Escritos de Eva

Aqui Eva escreve o que sonha e - talvez - não só. Não tem interesses de qualquer tipo nem alinhamento com sociologias, política, religião ou crenças conformes às instituições que conhecemos. Estes escritos podem servir de receita para momentos de leveza, felicidade ou inspiração para melhorar cada dia com bons pensamentos. Alguns poemas ou textos... Algumas imagens ou fotos... Mulheres e homens, crianças e idosos podem ler Eva e comentar dando a sua opinião.

2006-12-31

Nikos Kazantzaki # Carta a Greco

31 de dezembro de 2006


Ergui os olhos, fitei-te. Ia dizer-te:
- Avô, é verdade que não há salvação? - Mas a língua prendeu-se-me. E quando tentei aproximar-me de ti, os joelhos fraquejaram.
Então, estendeste a mão, como se eu me afogasse e quisesses salvar-me. Agarrei-a àvidamente: ela estava salpicada de manchas multicolores; queimava. Toquei-lhe, ela deu-me força, um impulso, e pude falar.
- Avô - disse -, dá-me as tuas ordens.
Tu sorriste, puseste a mão sobre a minha cabeça. Não era mão, era um fogo multicolor. E esse fogo derramou-se até às raízes do meu espírito.
- Vai até onde puderes, meu filho...
A tua voz era grave, sombria, como se saísse da garganta profunda da terra.
Atingira as raízes do meu cérebro, mas o meu coração não acusou qualquer sobressalto.
- Avô - gritei então com voz mais forte - dá-me uma ordem mais difícil, mais cretense.
E, bruscamente, mal o tinha dito, uma chama cortou o ar. Assobiando, o antepassado indomável com cabeleira entrelaçada de raízes de tomilho desapareceu da minha vista: no alto do Sinai apenas restava uma voz imperiosa, que fazia estremecer o ar.
- Vai até onde não puderes.
.
in "Carta a Greco"
de Nikos Kazantzaki


2006-12-30

Vozes

30 de dezembro de 2006

Recados e mais recados. Eles parecem soar dentro da cabeça, sem interlocutor à vista do mundo. São correcções à conduta. Correcções à maneira de ver as coisas.

Ouve-se que "burro velho não aprende línguas" dentro da cabeça.
Quem ouve tem tendência para duvidar da sua lucidez.

Será que está a ficar tresloucado?
Na sua cabeça surge claramente, sem ninguém pedir licença, naquele momento em que escolhe o que quer do supermercado, a resposta de que todo o momento é altura de melhorar a visão da própria vida.
E se está velho, então o melhor é ter alguma pressa porque o tempo pode já não ser tanto quanto o desejável.
Ai, que ele não está a gostar nada disto! Nem é tanto do recado, é mais da questão das vozes.

Se nunca ouviu vozes antes, porquê ouvi-las agora? É de desconfiar...
Não é tempo de desconfiar pois isso foi o que fez toda a vida.

Desconfiava tanto dele mesmo que nunca ouviu nada do que lhe diziam.
Mas... diziam, quem?
Isso não era importante, o que era importante era a sua transformação.
Mas qual transformação, qual nada...

Vivia bem, preparou a velhice com cuidado, trabalhou honestamente, comportou-se sempre de modo moralmente correcto... Que era isto agora?
Precisamente por ter sido sempre honesto com os outros é que precisava agora de ser honesto consigo mesmo...
Ai, ai, ai... caramba!

2006-12-29

Rir alegremente

29 de dezembro de 2006

Uma mesa redonda de metal e cadeiras também de metal.
Um chapéu de sol fechado porque o sol agora já não precisa ser tapado com o chapéu.
Sentados, com chá quente em bules pequenos. Sem açúcar, só o chá.
Que bom que é esse relaxar ao meio da tarde. O céu começa a alterar o seu azul claro para mostrar laivos rosas do pôr-do-sol que já lá vem. Uma brisa, vinda do rio, começa tão calma que lembra a praia no verão.
Mesmo assim, o frio deixa-nos com os casacos vestidos e bem apertados.
A conversa é tola e bem disposta.
Deve ser por isso que também se usa dizer "conversa para deitar fora".
São conversas banais, livres, nem sequer maldizentes.
Conversa, conversas simples.
Não são para cultura, nem sequer para entender.
São para rir e rir alegremente.
As gargalhadas enchem o ar naquele espaço. São francas e cristalinas.
Parecem subir, como notas musicais.
Sobem no céu e enchem de música não só aquele espaço mas outros também, ao subirem, ao atingirem outras esferas celestes. Dessas esferas e como que puxadas pelos ventos, a música espalha-se pelo mundo, como sobrevoando cidades e campos.
As pessoas não as percebem mas sentem alegria a brotar no seu coração, repentinamente e sem razão visível.
Uma claridade ilumina-lhes as faces e os olhos brilham de uma felicidade... do nada.
Ou do céu...

