Escritos de Eva

Aqui Eva escreve o que sonha e - talvez - não só. Não tem interesses de qualquer tipo nem alinhamento com sociologias, política, religião ou crenças conformes às instituições que conhecemos. Estes escritos podem servir de receita para momentos de leveza, felicidade ou inspiração para melhorar cada dia com bons pensamentos. Alguns poemas ou textos... Algumas imagens ou fotos... Mulheres e homens, crianças e idosos podem ler Eva e comentar dando a sua opinião.

2006-09-30

Adultos

30 de setembro de 2006

Mais um dia de praia. Areia limpa, chapéus de palhinha, toldos e chapéus de sol. Espreguiçadeiras por toda a praia.
Rampas abertas para as embarcações de praia e que alguns barcos aproveitam.
Ao longe os batéis e barcos de pesca. Na praia, três ou quatro famílias a gozar férias ou folgas do meio da semana.
Que sossego. Água a subir no encher da maré. Areia branca em água transparente, a ondular levemente.
As ideias voam. Voam para a escola onde estão os filhos. Será que levaram tudo na lancheira... e os fatos de ginástica estariam bem... pareciam curtos... os ténis desatados ainda os fariam tropeçar, mas agora gostavam assim...
Ali aquele menino fazia lembrar o seu, quando mais pequeno. Crescem tão depressa... tanta coisa para fazer e dizer... que fica a pairar no tempo.
As escolas, melhor ou pior, vão aculturando os jovens "homens de amanhã".

Hoje são sítios instáveis a até de acesso perigoso. Mas esse perigos sempre existiram.
A questão é que éramos um todo menos numeroso que hoje. Mas a percentagem de perigo deve continuar intacta.
A outra questão é que isso significa falta de evolução na segurança.

Falta de disciplina ou liberdades pouco dignas.
A dignidade da pessoa, e mais ainda da criança, deveria já ser, neste milénio, uma condição primordial. Condição "sine qua non" das sociedades.
Como dotar as crianças de moralidade, se os adultos não lhes conseguem garantir, nem sequer dar exemplo, dessa condição?

Como dotar as crianças de integridade e esperança para elas próprias e seus semelhantes se, no particular da sua casa, isso não acontece e, no geral da sua cidade, é igual?
Que dose de ideias civilizacionais pode a escola dar que equilibre as famílias mais pobres de sentimentos?
Que adultos somos todos se não dermos o exemplo do que criticamos e exigimos?
Felizes os que conseguem ultrapassar estas situações. Felizes os que se cruzam com estes.

Felizes seremos todos ao sermos melhores a cada dia.

2006-09-29

Viver

29 de setembro de 2006

Um ramo de árvore partido. Deixou um lenho grande e bem visível até ao longe.
Mas ao mesmo tempo outros ramos, pequenos e novos, renascem rápido em direcção ao céu, à luz e ao calor do sol.

Com o tempo, o lenho cicatriza e outros ramos pequenos o encobrem dos olhares curiosos.
Uma criança fala com esta árvore como se fosse um amigo da mesma idade.

Traz para junto dela os brinquedos, conta-lhe as histórias que inventa e confia-lhe a sua vida agitada, apesar de ser criança pequena.
Viver, novo ou idoso, é sempre uma experiência, um esforço diário. Tentativas de ir mais além de si mesmo.
Uma concorrência e competição consigo próprio, antes mesmo de competir com outros.

Conseguir mostrar essa criança de nós. Essa infantilidade de se dar a tudo o que a rodeia e que gosta.
Essa capacidade de entregar os brinquedos que gosta para partilhar com outros.
Em cada um de nós há seguramente um modo de viver mais livre, mais cordial e mais feliz com os outros. Começando pelos da própria casa, a família mais chegada. Pelos amigos e vizinhos.

Pelos colegas de profissão. Pelos desconhecidos.
À nossa volta começa a florir uma nova consciência e ser. Uma nova integração no mundo que nos rodeia. Acima de tudo, no mundo a que nos damos com toda a nossa integridade.

Faculdade que permite até estar nesse mundo, na medida da força da nossa presença.
A árvore vai crescendo. A criança vai passando por ela e evoluindo também.

A diferença é que ela não é esquecida e quer, até, lembrar-se para sempre da sua infância feliz.
Porque a felicidade é para ser recordada.
Na velhice quando já tudo é rotina e o corpo pouco se mexe, são as recordações felizes que alimentam o coração.
É preciso lembrar sempre a felicidade.
E, sobretudo, não a deixar passar despercebida.

