Escritos de Eva

Aqui Eva escreve o que sonha e - talvez - não só. Não tem interesses de qualquer tipo nem alinhamento com sociologias, política, religião ou crenças conformes às instituições que conhecemos. Estes escritos podem servir de receita para momentos de leveza, felicidade ou inspiração para melhorar cada dia com bons pensamentos. Alguns poemas ou textos... Algumas imagens ou fotos... Mulheres e homens, crianças e idosos podem ler Eva e comentar dando a sua opinião.

2006-06-30

Dia de praia

30 de junho de 2006

Dia aprazado para a praia. Dia lindo de sol.
Dia de Verão com uma leve brisa, muito leve.
Como um véu que passa por nós enchendo-nos de paz perante a imensidão do mar, do céu.
Sobre a imensidão de azul em nossa vidas.
De azul céu, porque até as águas estavam de azul céu.
Na orla, estavam completamente transparentes.
Apetecia-me ficar ali o dia todo. A semana.
A vida inteira ali em paz, misturada naqueles tons e matizes nacarados de branco pérola, reflexos verdes não sei bem como e azul mais nítido ainda na cor ao fundo.
Pessoas estão ao Sol ou passeiam as crianças.
Os infantários já fazem presença com as crianças "arrumadas" em rodas ou em formaturas.
Caminhamos pela orla. Os sonhos sonham-se.
Aparecem as fadas dos sonhos.
Aparecem as coisas belas que amamos.
Aparecem os amores que temos, ao nosso lado.
Aparece a felicidade vestida de um dia de sol.
Afinal é tão simples ser feliz.
É estar feliz nesse momento.
Eternamente, o instante.

2006-06-29

O bebé

29 de junho de 2006

A gruta é grande, em largura, espaço e altura.
Uma bola de luz como o Sol ilumina-a, de modo a poder ver-se uma criança-bebé em panos castanhos.
Uma mulher, que não é a mãe, está debruçada sobre ela, tanto para não chorar como para não deixar que lha levem.
Ela sabe como isso é porque foi ela que a separou da mãe e a trouxe para ali.

Mas não consegue escondê-la.
A verdadeira mãe está ali a querer tirar-lha, mesmo ali.
E o bebé como que adivinha, porque olha na sua direcção e, nesses momentos, sorri e serena o choro.
A mulher não percebe porquê, visto que o trata o melhor que pode e sabe.
Nem tem comido, nem bebido, nem nada, para não o deixar só e não se sentir abandonado.
Coitados, três seres em dívida uns pelos outros e nenhum avança na tolerância e na paz.
São momentos de aflição e desespero.
A mãe apela para a salvação do filho, mais que da sua.
E vem, então, um grupo de salvamento que encontra esta gruta, no meio de tantas iguais.
Só que esta registava um chamamento de mãe. De verdadeira maternidade.
Consciente e amorosa quanto baste. A verdadeira supremacia da mulher.

A sublimação da dádiva do amor.
Os salvadores enviam primeiro a bebé para a estação de socorro.
A seguir as duas mulheres que entretanto se ligaram entre o desespero e a dádiva.
Amigas no futuro...

2006-06-28

A casa desabitada

28 de junho de 2006

Uma casa que foi habitada há muitos anos atrás.
Vagamente aparecem as pessoas habituais daquele tempo, mas em posturas de conversação que nunca existiram desse modo.
A observar tudo está um homem enorme em estatura e corpo.
Nada diz mas parece procurar alguém e fixa os seus olhos verdes claros em mim.
Quando me decido a perguntar-lhe se quer alguma coisa da mesa ou de nós, ele desaparece em pânico.
Procuro pelas escadas, depois pelas salas onde surgem pessoas de todos os lados.
Outras entretidas em conversas, parecendo dirigir-se para uma sala de congressos.
Vou lá também à procura. Pelos recantos e já na rua, continuo a procurar.
É importante encontrá-lo, mas não o vejo em lado algum.
Ah, ele veio ter comigo e está mesmo à minha frente.
De coração aberto conta que, de há muitos anos, espera naquela casa que apareça alguém para o guiar na direcção do céu-rosa.
Trata-se da sua salvação por amor e misericórdia.
Mostro-lhe o caminho. Vai a correr, talvez com a noção de já ter perdido muito tempo à espera.
Vira-se lá ao cimo e agradece-me.
Não precisa. Basta que seja feliz.
Feliz porque subiu, enfim.

2006-06-27

Os viajantes

27 de junho de 2006

Parece um escafandro, é um capacete cheio de fios ligados a qualquer coisa.
Limos e algas escuras por todo o lado.
Os enfermeiros e médicos estão a desligar-lhe os fios e o dito capacete com todo o cuidado.
Metódica e lentamente, vão verificando tudo.
A luz é suficiente, nada forte.