2006-12-28

Momentos

28 de dezembro de 2006

Ele passeia com o seu casaco curto, cabelos brancos tapados por um boné quando chove ou faz nevoeiro.

Todos os dias faz a mesma estafeta, duas vezes.
O passo é de passeio simples mas o trajecto é longo.
Das primeiras vezes, vinha algo trôpego.

Agora o passo não é mais rápido até porque a intenção não é andar mais rápido, mas é mais ágil, lá isso é!
Não conversa com ninguém, sempre a direito, sem paragens.

Dá uma volta pela manhã e outra a seguir ao almoço.
São os seus momentos. Dele próprio com os seus pensamentos.

Gosta de ouvir o silêncio dentro de si. Gosta de se sentir.
Saber conscientemente dos seus sentimentos.
Se fez, durante esse dia, o que acha que deveria ter feito.
Se tomou as decisões que acha que deveria ter tomado.
Se disse apenas o que deveria ter dito.
Se ouviu e entendeu o que lhe quiseram dizer.
Se compreendeu quem dele se abeirou.
Se tratou com cordialidade aqueles que não lhe são simpáticos, por qualquer razão que até desconhece.

Mas é assim que acontece para alguns, olha-os e tem vontade de virar a cara noutra direcção.
Se tratou com carinho aqueles que lhe são queridos.
Se teve tempo para todos os que se cruzaram no seu dia.
Se agiu como gostaria de ter vivido esse dia.

E desse dia para todos os outros.
Já não sente tempo em si para ser diferente.
Sente que é tempo de ser igual a si mesmo, em harmonia com as suas convicções.

Simplesmente - é tempo de si...

2006-12-27

Pantufas e aconchego

27 de dezembro de 2006

Reumático, dores, articulações doridas.

Enfim, achaques da idade mas também do frio.
Todos com luvas, cachecóis e gorros, sobretudo com esta moda das cabeças mais ou menos rapadas.
O gorro desportista está na moda. Pois deve ser outro conforto, deve...

O vento passa entre uma brisa e um ventinho frio.
Os comentários sucedem-se. Lugares vazios, mas em se sentando um, sentam-se logo outros mais.

A sala vai enchendo de gente. As pessoas animam-se e começam a conversar com os do lado, mais ou até menos conhecidos.
Faz-se a publicidade para uma meia hora de patinagem no gelo, para quem queira.

Todos os gostos coexistem: os que querem experimentar, os que só querem ver, os que só podem ver porque não podem pagar.
O sol começa a baixar. A sua luz vai-se tornando cada vez mais amarela e dourada.

As árvores vão deixando uma sombra maior e só os seus topos de folhagem é que alcançam a luz que se esvai.
A noite chega e as pessoas partem para as suas casas.

O frio parece mais frio à noite e a casa é mais lar, no aconchego dos cheiros da comida, no quente das cozinhas.
Pantufas e mantas a aconchegar as pernas de uns, ou mantas nos ombros, para outros.

Mesmo debaixo do tecto apetece o "aninhar". As comidas ou bebidas, bem quentes.
O bom da civilização está aí, traduzido em conforto e aconchego.

2006-12-26

Festas e lanches

26 de dezembro de 2006

Festas e lanches de despedida ou de chegada ou simplesmente porque sim, por algo que vale a pena comemorar.
Comida e mais comida. Mesas juntas umas nas outras.
Todos de pé e os mais cansados, nas cadeiras ao longo das paredes.
Um circular de pratos e copos entre os grupos e as mesas centrais, de comidas e bebidas.
E a mesa dos doces, um problema grave para as dietas.
É sempre a mais esperada e a mais colorida.
Muitos, sempre de boca cheia. Outros, sempre a conversar pois é uma óptima altura para isso. Inúmeras pessoas, interesses e horas para prolongar essas conversas.
Mas as conversas são de inutilidades. Nada que seja mesmo necessário tratar.
Pelo contrário, fala-se exactamente do que é supérfluo e repetem-se constantemente os cumprimentos, os elogios e os reparos habituais das reuniões.
Os fatos e os penteados, mais os adereços, esses são todos notados.
Enfim, são os "jogos"de sociedade.
Quer se goste ou se deteste, eles estão aí, de modo ostensivo, em certas alturas do ano.
Resta saber quantos de nós apreciariam mais estar sossegados em casa, como no resto do ano.
Talvez estas extravagâncias sirvam para nos lembrar a felicidade das coisas simples.
De procurar a pureza das coisas. Também dos nossos actos.