2006-09-28

Liberdade

28 de setembro de 2006

Liberdade, segundo Quino, cartoonista, é ainda uma criança que precisa de cuidados constantes.
Para outros, é sinónimo de coragem, de seguir em frente - sempre em frente.
Para todos tem significado. Seja por viverem em paz, seja por viverem em tempo de guerra, seja por estarem perturbados em tempo de perturbação.
Hoje telefonei-lhe e disse-me que não estava melhor. Aliás até iria ser novamente operada.

A cirurgia era já nos próximos dias. Para ela a liberdade era poder escolher.
Escolher só por ela própria. Mas atenta à família que formou.
Tinha que ter em conta a responsabilidade.
A operação era uma hipótese de sobrevivência e de acabar as suas tarefas.
Um colega de trabalho, há já uns anos, dizia ter sido a herança dos pais uma privação da sua liberdade. Precisava administrar o que nem sabia fazer de si mesmo. A sua vida era um caos.

Mas sentia-se livre nessa altura do seu caos.
Liberdade simplesmente provoca leveza. Pairar acima desta vida.

Voando por cima das preocupações de dinheiros, saúde e de todas as coisinhas do dia-a-dia.
Mas liberdade consciente não é relaxe nem desobrigação.

É não levar tanta importância para o que amanhã vai com o vento.
Tudo o que temos vai e passa de geração em geração.

Porém há algo muito importante que fica. A convicção que fizemos o melhor de nós mesmos em tudo o que tocamos.
Deixar de nós e da nossa presença uma recordação agradável é talvez o que de melhor podemos fazer em cada dia. O mais, ainda é sempre um bom acréscimo.
Liberdade poderia ter o sabor da felicidade. Como o amor...

Saber amar até o ar que respiramos.
Saber desfrutar a independência do nosso ser na dependência da sua relação com todos os outros seres.
Liberdade em si (sem rebaixar ao bemol).

2006-09-27

Velhos

27 de setembro de 2006

Por um corredor em penumbra, pesos nas mãos das compras, chegam em grupo de família - diferentes gerações - junto dos mais velhos.
Muito velhos, mais de oitenta anos bem vividos e bem gastos. Os seus corpos são um espelho disso mesmo.
Muitas viagens, muitas mudanças de casa, de cidade e até de país. Muitas caminhadas, muitos empregos.
Muitas ralações e oh! muitas, muitas alegrias. E são estas as que perduram.
As boas recordações são as que lhes enchem a cabeça e o coração de lembranças.
Mas, por vezes, percebem a comparação com o seu estado presente. Nessa altura os mais novos mudam rapidamente a conversa e a alegria volta aos seus olhos.
A fina educação mantém-se e torna-os diferentes de outros da mesma idade, porventura mais rudes.
As falhas de saúde no entanto aproxima-os e o convívio torna-se mais fácil.
A solidão será um problema de coração ou de alma...
Até um dia que amanheça diferente, os dois estão juntos e mais próximos.

2006-09-26

Paz

26 de setembro de 2006

Um livro cheio de assinaturas.
Uma porta que se abre e fecha - para abrir novamente.

Volta atrás e descobre outra porta ao fundo.
Parece fechada, mas diz "puxe". E ela empurrou, em vez de puxar, o que nela é um reflexo habitual dessa palavra.
O contrário também era verdadeiro, porque puxava ao ler "empurre".

Enfim, problemas menos graves de dislexia e até algo comuns nas sociedades organizadas.
Voltando à porta que se abria... dava para uma pequeníssima capela.
Como a generalidade das capelas, era simples.
E essa singeleza dava paz.

O seu silêncio prolongava essa paz.
Era uma comunicação estranha consigo mesma.

Uma comunicação imediata de si para si própria.
Sem hesitações. Finalmente sem dúvidas.

A vida e a sua rotina tornaram-se uma linha de luz.
Viu-se morrer e não se importou. Viu-se viver em prolongamento e não se importou.

Viu-se no mesmo sítio com os seus afazeres por fazer e não se importou.
Estava cheia de luz e isso importou e deixou-a feliz.

2006-09-25

Serenidade

25 de setembro de 2006

Chove chuva - aguaceiros que molham completamente os que confiam que ainda é Verão.
Os dias ainda são quentes, mas mais pequenos e com um vento algo fresco e desagradável.
O mar está cinza e a areia escureceu. A natureza está a mudar as suas cores.
As pessoas mudam também as suas rotinas, aligeiram o passo, levam casacos de malha e sapatos mais fortes.
Uma rapariga prepara o seu éden - ou o seu cantinho de repouso.
Aquele sítio que todos temos (ou desejamos ter) e para onde vamos, na realidade ou mentalmente, quando queremos estar sozinhos.
Nós connosco - só eu mais eu - de acordo comigo mesmo.
Não, não! Não é em fuga da realidade.
É descansar em serenidade a moralidade do próprio ser, da confusão do dia-a-dia.
Sair dessa confusão e corrigir em si atitudes de competição - conveniência - anulação ou omissão para não ter o trabalho de discutir outras opiniões...
Pois é, mas esse lugar precisa também ser renovado todas as estações.
Ser actualizado sempre em concordância com o mundo exterior.
Serenidade de ser, mas renascendo todos os dias para o melhor mundo de si próprio.
E essa paz de si mesmo espraia-se depois como uma aura projectada da sua figura.