O ambiente, apesar da gravidade da situação, é ameno, talvez pela ordem em que decorrem as tarefas.
Todos parecem competentes e conhecedores das regras deste trabalho e da equipa.
Finalmente estão a retirar o que parece ser um fato de escafandro.
O fato, conforme se separa do corpo do indivíduo, vai desaparecendo no ar.
Dissolvido completamente, depois de retalhado em partes e partículas cada vez mais pequenas.
Pronto - desfez-se todo!
Os limos e as algas parecem tomar vida e seguir caminhos desconhecidos, levados por outros enfermeiros que acorrem para esse trabalho, específicamente.
O indivíduo muito pequeno em relação ao tamanho do fato parece acordar.
Está muito espantado mas também muito atento às instruções que vai percebendo.
O seu coração é tocado e vai batendo mais forte.
Outros, em situação semelhante, surgem aos meus olhos.
É uma sala enorme cheia de camas.
Alguns levantam-se e vão descobrir a sua própria rota.
Outros apenas vão melhorando.
Todos serão viajantes.

2006-06-26

Vida e profissão

26 de junho de 2006

Fontes de jorros de água.
Flores que voam das suas plantas e vão banhar-se nas águas.
Dos jorros reúnem-se em lagos de água pouco profunda, entre os tons transparente (ou incolor) e matizes de verdes claros.
O céu, azul, tem nuvens brancas que passam a correr.
É a harmonia da natureza.
Lembro então pessoas que me são queridas por serem família próxima ou por serem amigas.
Imagino-as a gozarem também desta paisagem.
Elas gostariam de poder viver ali mesmo.
Como se um paraíso existisse assim, pronto a ser colhido ou gozado. Assim mesmo à nossa espera.
Mas não, a vida é como uma profissão. Tem um tempo para aprender a trabalhar e um tempo para trabalhar mesmo.
Fazendo render não oito, mas vinte e quatro horas sobre vinte e quatro.
Acordado ou a dormir, o trabalho é para ser conseguido, sendo da sua qualidade a projecção da qualidade de vida.
Da vida eterna, sem princípio nem fim.
Da vida que nos embala os sentidos.
Dessa vida que calibra as nossas opções de cada dia.
A vida que precisa ser bem vivida...

2006-06-25

Violeta Parra # Gracias a la Vida ( Tradução em português )

25 de junho de 2006

Obrigado à vida que me tem dado tanto
deu-me dois olhos que, quando os abro
perfeitamente distingo o preto do branco
e no alto céu, o seu fundo estrelado
e nas multidões, o homem que eu amo.
.
Obrigado à vida que me tem dado tanto
deu-me o ouvido que, em toda a amplitude,
grava, noite e dia, grilos e canários
martelos, turbinas, latidos, chuviscos
e a voz tão terna do meu bem amado.
.
Obrigado à vida que me tem dado tanto
deu-me o som e o abecedário
e, com ele, as palavras com que penso e falo
mãe, amigo, irmão e luz iluminando
a rota da alma de quem estou amando.
.
Obrigado à vida que me tem dado tanto
deu-me a marcha dos meus pés cansados
com eles andei por cidades e charcos,
praias e desertos, montanhas e planícies
pela tua casa, tua rua e teu pátio.
.
Obrigado à vida que me tem dado tanto
deu-me o coração que todo se agita
quando vejo o fruto do cérebro humano,
quando vejo o bem tão longe do mal,
quando vejo no fundo do teus olhos claros.
.
Obrigado à vida que me tem dado tanto
deu-me o riso e deu-me o pranto
assim eu distingo a felicidade da tristeza,
os dois materiais de que é feito o meu canto
e o canto de todos, que é o meu próprio canto
.
Obrigado à Vida
Obrigado à Vida
Obrigado à Vida
Obrigado à Vida
.
de Violeta Parra
( Trad. de F.L. )
.

2006-06-24

24 de junho de 2006

Uma cama de casal, colcha branca com um ramo de flores azuis ao centro.
Uma região branca no planeta, com flores e montanhas pelo meio e bordas externas. O mar à volta.
A guerra prepara-se lenta e objectiva, como o felino espera a presa frágil que vê ao longe.
Outros países gesticulam e discutem em preguiças administrativas os assuntos que deveriam tomar em mãos.
A guerra finge que é boato.
Os países interessados adestram os seus preparativos com denodo e tão meticulosamente que só alguns reparam no paralelo. E estranham.
A cama ainda está feita à espera dos esposos.
Lá fora acendem-se discussões de futebol e músicas alegres e alusivas que distraem a atenção.
Vêm chuvas em pleno Verão e ninguém estranha. Tudo se justifica.
É tão mais simples permanecer na preguiça.
Preguiça de atitudes, de ideias.
E de pronto chegamos à preguiça moral.
A ética, o direito e o dever são apenas mais temas de discussão.
Muito se discute.
Resta saber se é para manter atitude ociosa.
Ou se é a própria mente que apenas consegue ser inútil.