2006-12-25

Sentimentos

25 de dezembro de 2006

Saía da loja com o mesmo ar triste, dramático até, que era costume ter.

Olhou para ver se o sinal de peões estava verde para atravessar e seguimos então as duas, reunidas na passadeira de peões.
O dia estava bonito e frio como também é costume nesta época.

Perguntas sobre as famílias e o choro habitual ao lembrar os falecidos há pouco tempo.
Trocas de conversas e ideias sobre o que pode haver além da morte.

Para uns não há simplesmente nada; para outros, tudo o que poderia fazer a felicidade nesta vida.
Para estes últimos, há uma enorme variedade de ideias e fantasias sobre a vida além-túmulo.
Ligadas ou não à religião, a verdade é que a maioria das pessoas recusa a ideia de que a vida acaba com a morte.

Há o sentimento de que os esforços e lutas das pessoas não terminam com as cerimónias da morte e funerais.
Assim como para os outros que se consideram menos bons, e até aos criminosos, se considera que, noutra vida, hão-de perceber melhor como as coisas são.

Enfim, há todo um ideário, mais ou menos partilhado pela grande maioria das pessoas, sobre outro modo de viver além da morte.
O que parece predominar é a esperança maior em que se faça justiça aos esforços que cada um despendeu ao longo desta vida.

Poder encontrar em algum sítio, em algum tempo mais certo do que nesta vida, a felicidade que todos desejamos.
Porque todo o ser almeja atingir a felicidade que está convencido (firmemente convencido) que tem direito a gozar.
E a esperança é a última a morrer...

2006-12-24

Miguel Torga # História Antiga

24 de dezembro de 2006

Era uma vez, lá na Judeia, um rei.
Feio bicho, de resto:
Uma cara de burro sem cabresto
E duas grandes tranças.
A gente olhava, reparava, e via
Que naquela figura não havia
Olhos de quem gosta de crianças.
.
E, na verdade, assim acontecia.

Porque um dia,
O malvado,
Só por ter o poder de quem é rei
Por não ter coração,
Sem mais nem menos,
Mandou matar quantos eram pequenos
Nas cidades e aldeias da Nação.
.
Mas,
Por acaso ou milagre, aconteceu
Que, num burrinho pela areia fora,
Fugiu
Daquelas mãos de sangue um pequenito
Que o vivo sol da vida acarinhou;
E bastou
Esse palmo de sonho
Para encher este mundo de alegria;
Para crescer, ser Deus;
E meter no inferno o tal das tranças,
Só porque ele não gostava de crianças.
.
in "Antologia Poética", Ed. autor
de Miguel Torga

2006-12-23

Dias de família

23 de dezembro de 2006

Dias frios e pequenos comparados com um anoitecer quase a meio da tarde e noites longas e, essas sim, geladas.
É nestes dias que a casa tem mais nome de lar, pelo calor que nos acolhe, pela família que se vai reunindo.

São dias em que, quem vem chegando, chega com comidas variadas e para a troca nas mesas que se querem fartas.
Quase que se poderia resumir em presentes e comidas.
A verdade é que os produtos "da terra" têm outro sabor e outro modo até, de se transformarem em cozinhados.
As cozinhas, por estes dias, pelas mãos de avós e mães, enchem-se de cheiros novos de comidas feitas lentamente.

De comidas feitas devagar, na conversa que se vai tendo, com as palavras a lembrarem outras palavras.
E todas as novidades possíveis da família, desde as mortes às doenças, dos nascimentos às crianças na escola.
Por fim, todos os comentários, até os mais esquisitos, são tratados.
Dias em que as pessoas se embaraçam nos seus hábitos rotineiros, porque está outrem a ocupar o lugar já tão acomodado e habitual.

Mudanças de horários e de atitudes.
Por fim, tudo volta ao normal e ficam as lembranças e desejos de repetir no próximo ano, talvez em regime de rotação.

Ou talvez os mesmos nos mesmos sítios.
O que interessa é que vão podendo encontrar-se e reunir-se.
O importante é a saúde, não é verdade?
É, é! Pois é...

2006-12-22

Tempo justo

22 de dezembro de 2006

Areia barrenta, nalguns sítios parece barro e lodo.

E, ao longe, parece ser um pântano.
Mas aqui, ao pé de nós, ela é uma passagem para areia branca e seca, seguida de arbustos rasteiros mas esparsos.
Mais além, do lado contrário ao tal pântano, já se vêem flores do campo, rasteiras e bem coloridas.