2006-09-24

Contentamento interior # Dalai Lama

24 de setembro de 2006

A auto-satisfação por si só não determina o carácter positivo ou negativo de um desejo ou de uma acção. Um assassino pode sentir-se satisfeito no acto de matar, mas isso não justifica o acto em si. Todas as acções negativas - mentir, roubar, conduta sexual errada, etc. - são cometidas por pessoas que sentem uma certa satisfação ao cometê-las. A linha de demarcação entre um desejo ou uma acção positiva e um desejo ou uma acção negativa não é se nos satisfazem ou não, mas se as suas consequências finais são positivas ou negativas. Por exemplo, no caso de desejarmos possuir coisas mais caras, se este desejo nascer de uma atitude mental de desejar sempre mais, quando chegarmos ao limite do que podemos obter vamos ter de enfrentar a realidade. Quando chegamos a esse limite, perdemos a esperança, caímos em depressão, etc. É um dos perigos desse tipo de desejo.
Por conseguinte, penso que o desejo excessivo leva à avidez, baseada em expectativas excessivas. ... ... Uma das características da cobiça é que, embora nasça do desejo de obter algo, a obtenção desse algo não a satisfaz. Por conseguinte, torna-se ilimitada, sem fundo, e é uma fonte de problemas. Um aspecto interessante da cobiça é a ironia contida no facto de que, embora busquemos a satisfação, nunca ficamos satisfeitos, mesmo quando obtemos o objecto do nosso desejo. O verdadeiro antídoto para a cobiça é o contentamento. Se sentirmos um profundo contentamento, quer obtenhamos ou não o objecto, sentimos a mesma satisfação.
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in "Um Guia Para A Vida"
de Dalai Lama e Howard C. Cutler
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2006-09-23

Beatitude

23 de setembro de 2006

Pela tampa de uma cápsula saem pessoas. Vão seguindo uns aos outros, agradando-se do sol e da brisa a céu aberto.
Há quanto tempo viajariam ali fechados...

Estão todos com ar débil mas apenas querem sentir o ar fresco.
Não querem comer nem beber. Nos seus olhares paira uma névoa, como se fossem cegos. E, no entanto, distinguem as coisas conforme se apresentam.
Doutro lado da paisagem forma-se um arco-íris.
Os pássaros e toda uma vegetação florida alegra o ambiente. Apetece rebolar naquele solo.
Toda aquela gente segue instintivamente as cores e a alegria que elas comunicam.
Afinal eles também não sabem onde estão. E isso não parece afectá-los.
A questão, para eles, resume-se no seguinte: estavam mal e agora estão melhor.
Querem, isso sim, tudo sobre as regras de comportamento e de trabalho.
Acima de tudo, querem ser felizes.
Seguir afinal o instinto de todo o ser vivo: viver em beatitude.

2006-09-22

A bordo

22 de setembro de 2006

Uma família à espera no meio de um deserto agreste - de clima, solo, insectos e animalejos esquisitos.
As crianças choram aflitas. O pai tenta proteger com a sua sombra, que é a maior de todas.
De todos os lados surge algo que não lhes deixa refúgio.

A coragem e a esperança são o estandarte do pai e o seu exemplo vivo.
Mas o tempo ali parece alongar-se em eternidade.
A aflição instala-se e até o pai, sempre tão sereno e corajoso, parece transtornado.
Do céu alaranjado e transmitindo um calor sufocante, vem uma espécie de helicóptero.
É bastante maior que o habitual e mais redondo, quase um círculo.
Puxa-os a todos no meio da sua ventania de poeira. Não tem condutor.
Está limpíssimo, brilha em tudo - desde os assentos com costas à periferia - formando outro círculo concêntrico e interior ao da forma do dito helicóptero.
Todos a bordo por aspiração ou coisa semelhante e, logo de seguida, a boa velocidade galgando o que parecem ser vários céus.
Têm cores diferentes. Um deles tem uma muralha e um portão com guarda que parece esperá-los.
Efectivamente, param e saem. O chão brilha de milhares de estrelas.
Ah! eles estão a brilhar também pela firmeza de carácter.
São luz de luz .