2006-06-23

23 de junho de 2006

Almoço! Está na hora de acordar.
Cuidado que está ao contrário na cama. Isso... a cabeça já está na almofada.
- Trouxe o almoço. Está preparado para comer?
Ah, é verdade, falta subir a cabeceira da cama. Pronto... melhor.
- Vou dar a sopa. Tem bocadinhos pequenos de cenoura e salsa, portanto o que encontrar é para mastigar. Isto se gosta de cenoura e salsa.

O prato, hoje, é de peixe com três qualidades de puré: batatas, cenoura e bróculos.
A seguir a fruta.
Os remédios já foram.
Está muito calor aqui. O melhor é abrir a janela.
Tudo ficou como meia hora antes. Como se não tivesse acontecido nada.
A droga ultrapassa a vida.
A vista foi-se ou já não era. Os olhos são lindos, castanhos e até têm algum brilho.
De raça indiana. Deve ter sido um homem bonito.
Agora fica-se inerte até o suor, que escorre sempre, o empurrar para mudar de posição.
Está ligado à cama e ao hospital.
As drogas da rua adoentaram-lhe o corpo ainda jovem - trinta anos, talvez.
Tudo nele parece adormecido - sem memória.
Mas à minha saída diz, sem mexer:
- Obrigado, estou bem...

2006-06-22

22 de junho de 2006

Pela terra, pelo céu, pelo deserto, pelas águas faz-se uma travessia de pássaros.
Chegámos e estamos no meio de areia bem dourada pela força do Sol.
A cordilheira à frente está cheia de grutas, iluminadas apenas pela luz natural.
Pessoas, famílias, negociantes de toda a espécie vivem ali.
Vem um bebé ao colo e uma criança pela mão.
Uma mãe vem mais atrás, logo seguida por sete ou oito crianças em idade escolar.
A seguir vêm dezenas de raparigas muito novas e cheias de pressa.

Vão olhando receosas para trás.
Um vulto enorme ergue-se, maior que a montanha, mais perto de nós.
Está admirado e depois torna-se ameaçador, mas fica imóvel.
Todos os outros lavam-se num lago cheio de estrelas, em pleno dia.
E prosseguem em marcha ordenada.
Chegam a um sítio onde, conforme vão entrando, flores se espalham pelo chão, à sua volta e redor, pelo ar.
Parece dia de festa.
Os mais pequenos tentam apanhá-las nas mãos.
Os mais velhos esperam, cautelosos.
Mas é verdade!
É mesmo dia de festa... e de júbilo.

2006-06-21

21 de junho de 2006

Uma escada escura e algo suja.
Uma porta com vidro, em sistema de guarda-vento, dá acesso a um hall.
As paredes outrora brancas estão cinza encardida do tempo.
Um balcão de recepção e algumas cadeiras de madeira.

Lembra a época da 2ª Grande Guerra e posterior.
Tudo modesto e vazio.
Vou ter a uma sala cheia, mesmo a abarrotar, de crianças pequenas. Não têm mais de 5 a 7 anos.
Ao fundo, junto às janelas (há várias) estão camas-berço e bebés a dormir.
Todos estão com blusa e saia/calção cinza claro. Os bebés em camisa, da mesma cor.
As crianças parecem esperar - não percebo o quê.
Abro a porta e ficam espantadas a olhar para mim. Completamente paralisadas.
Começo a lavá-las em pequenas tinas de água e a vestir-lhes roupas brancas e perfumadas.
Bem penteados e arranjados, pego nos bebés ao colo e dou bolinhos de manteiga às crianças.
Saímos todos. A estrada é larga e a subida íngreme.
Chegamos a um portão enorme que se abre mal nos aproximamos.
Entram todos e ficam num largo, com chafariz ao meio.
Os mais velhos levam agora os bebés.
O céu que os ilumina agora é rosa.
O chão tem estrelas que não se deixam agarrar.
Na antiga sala, uma mulher abre a porta.
Só pétalas brancas no chão.
Grita pelo que não entende.
Sai a correr.
Sózinha.