Não há vento, nem brisa. Apenas sol forte e a sua quentura.
Caminhamos seguindo marcas de passos anteriores e deixando as nossas marcas para que os que vêm a seguir não se percam.

Eles apenas são visíveis na linha do horizonte, encobertos pela névoa do ar quente.
As pegadas acabaram porque a areia é agora uma estrada de terra bem calcetada.

Esta estrada é estreita e serpenteia vales e montes, um pouco como que pelo ar, pretendendo ir a direito.
Mas tem "sobes e desces" razoáveis e que, vistos ao longe, dão a impressão de a alargar até à duplicação.
Cansados e acalorados, não é uma visão fácil nem agradável.

Ninguém passa por lá a não ser nós e os que vêm lá atrás.
Não sabemos o seu destino, mas vamos segui-la pela razão mais simples: é a única!
E queremos sair deste calor e desta paisagem.
Alguém nos alerta que não podemos ter pressa.

Que é preciso passar as coisas da nossa existência no tempo justo que nos é dado.

2006-12-21

A chave

21 de dezembro de 2006

Caras felizes e caras tristes, algumas até desfiguradas, aparecem por vezes quando sonhamos ou fechamos os olhos.
Desconhecidos que nos falam algo que não entendemos ou, pelo contrário, de "pecados" que percebemos perfeitamente.

Em qualquer dos casos, ou as mensagens nos são úteis ou não.
Quantas vezes acordamos com as respostas a preocupações do dia ou dias anteriores? Quantos avisos de precauções a tomar, nos são dados pelo chamado nosso inconsciente?
O que muitas vezes acontece é que nem sempre acreditamos nesses "avisos" mais íntimos.

Diz-se, mais vulgarmente, "puxar" pelas respostas dentro do nosso ser, no nosso interior.
Agora põe-se outra questão.

Como é esse interior que quase ninguém considera digno de atenção, quanto mais de credibilidade?
Que temos dentro de nós que nos avisa regularmente de defesas e atitudes?

Será um complexo estruturado do nosso eu, do nosso ego existencial?
Seremos nós um todo desconhecido de nós mesmos, com tudo o que nos é necessário dentro de nós?
Se assim for, que sabemos sobre esse "todo de nós mesmos" que parece saber tudo de nós?
Parece que não sabemos o suficiente, se calhar nem o mais banal, do interior de nós.
Mas tudo indica que nele está a chave da nossa felicidade, da nossa vida.

2006-12-20

Persianas

20 de dezembro de 2006

Ela estava sentada num cadeirão enorme e, não sendo pequena, os seus pés pairavam descalços no ar, sem chegar ao chão.

Uma bata desapertada e fininha naquela manhã tão fria, era a única coisa que a tapava.
Perguntei-lhe se tinha frio e enquanto ela respondia o esperado sim, fui arranjando os chinelos e algo, estilo banqueta, em que pousasse os pés.
Tapei-lhe os ombros com a tal bata, que teimava em escorregar.

Mais composta e arranjada, conseguiu engolir um caldo quente.
A meio já arfava com o calor que a invadia. Começava a recuperar a fala.
Foi então que comecei a olhar melhor para ela.

Tinha as mãos meio ligadas por causa de feridas e para não se aleijar.
O cabelo foi, em tempos, bem tratado. As feições eram finas.
Os olhos queriam fixar-se em mim mas não conseguiam.
De olhar vago, entendia pela voz o lugar onde a pessoa estava.

E a seguir, mais que uma vez, alheava-se da sala.
Fugia em si mesma, não percebendo para onde e se calhar nem porquê.
Perguntei-lhe se estava já bem e se queria mais alguma coisa.

Respondeu que já chegava. Tudo o que lhe continuava a doer era a perna.
Dito isto, escorregou o que pôde no cadeirão para tentar esticar as pernas.
O Sol ia alto e aquele compartimento não deixava ver bem.

Luzes acesas e persianas meio corridas. Deixei as persianas levantadas.
A sua face pareceu iluminar-se, não sei se da luz do sol, se dos seus pensamentos.
Talvez de ambos.
O importante foi que se animou para o dia que aí vinha, já meio vivido e meio por viver.

2006-12-19

O poder da evolução

19 de dezembro

Frio e mais frio. Chuva e vento.

As extremidades geladas; pés, mãos e até o nariz e as orelhas.
O cabelo parece que tem neve. Mas é só mesmo o frio.
Passam outros por nós, uns com bons casacos, outros com o casaco normal e curto.
Outros ainda apenas com camisola.
E todos têm o mesmo ar de frio. Dos mais agasalhados aos outros sem nada.
Todos caminham apressados até um sítio quente.
Quando éramos pequenos, a televisão era ainda uma novidade e só alguns é que a podiam comprar.