2006-09-21

O equilíbrio

21 setembro de 2006

Hora de acordar. Hora de escola. Hora de trabalho.
Hora de refeições. Hora de família. Hora de dormir.
Horário completo e, na maior parte das vezes, sem hora para nós próprios.
O desfalque vai-se acentuando mais e mais.
Para equilibrar sobrevêm a amargura e a depressão.
A pena de si próprio e da sua própria vida.
Alguns há que conseguem não sentir nada disto e sim a satisfação de serem úteis aos outros.
Tão simples como isso. Chamo-lhes pirâmides de amor.
Mas são poucos. Oh! pouquíssimos.
A maior parte equilibra o tal desequilíbrio com vícios, vaidades, mau-génio sobretudo em casa e junto dos seus.
De qualquer modo a melancolia pela vida torna-se a top-sensação.
A indústria farmacêutica avança com os calmantes e os antidepressivos.
Os psicólogos avançam com a entrega do paciente a mais horas ao trabalho e à carreira para manter a cabeça distraída - logo, aparece também mais dinheiro para gastos, mas sem tempo algum para o lazer.
Mas pode comprar a alegria na família pelo conforto e luxos.
EQUILÍBRIO - pode e deve adquirir-se.
O modo depende da persistência de cada um.

2006-09-20

O infeliz

20 de setembro de 2006

Um campo cheio de neve. Montanhas cheias de neve.
Pessoas, até aldeias de pessoas sacrificadas no rigor da natureza e das suas vidas.
Um céu azul estonteante de brilho.
A vida rotineira que leva as pessoas de um lado para o outro. Uns trabalham de mais, outros de menos.
Está quieto, a olhar para o céu e balbuciando palavras incompreensíveis, um miúdo paraplégico.
Observando melhor, não é um miúdo. É um adulto cheio de ursinhos de peluche e uma almofada em coração.
A sua cara é de adulto e o tamanho parece ser também. Mas encolhido como está e magrinho de fazer dó, faz que se confunda com uma criança.
O que espanta é a alegria e vivacidade do seu olhar e o modo como mexe a cabeça - nos movimentos possíveis.

Noutro lado, ouvem-se lamentos sobre falta de saúde e dos aborrecimentos da fisioterapia necessária à cura.
Não sei qual é o mais infeliz!

Que fazer deste hábito que os mais saudáveis têm de se queixarem de pequenas falhas na sua saúde. Às vezes é só espreitarem a sala ao lado e compararem...
O sol brilha agora em todo o lado.

Haja quem o saiba apreciar.

2006-09-19

O vencedor

19 de setembro de 2006

Pesadelos de beijos frios, como de morte.
Rostos amigos que escondem sentires tão infelizes.
Doentes mais reais esperam nas suas camas um pouco de atenção - um sorriso, uns minutos de conversa amena.
Qualquer desculpa para darem um sorriso. Para sentirem o coração mais leve.
A esperança de um dia melhor. A esperança de melhor saúde depois daquelas camas.
Tanta ilusão e tanta doença. Como a rotina dos dias e das noites, assim as pessoas gerem as suas vidas. Ora alegres, ora angustiadas.
Uma grávida arrasta um carro de comida. Para ela, o carro tem um tamanho e um peso monstruosos.
Mas agarra-o, empurrando e desviando-o pelos corredores e elevadores. Às tantas vai gemendo e a barriga defende-se acabando por rebentar o botão que já a incomodava por falta de espaço.
Uma nova vida vem aí. Aos pontapés faz-se sentir cheia de vontade de vencer.
Todos desejamos que também saiba acalmar e serenar quando nascer pois o "amor, precisa-se" e é o grande vencedor.

2006-09-18

Como nos filmes

18 de setembro de 2006

Praia de águas sujas - lixos da maré. Lixos dos batéis de pesca.
Nevoeiro denso que, aos poucos, se transforma em chuvinha. Cola-se à pele e arrefece-nos.
Escolhe-se caminhar, ou camisola ou casaco e ficar quieto na praia.
Com a manhã alta, o sol dissipa o nevoeiro e ficamos com bruma e sol suave ou morno.
Da bruma chegam à praia, em muito mau estado, antigos pescadores, marinheiros e muitos piratas (tal e qual como nos filmes) e até canibais.
Trazem lanternas de ferro, muito velhas e enferrujadas.
Passam por nós, caminhando na mesma areia. Dirigem-se directamente para a serra (que fica atrás da praia) com alguma pressa.

Têm ansiedade e desilusão no semblante e no olhar.
Aí, logo no começo da subida, começa a desenhar-se uma rampa muito inclinada, como uma estrada só para eles. O grupo pára e entreolha-se...
Voltando-se, perguntam-nos se aquele caminho é especialmente para eles.

Pois, tudo indica que sim, que ainda agora não existia ali nada disso.
Dizem-nos então adeus muito sorridentes e agradecem com as lanternas, que se acendem sózinhas.
Conforme se afastam, são envolvidos por outra névoa - uma nuvem cheia de luz.

