Teilhard de Chardin # O Meio Divino - Epílogo
.
Os excertos aqui reproduzidos ao Domingo, em Fevereiro, foram retirados da obra «O Meio Divino» do padre jesuíta Pierre Teilhard de Chardin (1881-1955), da edição da Editorial Presença, Lisboa, Colecção Síntese, s.d., e a selecção é da minha responsabilidade.
.
.
SEGREGAÇÃO e agregação. Separação dos elementos maus do Mundo, e «coadunação» dos Mundos elementares que cada espírito fiel constrói à volta de si no trabalho e no sofrimento. Sob a influência deste duplo movimento, ainda quase totalmente escondido, o Universo transforma-se e amadurece à volta de nós.
Imaginamos às vezes que as coisas se repetem, indefinidas e monótonas, na história da criação. É que a estação é demasiado longa, em relação com a breve duração das nossas vidas individuais, - é que a transformação é vasta demais e demasiado íntima, relativamente às nossas vistas superficiais e limitadas, - para que nos dêmos conta dos progressos do que se faz incansàvelmente por obra e graça e através de toda a Matéria e de todo o Espírito. Acreditemos na Revelação, apoio fiel (aqui também) dos nossos pressentimentos mais humanos.
Debaixo do invólucro banal das coisas, de todos os nossos esforços purificados e autênticos é que se gera gradualmente a Terra nova.
Um dia, anuncia-nos o Evangelho, a tensão lentamente acumulada entre a Humanidade e Deus atingirá os limites fixados pelas possibilidades do Mundo. E então será o fim.
Como um relâmpago que vai de um pólo ao outro, a Presença, silenciosamente acrescida, de Cristo nas coisas revelar-se-á bruscamente. Rompendo todas as barragens onde aparentemente a continham os véus da Matéria e a compartimentação mútua das almas, ela invadirá a face da Terra. E sob a acção, finalmente libertada, das verdadeiras afinidades do ser, arrastados por uma força onde se manifestarão as potências de coesão, próprias do mesmo Universo, os átomos espirituais do Mundo virão ocupar dentro de Cristo ou fora de Cristo (mas sempre sob a influência de Cristo) o lugar, de felicidade ou de castigo, que a estrutura viva do Pleroma lhes designar. Como o raio, como um incêndio, como um dilúvio, a atracção do Filho do Homem arrebatará, para os reunir ou submeter ao seu Corpo, todos os elementos em rodopio do Universo.
Será assim a consumação do Meio Divino.
Sobre o momento e as modalidades deste acontecimento formidável, seria vão, como disso nos adverte o Evangelho, fazer especulações. Mas devemos esperá-lo.
A espera, – a espera ansiosa, colectiva e actuante de um Fim do Mundo, isto é, de uma Saída ou desfecho airoso para o Mundo, – é a função cristã por excelência e o traço mais distintivo da nossa religião.
Aparecendo um momento entre nós, o Messias não se deixou ver nem tocar senão para se perder, ainda de novo, mais luminoso e mais inefável, nas profundezas do futuro. Ele veio. Mas agora devemos esperá-lo outra vez de novo, – não já só um grupinho escolhido, mas todos os homens – mais do que nunca. O Senhor Jesus só virá depressa quando o esperamos muito. É uma acumulação de desejos que fará eclodir a Parusia.
Sem dúvida, ainda, nós rezamos e agimos conscienciosamente para que «venha a nós o Reino de Deus».
Mas, na verdade, quantos há entre nós que se alegram realmente com a esperança entusiasta de uma refundição da Terra? Nós continuamos a dizer que vigiamos à espera do Senhor. Mas, na realidade, se quisermos ser sinceros, seremos obrigados a confessar que já não esperamos nada.
É necessário, custe o que custar, reavivar a chama.
É necessário a todo o custo renovar em nós mesmos o desejo e a esperança da grande Vinda. Mas onde buscar a fonte desse rejuvenescimento? Da percepção de uma conexão mais íntima entre o triunfo de Cristo e o êxito da obra que o esforço humano tenta edificar neste mundo.
Esquecemo-nos constantemente disto. O sobrenatural é um fermento, uma alma, não um organismo completo. Ele vem transformar «a natureza»; mas não poderia prescindir da matéria que esta lhe apresente.
Olhemos para a Terra à nossa volta. Que se passa sob os nossos olhos na massa dos povos? Donde vêm estas desordem na Sociedade, esta agitação inquieta, estas ondas que incham, estas correntes que circulam e interferem umas nas outras, estas erupções confusas, formidáveis e inéditas? - A Humanidade atravessa visivelmente uma crise de crescimento. Ela toma obscuramente consciência do que lhe falta e do que pode. Perante ela, como lembrámos na primeira destas páginas, o Universo torna-se luminoso como o horizonte donde vai despontar o Sol. Ela pressente, pois, e ela espera.
Do que dissemos temos já bem assentes no nosso espírito as seguintes ideias: o progresso do Universo, e especialmente do Universo humano, não é uma concorrência feita a Deus, nem um esbanjar vão das energias que ele nos deu. Quanto mais o Homem for grande, tanto maior a Humanidade será unida, consciente e senhora da sua força, – quanto mais bela for a Criação, tanto mais a adoração será perfeita, tanto mais Cristo encontrará, para acrescentamentos místicos, um Corpo digno de ressurreição. Não poderia haver dois cumes no Mundo como não pode haver dois centros de uma circunferência. O Astro que o Mundo espera, sem saber ainda pronunciar o seu nome, sem poder apreciar exactamente a sua verdadeira transcendência, sem poder mesmo distinguir os mais espirituais, os mais divinos dos seus raios, é necessàriamente o Cristo mesmo que esperamos. Para desejar a Parusia, não temos senão que deixar pulsar em nós, cristianizando-o, o próprio coração da Terra.
APONTAMENTO BIOGRÁFICO
Pierre Teilhard de Chardin nasceu em França, em Orcines (perto de Clermont-Ferrand) a 1 de Maio de1881 e faleceu em Nova Iorque a 10 de Abril de 1955.
Padre jesuíta, teólogo, filósofo, paleontólogo, T. de Chardin é ordenado padre em 1911.
Em 1916 publica o seu primeiro ensaio, A Vida Cósmica. Em 1923 efectua a sua primeira viagem à China a solicitação do Museu de História Natural de Paris. Após um artigo sobre o pecado original mal recebido pela hierarquia, é convidado a prosseguir as suas pesquisas na China. Considerado um dos mais eminentes paleoantropologistas da sua época, integra a equipa que estuda o Homem de Pequim. Até à sua ida para Nova Iorque (uma espécie de exílio aconselhado pelas autoridades eclesiásticas), fará pesquisas científicas na Etiópia (1928), Estados Unidos (1930), Índia (1935), Java (1936), Birmânia (1937), Pequim (1936 a 1946) e África do Sul (1951 a 1953).
No entretanto, é-lhe concedido, em 1946, o título de Oficial da Legião de Honra em reconhecimento pelos seus trabalhos na China e, em 1950, é admitido na Academia das Ciências.
Em 1954, num jantar em Nova Iorque, confidencia a amigos que gostaria de morrer no dia da Ressurreição. Morre na Páscoa do ano seguinte, em 1955.
A maior parte da sua obra, proibida pelo Vaticano, é publicada postumamente num total de 13 volumes.
Para um melhor conhecimento do pensamento de Teilhard de Chardin, permito-me referenciar um trabalho do Prof. Dr. Alfredo Dinis, nesta ligação.
Pleroma: Universo consumado; Plenitude, o Todo
Parusia: Segundo Advento; Manifestação definitiva de Deus
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home