Teilhard de Chardin # O Meio Divino - Parte I
Os excertos que serão aqui reproduzidos ao Domingo, em Fevereiro, são retirados da obra «O Meio Divino» do padre jesuíta Pierre Teilhard de Chardin (1881-1955), da edição da Editorial Presença, Lisboa, Colecção Síntese, s.d., e a selecção é da minha responsabilidade.
A leitura de Teilhard de Chardin foi proibida pela igreja católica apostólica romana por um monitum de 30 de Junho de 1962.
Apesar disso, em 6 de Janeiro de 1975, na homilia da missa da Solenidade da Epifania do Senhor, o Papa Paulo VI fez uma citação explícita das duas primeiras frases da ‘Introdução’ de "O Meio Divino", indicando não só o título da obra mas também a página de onde foi retirado o texto citado (“Solennità dell’Epifania del Signore – Omelia del Santo Padre Paolo VI – 6 gennaio 1975”, www.vatican.va). Este facto, além de pressupor que o Papa conhecia bem o pensamento de Chardin, cuja leitura era proibida pelo monitum, igualmente pressupõe que não a condenava pois não se coibiu de a referir numa cerimónia religiosa pública.
Também João Paulo II perfilhou nos seus escritos, por diversas vezes, o pensamento de T. de Chardin o mesmo se podendo dizer do então cardeal Ratzinger.
Para quem desejar um melhor conhecimento deste autor, permito-me aconselhar um excelente trabalho do Prof. Dr. Alfredo Dinis seguindo esta ligação.
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Observação importante
Não se busque nestas páginas um tratado completo de teologia ascética, – mas sim a simples descrição de uma evolução psicológica observada num instante bem determinado. Uma série possível de perspectivas interiores descobrindo-se gradualmente ao espírito no decurso de uma modesta ascensão «iluminativa», – eis o que pretendemos exarar aqui.
Introdução
O processo que seguiremos na nossa exposição será muito simples. Visto que, no campo da experiência, a existência de cada homem se divide adequadamente em duas partes, a saber, o que ele faz e o que ele sofre, focaremos alternadamente o campo das nossas actividades e o campo das nossas passividades.
Primeira Parte – A Divinização das Actividades
Nada é mais certo, dogmàticamente, do que a santificação possível da acção humana. «Tudo o que fizerdes, diz S. Paulo, fazei-o em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo». E a mais cara das tradições cristãs foi sempre ouvir esta expressão: «em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo» no sentido de: em união íntima com Nosso Senhor Jesus Cristo.
As acções da vida de que se trata aqui não devem ser entendidas, como se sabe, só das obras de religião ou de piedade (orações, jejuns, esmolas, etc.) Trata-se realmente da vida humana toda, mesmo nas zonas chamadas mais «naturais». Toda a vida humana é declarada pela Igreja santificável. «Quer comais, quer bebais…» – diz S. Paulo.
Mas o que contará lá no Céu, o que sempre permanecerá é que o meu amigo tenha agido em todas as coisas, em conformidade com a vontade de Deus. Deus, é claro, não tem nenhuma necessidade da sua industriosa actividade, visto que ele poderia ter tudo sem essa sua actividade. Aquilo que ele está exclusivamente interessado, o que ele deseja intensamente, é o uso fiel da sua liberdade e a preferência que lhe der a ele com relação aos objectos que o rodeiam.
Compreenda bem isto: na Terra as coisas foram-lhe dadas só como matéria de exercício para formar o espírito e o coração «a suo», isto é, sem o substracto da acção real perfeita. O meu amigo está num lugar de prova onde Deus possa julgar se é capaz de ser levado à sua presença no Céu. Está em experiência. Pouco importa portanto o que valem e em que se transformam os frutos da Terra. Toda a questão consiste em saber se deles se serviu para aprender a obedecer e a amar.
Onde estão as raízes do nosso ser? Que mistério o das primeiras células que um dia foram animadas pelo espírito vital da nossa alma. É em parte a história toda do Mundo que se representa em cada um de nós através da matéria. Por mais autónoma que seja a nossa alma, ela é a herança de uma existência prodigiosamente trabalhada, antes dela, pelo conjunto de todas as energias terrestres: ela encontra-se com a Vida e junta-se a ela num momento determinado.
Não há em nós um corpo que se alimente com independência da alma. Tudo o que o corpo admitiu e começou a transformar, a alma tem por sua vez de o sublimar. Ela faz isso à sua maneira e segundo a sua dignidade, sem dúvida. Mas não pode fugir a este contacto universal nem a este labor de todos os instantes. E assim se vai aperfeiçoando nela, para sua felicidade e correndo riscos, a capacidade particular de compreender e de amar, que constituirá a sua mais imaterial individualidade.
Não esqueçamos que a alma humana por mais criada à parte que a nossa filosofia a imagina, é inseparável, no seu nascimento e na sua maturação, do Universo onde nasceu. Em cada alma Deus ama e salva parcialmente o Mundo inteiro, resumido nesta alma dum modo particular e incomunicável.
O Mundo, pelos nossos esforços de espiritualização individual, acumula lentamente, a partir de toda a matéria, o que fará dele a Jerusalém celeste ou a Terra nova.
Pela nossa colaboração que ele suscita, Cristo consuma-se, atinge a sua plenitude, a partir de toda a criatura. É S. Paulo que no-lo diz. Imaginávamos talvez que a Criação acabara já há muito. Erro. Ela continua cada vez mais activa, e nas zonas mais elevadas do Mundo. E é para o acabar que nós servimos, mesmo por meio do trabalho mais humilde das nossas mãos. É este, em suma, o sentido e o valor dos nossos actos. Em virtude da interligação Matéria-Alma-Cristo, façamos o que fizermos, nós levamos a Deus uma porção do ser que ele deseja. Mediante cada uma das nossas obras, nós trabalhamos muito parcelarmente mas realmente na construção do Pleroma, isto é, contribuímos um pouco para o acabamento de Cristo.
Cada uma das nossas obras, pela repercussão mais ou menos distante e directa que tem sobre o Mundo espiritual, concorre para perfazer Cristo na sua totalidade mística.
Oxalá chegue o tempo em que os Homens, bem conscientes da estreita ligação que associa todos os movimentos deste Mundo no único trabalho da Encarnação, não possam entregar-se a nenhuma das suas tarefas sem as iluminar com esta ideia distinta, a saber, que o seu trabalho, por mais elementar que seja, é recebido e utilizado por um Centro divino do Universo!
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