2006-09-17

Mário de Sá-Carneiro # Ângulo

17 de setembro de 2006
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Aonde irei neste sem-fim perdido,
Neste mar oco de certezas mortas? -
Fingidas, afinal, todas as portas
Que no dique julguei ter construído...
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Barcaças dos meus ímpetos tigrados,
Que oceano vos dormiram de Segredo?
Partiste-vos, transportes encantados,
De embate, em alma ao roxo, a que rochedo?...
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Ó nau de festa, ó ruiva de aventura
Onde, em Champanhe, a minha ânsia ia,
Quebraste-vos também, ou porventura,
Fundeaste a Oiro em portos de alquimia?...
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Chegaram à baía os galeões
Com as sete Princesas que morreram.
Regatas de luar não se correram...
As bandeiras velaram-se, orações...
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Detive-me na ponte, debruçado.
Mas a ponte era falsa - e derradeira.
Segui no cais. O cais era abaulado,
Cais fingido sem mar à sua beira...
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- Por sobre o que Eu não sou há grandes pontes
Que um outro, só metade, quer passar
Em miragens de falsos horizontes-
Um outro que eu não posso acorrentar...
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Mário de Sá-Carneiro

2006-09-16

O topo da escala

16 de setembro de 2006

Uma colmeia verdadeira, no campo.
Por dentro toda construída através dos favos de cera.
O mel escorre e o calor é bastante forte. O zumbido é ensurdecedor.
As abelhas mais laboriosas aparecem "à porta" para mostrar a sua casinha dentro do cortiço (ainda é de cortiça).
Necessitamos de mel e de cera quentes para tratamentos. Elas dão-nos o que precisamos.
Elogiamos a sua organização e trabalho incessante.
Tomaram muitas sociedades pensarem sequer em seguir o seu exemplo.
Na natureza, à frente dos nossos olhos, já está tudo criado.
É uma pena o homem não ter humildade de aprender com os menos evoluídos na escala que, ele próprio - homem - inventou e ainda se colocou no topo.
O homem será então, sózinho(?), o ser mais evoluído dos seres vivos.
Vendo as notícias, todos os dias, ficamos com algumas dúvidas. Muitos há que nem os animais nem as plantas os quererão sentir por perto.
Tenhamos no entanto o coração cheio da esperança de que, um dia, seja digno dessa posição que preconiza para si próprio.

2006-09-15

A cor da felicidade

15 de setembro de 2006

Pés em sandálias a descer uma escada.
Calças curtas às flores e cabeça cheia de curiosidade mórbida.
Tudo e todos devora com olhos ávidos e desequilibrados.
Muito ao longe uma luz, talvez da mãe, pede uma oportunidade mais para as suas melhoras morais.
A luz estende-se ténue, por uma estrada deserta.
Parece ser o caminho do resto da sua vida. É uma estrada seca e mal iluminada.
Falta-lhe paisagem, cor e muita caridade. A começar por si própria que, como essa estrada, está seca e árida.
Precisa irrigar a sua vida, doseá-la de amor pela sua própria família e lar. Pelos conhecidos e até desconhecidos que se cruzam com ela.
Precisa fazer tocar as cordas da sensibilidade pela felicidade dos outros. Todos os outros.
À semelhança dos poetas, também lhe damos o recado essencial: "põe um pouco de amor em tudo o que fazes" e a tua vida - todas as vidas - terão mais cor.
A cor da felicidade.

2006-09-14

Pólos binários

14 de setembro de 2006

Plantas que secam e florescem sem ser Primavera.

Ideias que se formam e deformam sem vontade.
Decisões que se tomam e quietudes de indiferença.
Pólos binários de nada que não seja das ciências e matemática.
Um homem de pés inchados e meio cego de diabetes espera todos os dias a hora da sua boleia para o trabalho. Trabalho duro das obras.
Com mais que idade para descansar, ainda vai pela tardinha à sua horta, distante um bom bocado. Todos os dias, de há muitos anos, que esta é a vida que conhece.
Os domingos são só para a horta e vai na motoreta velha que a nova pagou-a e logo lha roubaram.
Pequenos gestos que ensaiava na sua libertação.
Em compensação tem uma família amorosa, a qual não valoriza muito.
Os dia são tristes sem binários de nada.
Mas à sua volta e em redor de todos nós a esperança renasce em cada forma da natureza.
Cada ser vivo é um viajante na sua evolução.
E, mesmo que não pareça, a evolução é constante para todos.