2006-06-20

20 de junho de 2006

Sesmarias, prados, colinas. Paisagem enfim rural. Longe das cidades e sequer de vilas.
No meio da paisagem uma casa típica.
Adegas no piso térreo e habitação no andar de cima.
Escada em madeira a formar quarto minguante.
Espelho e cabides no patamar central.
Soalho de madeira maciça, limpa dos nós típicos.
Madeira boa, de primeira, mas acusando anos de abandono no trato civilizado em benefício de bichinhos.
Janelas antigas com portadas pesadas e vidros finos já partidos.
Seres, sombras, caveiras, cortinas a esvoaçar sem precisarem da aragem.
Todos olham espantados a intrusão.
Alguns poisam nas poeiras do tempo. Outros vêm ver a novidade da visita.
Todos querem melhor e estão mais que fartos de esperar. Querem fazer algo melhor do que andar por ali.
Abre-se uma estrada depois da porta deixada aberta para dar luz.
A estrada mostra as cores do arco-íris. Flores novas da Primavera enfeitam-na.
Folhas verdes abanam em leque e refrescam do calor que se faz sentir.
Os céus tomam cores róseas.
O Verão vem aí.
A liberdade já veio...

2006-06-19

19 de junho de 2006

Um estacionamento de terra batida.
Algumas árvores. Carros e carros ao sol.
Alguns degraus em madeira, vasos e cântaros de flores. Relva e baloiços.
Uma quinta ao estilo do turismo rural.
Uma sala: salão para comidas festivas com espaço para música e dança.
A alegria contagiante de gente nova em festa.
Varandim em madeira, a debruçar as pessoas para o empedrado.
Foguetes de lágrimas.
Núpcias entre gente de bem. Núpcias entre a terra e o céu.
Vejo tudo em duplicado.
Pessoas conhecidas que falam e riem. Conversam e propõem "partidas" bem humoradas.
Ditos e gracejos de fazer rir os anjos, que espreitam tanta alegria e amizade.
Outros, desconhecidos, passeiam.
Discutem estacionamentos. Sentam-se a descansar nos bancos de madeira.
Escondem-se miúdos atrás das árvores e arbustos.
Alguns observam, admirados, esta invasão festiva.
Outros não dão por nada.
Finalmente, na luz do sol e do sentimento de amor que perpassa pelos recém-casados, convidados e desconhecidos, os céus abrem-se.
Parece chegar a permissão do amor ultrapassar as bodas.
O amor, como o calor, sobe no ar.
Para sempre.

2006-06-18

18 de junho de 2006

- Tu voas com muita velocidade, não voas?
- Eu... gosto da velocidade, - respondeu Fernão, surpreendido mas orgulhoso que de que o Mais Velho o tivesse notado.
- Começarás a aproximar-te do Paraíso no momento em que alcançares a velocidade perfeita. E isso não é voar a mil e quinhentos quilómetros à hora, nem a um milhão e quinhentos mil, nem voar à velocidade da luz. Porque nenhum número é um limite e a perfeição não tem limites. A velocidade perfeita, meu filho, é estar ali.
Sem avisar, Chiang evaporou-se e apareceu à borda de água, à distância de quinze metros, numa centelha de instante. Depois evaporou-se outra vez e surgiu ao lado de Fernão, no mesmo milisegundo.
- É divertido, - comentou.
Fernão ficou atordoado. Esqueceu-se de fazer perguntas acerca do Paraíso.
- Como é que se faz isso? O que é que se sente? A que distância se pode ir?
- Desde que o desejes, podes ir a qualquer lugar e em qualquer momento, - disse-lhe o Mais Velho. - Que me lembre, já fui a todos os lugares e em todos os momentos. - Olhou o mar, pensativo. - É estranho... As gaivotas que desprezam a perfeição por amor ao movimento não chegam a parte alguma, devagar. As que ignoram o movimento por amor à perfeição chegam a toda a parte, instantâneamente. Lembra-te, Fernão, o Paraíso não é um lugar nem um tempo, porque lugar e tempo não significam nada.

in A História de Fernão Capelo Gaivota
de Richard Bach
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2006-06-17

17 de junho de 2006

Uma catarata no meio do céu. Mas podemos estar no meio da água que cai.
Não percebo se nos molhamos ou não.
Mas percebo que não estamos nem atrás nem à frente.
Estamos mesmo no meio da água, até porque nós mesmos somos parte dessa água.
De repente, essa água em catarata transborda do lago onde cai e alastra qual cheia até ao horizonte.
E daí cai em todas as terras do planeta.
E rodeia o planeta várias vezes até que inunda o espaço à volta.
É uma torrente de água limpa que não faz estragos.
Passa por tudo e todos como se nos lavasse.
Simplesmente.
Deixando tudo intacto mas completamente limpo.
Só as pessoas ficam translúcidas, em vez de opacas.
Mas retêm as mesmas roupas e aspecto.
E a torrente continua até se perder de vista.
Afinal o tempo parou.
Está tudo parado nesta imagem.
O combóio pára. Chegamos à estação de destino.
É hora de vivermos nova oportunidade de vida.
Uma vida de transformação e de porvir.

