Escritos de Eva

Aqui Eva escreve o que sonha e - talvez - não só. Não tem interesses de qualquer tipo nem alinhamento com sociologias, política, religião ou crenças conformes às instituições que conhecemos. Estes escritos podem servir de receita para momentos de leveza, felicidade ou inspiração para melhorar cada dia com bons pensamentos. Alguns poemas ou textos... Algumas imagens ou fotos... Mulheres e homens, crianças e idosos podem ler Eva e comentar dando a sua opinião.

2007-03-04

Sophia de Mello Breyner Andresen # O Anjo de Timor

4 de março de 2007

Há muitos, muitos anos, em Timor, vivia um liurai muito poderoso e muito bom. Na sua juventude resolveu ir correr mundo, para se tornar mais sábio.
Foi viajando de barco, de ilha em ilha, até chegar a uma terra muito distante.
Ali, um dia, conheceu um mercador vindo de muito longe, dos países do lado do Poente e que, também ele, andava há longos anos no caminho.
Esse mercador disse-lhe que, numa das suas viagens, tinha ouvido contar que, ainda muito mais longe, para além de montanhas, oceanos e dos imensos desertos de areia, vivia um povo que adorava um Deus único e todo-poderoso, criador do Universo e de todas as suas criaturas. E esse povo acreditava que o seu Deus, um dia, desceria à terra para salvar todos os homens.
- Quero ir ao país onde mora esse povo, disse o timorense.
Quero ouvir mais notícias do Deus que um dia viverá entre nós.
- Ai, é impossível, respondeu o mercador. Esse país fica tão longe que mesmo se viajasses a tua vida inteira não conseguirias lá chegar.
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- Já vi tantos lugares e tantos povos, mas não posso encontrar o povo que adora o Deus único, porque mesmo que viajasse a vida inteira não conseguiria lá chegar. Por isso, de que me serve viajar mais?
E voltou para a sua terra.
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E enquanto dormia, ouviu em sonhos uma voz que lhe disse que esperasse, esperasse sempre, pois um dia, a meio da noite, Deus lhe mandaria um sinal.
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Daí em diante, foi sempre assim. ... quando todos tinham adormecido, sentava-se de novo sozinho, à porta da sua casa, à espera de um sinal de Deus. ... ia envelhecendo, mas todas as noites se sentava à entrada da sua casa, à espera do sinal de Deus. Poisava sempre ao seu lado a pequena caixa de sândalo onde estavam guardadas as pedrinhas com as quais na sua infância jogava o hanacaleic.
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E o jovem disse:
- Sou o Anjo de Timor. Alegra-te, liurai, porque o Deus que tanto tens esperado se fez homem e desceu hoje à terra. ... Gaspar traz uma caixa com oiro. Melchior uma caixa com mirra e Baltasar uma caixa com incenso.
- Quero ir com eles, exclamou o chefe timorense.
- É impossível. Belém fica tão longe que nem que caminhasses a tua vida inteira lá chegarias.
- Então, Anjo, tu que és mais rápido que o pensamento, leva o meu presente ao Menino. É uma caixa de sândalo que tem lá dentro as pedras com que eu brincava ao caleic quando era pequeno. O Anjo tomou a caixa nas mãos e disse:
- Ainda bem que te lembraste de Lhe mandar um brinquedo.
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Este Natal, de novo, o Anjo de Timor se ajoelhou e ofereceu uma vez mais a caixa de sândalo e as pedras do caleic:
- Menino Deus, Príncipe da Paz, Deus todo Poderoso, lembra-Te do povo de Timor que por Ti foi confiado à minha guarda. Vê como não cessam de Te invocar, mesmo no meio do massacre. Senhor, libertai-os do seu cativeiro, dai-lhes a paz, a justiça, a liberdade. Dai-lhes a plenitude da Vossa graça.
Glória a Ti, Senhor!
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in "O Anjo de Timor"
de Sophia de Mello Breyner Andresen
ilustrações de Graça Morais

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