2006-09-13

A estrada

13 de setembro de 2006

Está uma manhã enevoada. Bom, vendo bem, está mesmo um nevoeiro cerrado.
O ar está frio apesar de ser ainda Setembro.
O carro tem que levar as luzes acesas.
Mas no céu, redondo (como um queijo) o sol brilha em branco pálido, prometendo aquecer.
Estrada igual à de sempre, percorrendo cada troço de cor, sabendo até onde estão as árvores demasiado inclinadas sobre a estrada.
A manhã vai alta e as horas começam a querer fugir da minha agenda.
Para ajudar, os sinais mudaram e o percurso agora é outro.
Tenho a impressão que estou num avião e que o chão foge. Não percebo se é para levantar vôo ou aterrar.
O chão transforma-se em terra, a terra em areia e deserto. O deserto em vegetação agreste e vento.
A poeira assenta e o solo é agora verdejante com o mar ao fundo.
O mar muda para planície cheia de neve e começam os tons de um pôr do sol a misturar-se no céu azul e branco.
E agora este círculo encarnado é... um semáforo.

2006-09-12

Um dia

12 de setembro de 2006

Um ajuste de válvula. Como um clic de cofre que se abre, deixando livre o seu tesouro.
A riqueza de cada um, como a fortuna amealhada deve usar-se com discernimento.
Um rapaz, adolescente, aguarda.
Uma espera de milénios. Por vezes desiquilibra-se pela impaciência.
As famílias mudam. Os países e as sociedades também.
Mas ele espera ainda e sempre. Uma esperança que parece envelhecer mais do que renovar-se.
Um carro devia estar ao portão, a marcar o lugar da sua espera. Outro carro deveria chegar.
Mas a espera continua como o lugar continua vago. O seu olhar também vagueia.
A concentração minimiza-se. O relaxe vai instalar-se lentamente.
Na descontração encontrada surge finalmente a luz da realidade.
A verdadeira dimensão da sua vida está ali, à sua vista. No tempo certo.
Afinal no acerto é tudo tão fácil, tão fluído, tão natural.
A importância de um dia na sua vida, sempre igual.

2006-09-11

O equilíbrio

11 de setembro de 2006

Todos reunidos numa sala rectangular e ovalada ao mesmo tempo.
Todos esperam um tratamento miraculoso. Daqueles tipo um gesto de mágica e tudo está feito e transformado em felicidade completa.
E todos esquecem que a condição necessária e primordial é ter atingido o equilíbrio vertical.
Ou seja, o equilíbrio entre saúde física e moral. Porque uma depende e inter-relaciona-se com a outra.
Em medicina é o equilíbrio psico-somático. Mas quase ninguém conhece.
Ou quase ninguém lhe dá importância. E, no entanto, este equilíbrio é o cerne do "bem-estar".
Da serenidade e harmonia com a vida.
A relação harmoniosa entre a vida do indivíduo e do meio em que habita.

Desde a sua família, o meio social e profissional.
E, evidentemente, a natureza que o rodeia e o integra. Porque não é o homem que faz parte da natureza quando quer.

A natureza é que interage com o homem procurando sempre o equilíbrio maior.
O equilíbrio do universo.
O equilíbrio cósmico.

2006-09-10

Luís de Camões # Quem quiser ver de Amor uma excelência

10 de setembro de 2006

Quem quiser ver de Amor uma excelência
Onde sua fineza mais se apura,
Atente onde me põe minha ventura,
Por ter de minha fé experiência.
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Onde lembranças mata a longa ausência.
Em temeroso mar, em guerra dura,
Ali a saudade está segura,
Quando mor risco corre a paciência.
.
Mas ponha-me a Fortuna e o duro Fado
Em nojo, morte, dano e perdição,
Ou em sublime e próspera ventura;
.
Ponha-me, enfim, em baixo ou alto estado;
Que até na dura morte me acharão
Na língua o nome e na alma a vista pura.

de Luís de Camões
em Obras Completas, Vol. I
.

2006-09-09

A clareira

9 de setembro de 2006

A vida por uma razão de viver. Um propósito na vida de cada um.
Uma vida de pressupostos para serem cumpridos.
Aparece um rio e as margens são diferentes, assim como a sua iluminação.

Este rio é subterrâneo e, perto da foz, sai da montanha por uma caverna de tecto rochoso e altíssimo.
Uma das margens está escura e cheia de florestas densas a toda a sua lonjura. Deste lado só perto da foz é que o arvoredo é menos denso.
Barqueiros de capote fazem a travessia e é visível o desagrado que têm no seu trabalho.
Tudo em redor é grossseiro e desagradável, até de cheiros. Mais parece uma zona pantanosa que um rio.
Chegamos a uma clareira iluminada por fogueiras.
Muitos dançavam ou cambaleavam aos pares. Pares que ora dançavam ora caíam no chão de terra batida.
Muitos risos e comentários. Ou seriam histórias a serem contadas.
Grupos de crianças, adolescentes e velhos esperavam, quietos, pela hora do transporte.
Os barcos e os barqueiros não chegavam para tantos e tínhamos pressa.
Resolvemos inventar uma estrada de luz e os grupos e todos os que quiseram, puderam caminhar pela sua própria viagem.
Da clareira para as suas novas vidas.
O dia que vai nascer.