2006-06-16

16 de junho de 2006

No meio de árvores e nem sei mais o quê está a entrada de uma gruta ou caverna.
Não sei bem, porque não se vê nada. Tudo escureceu.
Entrei mas precisei, depois, de acender uma tocha.
Àparte essa luz está tudo negro. O chão e as paredes.
Continuo a caminhar com receio de tropeçar e perder a luz. Agora a gruta vai dar a outras que se cruzam.
Será isto o centro da terra que Júlio Verne queria descrever? Não é macabro, é simplesmente escuro.
A partir daqui, vêem-se vultos a dormir e, mais longe, outros parecem trabalhar, lenta ou penosamente.
Aqui nos adormecidos, estão dois olhos bem claros e brilhantes a olhar para mim.
São de alguém curioso com a minha presença.
Aproximo-me e parece levantar-se de uma pequena "cama" - melhor dizendo - tarimba.
A luz da tocha envolve-o e ilumina em redor facilitando-lhe a saída.
Olhando em volta mais uma vez apetece-me que um céu azul pudesse ser o tecto.
E flores ficavam ali bem, depois da luz natural entrar com toda a força que o sol tem.
Como é lindo o nosso céu...
Parece que se enche de pássaros a voar cada vez mais alto.
Ah, a luz da liberdade!

2006-06-15

15 de junho de 2006

Uma entrada enorme envidraçada.
À direita o corredor passa por um lago, com uma pequena fonte caindo em jorro sobre umas pedras brancas de tamanhos vários.
O lago é triangular a fazer um canto do corredor. Algumas plantas de folhas longas e delgadas dançam no meio da água. Entre seixos e areão grosso.
Dá frescura só de passar por ali.
Ao fundo, também em um canto, está uma secretária e duas empregadas ou enfermeiras - não percebo bem - porque têm bata branca.
Mas elas continuam a conversar e não me vêem.
Como estou apressada sigo logo para o quarto que me interessa.
A doente, agora já convalescente, continua envolta em panos brancos que lhe tapam, inclusivé, a cara (testa e parte das faces) continuando logo a seguir a tapar o pescoço.
O quarto está cheio de visitas, como eu. Sinto carinho por ela e pela sua situação.
Ela, no entretanto, apercebe-se de nós, começa a ter mais cor e levanta-se mais leve.
O meu espanto é grande.
Mas ela está feliz e consegue movimentar-se melhor do que parecia.
Agradece a todos a ajuda e sai pelo quarto amparada por braços caridosos e dedicados.
Desejamos-lhe as melhoras e felicidades.

2006-06-14

14 de junho de 2006

Águas rápidas. Rochas, pedras, calhaus.
Tudo elas ultrapassam rápido. Muita espuma, pouca espuma.
A velocidade é cada vez maior e o caudal de água cada vez mais forte.
Água cristalina, agora numa casa simples.
Não molha a casa. Apenas emerge como uma fonte. Jorra alto e nas paredes.
Tudo em volta se vê através dessa cortina de água.
Mas os quadros, as luzes, as pessoas estão como se nada soubessem.
Como se não percebessem que estão por detrás de uma cortina finíssima de água.
A impressão é que ela passa por sobre o tecto até um céu infinito.
Passa pelas nuvens. E espalha-se como um chuveiro frente ao sol.
E nos rápidos aparece o declive esperado. Arma-se uma catarata.
Os pássaros voam encantados pelos salpicos e pela bruma que se forma.
O sol agora incide nessa catarata e, juntos, parecem formar um par.
Um par que dança entre a terra e o céu.
Na verticalidade do lugar a caminho da luz.

2006-06-13

13 de junho de 2006

Estou numa sala cheia de gente. A maioria está sentada, muitos de pé.
A mesa para os conferencistas ainda não está completa.
Agitam-se alguns, técnicos de som, luz, informática. Passam cd's e pen's.
Preparam-se o écran e os programas. Mais os fotógrafos e todo o pessoal de assistência, num encanto de mistura de profissionalismo e carinho.
Finalmente vai começar a sessão solene de abertura das conferências.
Sobre psicologia, música e poder da criatividade, concentração diferente de meditação, os poderes naturais do planeta em que vivemos.
Luzes, flores, pétalas, fontes, arco-íris que se formam entre as luzes e as águas cristalinas.
Chão, paredes e tecto são uma paisagem sem fim de mar, horizonte, sol e céu azul.
Azul, azul - numa possibilidade infinita de cor e extensão.

Um brilho que quase força a fechar os olhos.
Parece que o próprio sol está ali a querer partilhar o espaço, que já não tem espaço.
É uma sensação de infinito que nos invade. Ou será uma sensação de reunião?
De união, ou melhor, unificação de todos. Mesmo todos.
É aquela luz que atrai, que reúne e unifica com a maior simplicidade.
Como se fosse sempre assim.
Para sempre.
Horas de acordar.

