altura, afastam-se por força das circunstâncias e as conversas deixam de existir.
O povo diz, com toda a sabedoria, que a verdade vem sempre ao de cima.
Qual não é a surpresa do primeiro, ver o amigo a revistar-lhe a casa. A revistar-lhe as coisas.

De espanto em espanto, acaba por perceber e confirmar os modos familiares do amigo serem tão diferentes do que parecia e dizia.
Afinal, quão diferentes são. Quase extremos.

O mal-estar instala-se com a desconfiança crescente.
Os budistas falam das egrégoras e das suas energias, bem ou mal administradas.
Muito razoável essa ideia e, na nossa companhia, devem estar pessoas bem conhecidas.

Os piores encontros são os que melhor parecem se não forem analisados com paciência e prudência.
Famílias podem ficar em risco. Não há idade para seleccionar.

Os amigos são-no na prova das situações felizes e das infelizes.
No rodar dos tempos, anos até.
A amizade é um bem precioso a preservar.

2006-11-01

Flores

1 de novembro de 2006

Há neve nas montanhas e, no vale, os verdes escondem-se cada vez mais.

O sol deixa o seu brilho na neve e a luz assim reflectida tem um brilho ofuscante.
Os animais e pássaros não ligam porque andam apressados a preparar o sítio onde vão ficar no inverno, com a família que ainda está a crescer.
Os pássaros amontoam comida para os dias que não puderem sair.
As águias voam, planando alto e sobranceiramente.
As florestas mantêm já o chão sempre molhado e gotas estão constantemente a cair dos ramos que já não secam.
Por todos os lados são rumores e sons abafados.
Um grupo de crianças vai fazer o piquenique de inverno e despedir-se da floresta até à próxima primavera.

As mães não gostam de os ver por ali no inverno porque, às vezes, dão-se movimentos de terras e neves e podem cair.
Além disso, os dias pequenos dificultam as buscas e o frio não ajuda nada a quem se perde.
Os bichinhos pequeninos gostam muito daqueles piqueniques.

As crianças cantam, lêem, jogam nos mini-computadores de bateria. Outros correm e saltam.
Um deles afasta-se sózinho com um saco pequeno e uma pá também pequena.

Só perceberam a sua ausência na hora de regresso a casa, mas foi exactamente quando ele voltou todo vermelho do esforço.
Conseguira, sim! Não podia mostrar para não desmanchar.
Só em casa! Aí então, abriu o saco.
No meio de terra molhada, lá estavam plantas com flores pequenas que se aguentariam em flor todo o inverno.
A irmã plantou-as em vários vasos, em casa e no jardim.
E, na primavera seguinte, a casa estava ainda florida e cheia de esperança de flores do coração.