2006-09-08

O tempo

8 de setembro de 2006

Repartições e papéis e papéis, para tratar, assinar, pagar...
Um casal jovem a braços com despesas. Despesas do dia, do mês.

Dos impostos, das licenças, da saúde. Da saúde dentária (ortodôncia, etc.) que estão sempre à parte nos seguros de saúde e outros tipos de sistemas.
E dobram as responsabilidades. E os dias parecem dobrar no seu carrego.
Os casamentos e as famílias que se formam são apanhadas nesta onda de deveres.
Os amores ressentem-se neste quotidiano sofredor.
Os olhos atiram pensamentos errados para outros e outros terceiros, quantos...

E os casamentos vão finando nas famílias.
Os jovens não reparam que tudo é passageiro.
Ainda não tiveram tempo para experimentar que tudo vai e volta - o bom e o mau.

Que a vida roda sempre, atraindo os desejos mais profundos.
Que o tempo da vida nem sempre coincide com o tempo que o desejo quer desejável.
Que o tempo só o tempo tem.

2006-09-07

Saber

7 de setembro de 2006

Outros planetas habitados - pois, talvez.
Mas habitados como, por que tipo de habitantes... etc. etc.
Hipóteses que nos conduzem a situações de humildade ante a grandeza do desconhecido.
Ainda há demasiado desconhecimento e um universo para conhecer. Para uns trata-se de conhecer, para outros de descobrir.
Muitos filmes, livros, reportagens tratam de assuntos deste teor dos modos mais variados.
Em todos eles, as pessoas vulgares são ignorantes do que as rodeia e da sua possível importância através do conhecimento.
Para este tema ou qualquer outro que se refira à capacidade intelectual do indivíduo obtemos o reflexo da vontade pessoal e das possibilidades escolares.
Desde os primeiros graus de escolaridade até ao saber livresco (hoje auxiliado pela internet) já no lar e aos serões de pantufas, é a vontade de saber e conhecer que dá o "toque" de diferença entre os indivíduos.
A diferença dos que seguem conversas de rua como tema primordial das suas vidas.
E os outros que querem saber da sua origem, além do pai e da mãe, e da Terra onde nasceram.

2006-09-06

Pormenores

6 de setembro de 2006

Na cozinha a azáfama de comidas mais apetitosas e arranjadas de modo mais vistoso para as visitas.
Ora esperam, ora entram e saem da cozinha na ânsia de chegarem todos à mesa.
As conversas são sobre todos os temas que se desejam, mais os que se lembram.
Convívio algo intermitente entre o falar, fazer, ouvir, ver e andar de um lado para o outro.
Querendo saber as novidades todas, mesmo as que não são já novidade.
Sorrisos, pensares, passeios e visitas prometidos para o futuro.
Abraços apertados cheios de amizade e carinho.

É muito bom criar e manter laços de bom relacionamento entre as pessoas.
O longe ou o perto são pormenores. Os momentos bons da vida são para recordar.
As coisas boas da nossa vida deveriam plantar-se como sementes e cuidá-las na memória com muito carinho para que se desenvolvam ainda mais em novas ocasiões.
Uma renovação constante do fútil no interessante.
Na valorização do verdadeiro sentir-se bem com os outros.

2006-09-05

Projectos e realidade

5 de setembro de 2006

Um lago está ali no meio do vale, entre as serras altas cheias de neve.
A água está gelada. A paisagem é fria, parada no tempo, mas grandiosa na sua beleza

e esplendor.
O sol da Primavera virá, como todos os anos, e a paisagem vai tornar-se rica em cores.

Em tons e sons alegres de vida.
Das vidas que recomeçam, que renascem em si mesmas para novas possibilidades.
Novas felicidades (ou infelicidades) são construídas em constante reestruturação de passados.
Projectos no futuro são sonhados primeiro, pensados ardentemente depois.
Então a realidade vai ao seu encontro e a alegria de algo novo faz brilhar a terra e os céus.

O belo renasce a cada passo do bem e da felicidade.
Um arco-íris de caminhos que podem ser seguidos conforme a condição a ultrapassar - a direcção, o perdão, a paz interior, o amor, a saúde, a transformação, a integridade e a sabedoria.