2006-06-12

12 de junho de 2006

Hoje reli um livro, naquele prático sistema de "leitura em diagonal" e voltei a fechá-lo emocionada.
Uma sensação que só alguns livros dão.
Este são doze cartas que uma criança doente escreve a Deus, em estilo de diário
Em tudo é ajudado pelas boas ideias de uma voluntária do hospital onde a criança está internada.

Ela é a "vovó-rosa".
Enfim, é um encanto de doçura e de valorização da vida e da saúde, que tão facilmente nos habituamos a gozar sem grandes intenções.
Em uma das cartas, por exemplo, é referido (por essa criança de dez anos) que a vida é um presente engraçado que ao princípio sobrestimamos porque parece-nos ter recebido uma vida eterna.
Depois, subestimamos porque achamos a vida demasiado curta e desagradável.
Por fim, percebemos que a vida não é um presente, mas um empréstimo.
E então queremos merecê-lo, apreciando tudo o que nos rodeia.
Vendo a realidade com outros olhares.

Absorvendo cada minuto como se fosse um dia.
A dita "vovó-rosa" desdobra-se em ideias novas conforme as necessidades da criança e consegue enaltecer-lhe os sentimentos a cada dia.

Um exemplo que fica - a vontade de viver o melhor possível.
A vida completa de significados é bela - como o filme.

2006-06-11

11 de junho de 2006

... ... ... ... ... ... ... ...

Dai-me para a minha vida
todas as vidas,
dai-me toda a dor
de toda a gente,
vou transformá-la
em esperança.
Dai-me
todas as alegrias,
mesmo as mais secretas,
porque se assim não for
como as conheceremos?
Eu tenho de contá-las,
dai-me
a luta
de cada dia
porque elas são o meu canto,
e assim andaremos juntos,
ombro com ombro,
todos os homens,
o meu canto os reúne :
o canto do homem invisível
que canta com todos os homens.
.
Pablo Neruda
.
.

2006-06-10

10 de junho de 2006

Oiço-as falar e respondo como posso.

A conversa é agradável até. Mas ao mesmo tempo não consigo deixar de pensar que são pequenos assuntos e grandes dramas dos nossos dias. Do dia-a-dia.
Os signos, os destinos traçados e sei lá que mais, garantem que as nossas vidas estão previstas.
Eu devo ser diferente. Porque nem sempre penso nem reajo do mesmo modo em situações semelhantes.
E nem precisa mudar o calendário.
Em breve tempo, a opinião e a necessidade podem diferir.
Refiro-me a decisões lúcidas, não a leviandades.
Então, onde fica o pré-definido da nossa vida?
No caminho das estrelas e, talvez por isso, inatingíveis para alguns?
De qualquer modo, às vezes, tenho a impressão que já ouvi a conversa do presente - algures.
Às vezes, tenho a impressão que as nossas preocupações são apenas temas de conversa.
Outras realidades deveriam ser meditadas. Alimentadas na nossa mente.
Pensamentos felizes, dias maiores.
Paz, cultura e uma qualidade de vida melhor para todos os povos.
Todas as crianças e desvalidos. Todos os trabalhadores de vontade.
Um mundo feliz.

2006-06-09

9 de junho de 2006

Como um avião nas nuvens, ou entre as nuvens, ou sobre as nuvens. Uma dessas...
Se pudesse ser, talvez ficasse mais leve.

Mais aérea certamente.
Como seria poder deixar preocupações e voar leve.

Tão leve como algodão.
Seria uma ida ou um regresso às origens.
Uma ilusão ou uma realidade.
Uma transferência de pessoas e medidas.
Um encanto de levezas.
Tanta brancura paralisa a vista.
Os olhos pretendem ver mais além.
Além das alturas dos céus.
Uma casa acolhedora. Uma família feliz.
Povos felizes, com abundância de saúde física e moral.
O planeta em paz.
Mais um avião que cai cheio de passageiros a bordo.
Incêndios, desgraças, desespero.
Desespero dos elementos que se despedaçam em sismos, erupções vulcânicas, maremotos.
Noutros lados, sorrisos, estrelas, amor, praias calmas.
Dinheiros que se perdem em impostos que mais ninguém vê.
Dinheiros que tilintam nos casinos cheios de gentes embriagadas de morte lenta.
Novamente o desespero do dia seguinte.
O despertador toca, imperturbável.
Todos os dias. Faça chuva ou faça sol.
Alegre ou triste, o caminho é em frente, cabeça levantada empurrando quanto baste a coragem.
Equilíbrio 24 horas sobre 24 - precisa-se.

2006-06-08

8 de junho de 2006

Rosas, cravos, margaridas, camélias, lírios, jasmins, buganvílias, enfim... a representação de um jardim florido.
Hoje são os cravos que me chamam a atenção.
São brancos, ponteados de rosa-encarnado (rosa forte ou encarnado pálido, sei lá!).
Muitos, frescos e bonitos. Abertos e farfalhudos.
Juntam-se e do ramo formam um coração no chão, à soleira da porta.
Junto aos jasmins acabados de plantar.

Aqui ainda são só ramos meio-soltos, sem as flores brancas
(só estas "lançam o perfume" do jasmim).
São lindos e agora são novamente o começo de um jardim.
Tudo limpo e cheio de luz.
Uma vida espera. A outra esmera-se. Tudo por amor.
O amor não remove as montanhas da fé. Ele pode mais, até construir um mundo.
Um mundo novo.
Se calhar todos temos direito a esse mundo novo no meio de tantas conversas sobre deveres, direitos, obrigações e impostos.
Este pensamento cresce em esperança.
A esperança poderia ser do tamanho do céu.
Poderia, sim, que o céu é grande.
Convenientemente grande.

2006-06-07

7 de junho de 2006

Paciência. A virtude da paciência.
Acho que não a conheço ainda.
Preocupante... Se é!
Talvez seja possível um treino acelerado, socorrendo-me do princípio que o óptimo é inimigo do bom.
Desejável nesta disciplina. Autodisciplina de modo cada vez mais exigente.
Oiço uma melodia agradável, daquelas que lembram os pássaros, ondas suaves, águas calmas.
Viver assim em serenidade. Equilíbrio e harmonia nas emoções. Esse o objectivo.
A paciência e a paz interior interligam-se.
Deduzo que tal signifique um paraíso interior.
Não interessa escorregar em significantes como indolência, preguiça, "mal-parado", etc.
Agarro a imagem do paraíso.
A vida corre lá fora e eu estou em contra-relógio.

Não, afinal devo ir em sentido contrário, mesmo...
Reconheço que é muito mais simples este novo ritmo.
Como um poema.
"Aprende a distanciar-te dos teus próprios actos. Age livremente.
"Depois torna a ti próprio de mãos vazias do mundo.
"Só com a integridade e a verdade.
"E ser-te-á concedida a paz".

2006-06-06

6 de junho de 2006

Cremes, loções, gels. Caixas, boiões, frascos.
Embalagens simples se são desinfectantes. Luxuosas para um "niquinho" de produto quando são de perfumaria.
Tem que se usar protecção para tudo.
Para o sol, para a chuva. Para o frio e para o calor. Para a secura e para a humidade.
Mais as roupas, os lenços/écharpes, os chapéus, os gorros.
Gerações de centros comerciais - dizem uns.
Gente previdente e preocupada consigo - dizem outros.
É o consumismo - ainda dizem outros.
Parece que o dia a dia gira em torno de duas preocupações essenciais: conforto e conforto saudável.
Hoje ouvi falar de ioga grátis e técnicas de relaxe e de concentração.
Numa primeira observação dir-se-ia que o equilíbrio entre corpo e mente é inferior, em interesse geral, do que a cedência ao marketing.
Quem percebe a verdade? Que é a verdade...
A verdade entre nós mesmos - entre o próprio (ou consigo mesmo).
Ou a verdade entre nós e os outros.
Que diz a verdade. Alguém traduziu mal o que Jesus disse. Ou Pilatos.
A verdade andará por aí aos molhos.
Ou à venda nas bancas.
Ou está em algum lugar perfeitamente puro dentro de nós.
E há alguém que quer entrar lá...

Aquele que sabe ser importante, para si próprio, entrar nesse lugar de si.

2006-06-05

5 de junho de 2006

Almoço na cantina. Ou refeitório para usar a terminologia moderna.
O costume, sopa- prato-sobremesa com fruta ou doce- pão e água.
A novidade da época actual para o passado é a salada conforme se quer.
Tudo bom e a fome é muita.
A companhia é uma aniversariante cheia de fibra e de boa vontade.
Muito querida avó de netos já casadoiros.
Também como habitualmente, os problemas na mesa.
Não é fácil mudar o rumo à conversa mas apetecia temas para distrair mais. Alegrar até.
Só girando para os netos e prever bisnetos para aqueles braços se reconfortarem outra vez na doçura.
Em laços amorosos renovados, a lembrar uma infância própria e a dos filhos.
Fico a sonhar e pergunto-me. Pergunto ao sol, ao céu, a Deus - enfim..., pergunto porque não sei a resposta.
Pergunto porque cortamos com os laços da infância. Especialmente se fomos felizes.
Que perdemos pelo caminho, que nos impede de ver o amor como o principal elemento da nossa felicidade.
O amor carinhoso, mais que o amor paixão, que transforma até os nossos sentidos.
Transforma as nossas razões em serenidade de vida.
Aí a realidade e a vida criam um laço indestrutível de felicidade.