2006-09-04

A espera do amor eterno

4 de setembro de 2006

Uma mulher bonita apesar dos cinquenta e tais anos. Roliça e sempre tão arranjada de cabelo, maquilhagem e roupa, que parece sempre mais elegante.
Um homem alto espera-a ao longe, com paciência. E ela demora-se.
Demora-se em ilusões algo fanáticas de ser a tentação de outros maridos. Ou maridos de outras.
Demora-se na tentativa de intrigas entre amigos.
Demora-se em mézinhas irracionais.
Demora-se nos tratamentos que depois necessita para se desembaraçar dos resultados das mézinhas que elaborou.
Demora-se ainda mais a ser "imensamente" agradável ou vítima de pequenos-grandes problemas ou na aparência de desamparo e solidão.
Demora-se também muito nos olhares equívocos.
Mas ele espera ainda com mais paciência e tolerância. Pede ajuda sem nada pedir.

Oferece-lhe o seu braço amigo e o seu amor eterno.
Ela começa finalmente a vislumbrá-lo mas o seu caminhar não é muito fácil.
O problema é que a verdade está no seu encalço e o seu próximo caminhar vai ter que ser honesto e verdadeiro consigo mesma.
Ele já lhe consegue acenar.
Ela finalmente decide ir nessa direcção.
Felicidades!

2006-09-03

Teilhard de Chardin # O Meio Divino

3 de setembro de 2006

O processo que seguiremos na nossa exposição será muito simples. Visto que, no campo da experiência, a existência de cada homem se divide adequadamente em duas partes, a saber, o que ele faz e o que ele sofre, focaremos alternadamente o campo das nossa actividades e o campo das nossa passividades.
... ... ...
Das duas metades ou componentes em que se pode repartir a nossa vida, a primeira, pela sua importância visível e pelo valor que lhe atribuímos, é o campo da actividade, do esforço, do desenvolvimento,. Como é sabido, não há acção sem reacção. Também é sabido que não há nada em nós que na sua origem primitiva e nas suas camadas profundas não esteja, como diz S. Agostinho, «in nobis sine nobis» : (em nós sem nós).
Segundo parece, quando actuamos com mais espontaneidade e vigor, somos em parte levados pelas coisas que julgamos dominar. Além disso, a própria expansão da nossa energia (por onde se atraiçoa o núcleo da nossa pessoa autónoma) não é no fundo senão a obediência a uma vontade de ser e de crescer, cujas variações de intensidade e cujas infinitas modalidades não dominamos. No começo da segunda parte voltaremos a tratar das passividades essenciais, umas imiscuídas no cerne da nossa substância, outras difundidas na acção vária de conjunto das causas universais, a que nós chamamos «a nossa natureza», ou «o nosso carácter», ou «a nossa boa ou má sorte».

de Teilhard de Chardin
in "O Meio Divino"
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outros textos da mesma obra, nestas ligações:
2007 - 2008
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2006-09-02

Tempo de férias ?

2 de setembro de 2006

Sol, mar e férias. Uma ligação auspiciosa como poucas e que geralmente demora um ano para a realização.
Entretanto surge uma sala cheia de gente que quer seguir a estrada da sua felicidade.
Contudo, esta situação requer - de cada um - que comece por procurar e encontrar essa sua estrela em si próprio.

Depois cuidá-la com todo o carinho que puder e então projectar essa personalidade, agora mais sensível e amorosa, a tudo o que rodeia, ao seu dia a dia.
Na praia está um miúdo com um problema na garganta. Parece obstruída, ou colada ou... nem sei. Tem que ser observado melhor.

Bem, agora já deve dar para perceber. Não é espinha, nem quisto, nem colada - está cosida com linha e nós e tudo.
Quem faria isto a um miúdo pequeno...
Talvez um dia seja a bondade sem limites a impôr os limites do bom-senso, dignidade e respeito dos semelhantes.
E, como num paraíso, viveremos felizes para sempre.

2006-09-01

Os herdeiros

1 de setembro de 2006

Jogos de sociedade. De sociedade política.

Jogos de famílias influentes e de influência nas famílias.
É nestas alturas que nasce sempre um "rebelde" e volta tudo ao zero.
Dinheiros mal gastos e perdidos, arrogâncias e zangas disparatadas.
A seguir, o novo erguer ou o dividir e afastar uns dos outros.
Nesta roda viva que é afinal uma roda de vidas, há sempre um núcleo que perdura - a família.
Entre casamentos e divórcios de pessoas, mas também de ideologias, movem-se gerações e os séculos passam rápido.
O casamento e os filhos em descendência, são sempre o início e a célula que deve ser preservada.
Depois da paixão, o amor vai fortalecendo os laços entre os esposos, sendo que das amarguras ultrapassadas em conjunto, ou ajudando-se um ao outro conforme podem, sai a força magnética de um amor e felicidades.

Força essa que se torna mais poderosa nas boas qualidades e no progresso moral da família que partilha a mesma casa.
E herdeiros do bem, serão herdeiros do bem por vir.