2006-06-03

4 de junho de 2006


Chamo verbo ao equívoco falado
Que em tábuas decorei de tempo e modo,
mas o Verbo é unívoco e sagrado,
Junto a Deus, mesmo Deus, único e todo.
Lá do sempre arrancando e em nunca nado,
.
O eterno abarca o mundo e a vida a rodo:
É no que foi e no devir, tornado
Por amor novo Adão, limpo do lodo.
.
Desse Verbo que falo, mal declino
O caso do meu nome, nele divino;
Anónimo, sem ele, vagueio mudo:
.
Mas, chamem-no os vestígios da parábola,.
E brilho como a pérola da fábula,
Homem, menos que nada e mais que tudo.
.
.
.
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Vitorino Nemésio
..
..
..

2006-06-01

3 de junho de 2006

A minha amiga está triste. Angustiada.
O marido está doente. Mal aguçado pela raiva, porque o dinheiro não dá para os luxos, só para viverem como classe média, medianamente abastados.
A minha amiga está cheia de dores de cabeça.
O marido vai fazer tratamentos todas as semanas a algo que cresce e não seca.
E já foi operado. E vai ser outra vez.
Não percebe a utilidade, porque não há hipótese de melhoras.
Mas os médicos insistem. Porque sim. Talvez porque não.
E a vida, ou as vidas, onde ficam? Desalojadas da alegria e da vontade de viver.
Olhando para o céu, até parece que voam como as nuvens.
Ela está apática. Não pensa, mas faz o seu trabalho como sempre.
Quando pensa, quer fugir e descansar a cabeça. E o corpo, porque lhe balança os sofrimentos.
Bendita rotina que não precisa de raciocínio nem lógicas.
A vida voou para férias.
Ela ficou com o seu cigarro. Só tem esse vício e esse entretém.
O "Mercedes" chegou. Lá vai ela cheia de coragem.

Sempre um sorriso. Sempre amável.
Continua na esperança de dias melhores.
O trabalho distrai a mente. Dá-lhe novo fôlego.
Até amanhã.

2 de junho de 2006

Praia cheia, a abarrotar de sol. Sol brilhante, quente.

Sol que faz neblina e ondas no mar.
Mar azul - mesmo azul simples, médio, nem claro nem escuro.
Azul - pronto! Sem ondas. Chegava à praia assim... suavemente.
De azul, ficava a água transparente e molhava os pés de todos por igual.
Fossem adultos, velhos, crianças.

Ou patas dos cães e gaivotas.
Algumas orelhas peludas e longas, de cães mimados, também se faziam alvo das águas.
Mas estas águas eram tão preguiçosas que nem os salpicavam nas corridas.

Só as orelhas esvoaçavam os pingos.
Um pensamento, uma paragem no tempo.
Tudo à espera. Tudo quieto, nem um som, nem um movimento.
Todos - pessoas e animais - pareciam desaparecer na paisagem de areia, mar e céu.
Todos transparentes.

Sem pensamentos, nem negros, nem coloridos de qualquer espécie.
Corpos transparentes, sem doenças.
Paisagem parada, sem pressas nem ritmos.
Um clique do sol.
Todos retomam o seu tempo.
Por um instante o tempo mudou e todos foram um único ser.
Unificados no planeta vivo.
Harmonioso e alegre.
Um dia de paz.

1 de junho de 2006

Uma criança pequena que espera numa nuvem. Branca também, espera no meio do céu e no meio das estrelas.
A mãe olha-a de baixo. E chora.
Chora lágrimas sem tempo. Há muito tempo. Demasiado.
Olham uma para a outra e sorriem entre as lágrimas de uma e o abraço radioso da outra.
Palavras que não necessitam ser ditas.
O amor entre ambas é tão dilatado que ilumina o céu e a terra.

Explodem estrelas à sua volta.
Agora, de modo mais terra-a-terra, as guerras, os desencontros entre pessoas e quereres.
Interesses gratuitos de tanto querer poder e dinheiro.
Interesses hipotecados nas vidas dos inocentes que caem pelas guerras armadilhadas por tão poucos.
E que nada valem.
Fantástico. Parece que se desloca o sonho do planeta.
O céu desloca-se da realidade.
Relatividade - dizem.
Problemas de visão - também se diz.
Problemas mentais - também são referidos porque já não há mais respostas sadias.
Mas onde há o não, também tem que haver o sim. Tudo tem um contrário.
Então, saudávelmente, eu escolho o sim do desprendimento.
Da paz e da harmonia.
O céu está sereno (a terra ainda treme).