A maioria juntava-se nas montras e cafés para ver um bocadinho de qualquer coisa.
Tudo era novidade. Lembro-me da primeira viagem à Lua.

A maior parte das pessoas achava que era uma encenação, uma brincadeira.
Hoje, isto parece mesmo que foi no século passado.

E foi, mas não há 100 anos. Foi só há umas dezenas de anos atrás.
Apesar dos dias frios - ou gelados, como quiserem - as pessoas esperavam pelos programas.
Pois é verdade que estava e está tudo muito atrasado. Mas tudo também vai andando.
E o ritmo do progresso é cada vez mais rápido.

Às vezes dá a impressão que é preciso atingir uma meta que já deveria estar mais próxima do que está. Para isso, teremos que estugar o passo senão poderemos perder a meta...
Qual será essa meta, a das nossas vidas?

Será que um mundo tecnicamente tão avançado poderá promover o avanço mental das pessoas, à força, num tempo urgente?
Tal como aconteceu com os inventos no passado... e com a dita primeira viagem à Lua.
Foi o tal pequeno passo na Lua que provocou o grandioso passo que a humanidade iria ter que avançar.
Querendo ou não, será esse o poder da evolução.

2006-12-18

Cada minuto

18 de dezembro de 2006

Ruas escuras, lixos espalhados.
Animais que se habituaram a comer por ali e, ao mesmo tempo, comendo os restos, acabam por limpar as tais ruas escuras, onde ninguém vai.
Quem lá vai, fica!
Ficam-se pelas soleiras das portas, abandonando o corpo e a mente à bebedeira, à sujidade...
Aspecto repugnante, se fossem vistos à luz do dia.
Pessoas mais sujas que os caixotes do lixo.
Alguns perguntam-se se já morreram; outros, simplesmente onde estão...
Mas, na realidade, eles continuam lá. Só que estão a ser amparados pelas luzes do auxílio.
Da higiene, da limpeza, dos remédios para os estados febris. Do agasslho e da comida quente ou da bebida aquecida.
O conforto do calor, da comida, da amizade... Sim, é isso mesmo!
Esta luz que agora apareceu nos candeeiros da rua, há muito apagados, é a luz que extravasa dos corações.
Dos nossos corações por todos vós.
A vida não é para esperar a morte. É para se viver.
Viver do modo mais digno possível.
Do modo mais brilhante que o amor pode dar.
Brilhando na vida pela alegria de dar boas palavras, de bem fazer até só que seja com um sorriso. Merecer viver cada minuto.

2006-12-17

António Botto # Nove d'Abril

17 de dezembro de 2006

...Louvar a guerra? - Loucura
...Que é preciso arrancar
...De quem a quiser sentir!
...A humanidade não deve
...Atraiçoar a razão
...Fundamental de existir.
.
...
Punhais, espadas, metralha,
...Tudo isso para quê,
...Se a vida pode ser bela?
...- O homem à luz do amor
...Chegaria ao infinito
...Para tocar uma estrela!
.
...
Viver na lama sinistra
...De uma trincheira atascada
...De mortos e podridão,
...É perder a consciência
...Do que vale para a vida
...Ter no peito um coração.
.
...
Morrem cem mil? Não importa?
...Em nome da Pátria, quantas
...Infames negociações!
...Soluços! Caem por terra
...Nas lágrimas dos vencidos
...As mais altas ilusões.
.
...
Conquistar novas bandeiras,
...Chegar além!..., Mais além!...,
...Matar, impor, destruir,
...É tombar, ingloriamente,
...Na maravilha fatal
...Do eterno Alcácer-Kibir!
.
in "Baionetas da Morte"
de António Botto, ed. 1936
.

2006-12-16

A janela

16 de dezembro de 2006

Dias de trabalho e de folga repetindo-se pelos meses e anos, por uma vida inteira.
Quando menos se espera, misturam-se com os feriados e dias da semana.
Baralham-se as folgas e tanto faz ir ao trabalho como não.
Os dias e as noites passam a suceder-se como que esperando simplesmente pelos seguintes.

O entusiasmo esbate-se e a rotina ganha em acomodação.
Uma idosa, à janela, espreita a vizinhança. É o seu entretém.

Trabalhou sempre, ora numa coisa, ora noutra e agora goza o resto da saúde que tem em pequenos passeios ou assim, à janela.
A janela tem a vantagem de ver tudo o que se passa à sua volta e não apanhar a chuva que cai, agora com mais força.

Gosta de conversar com a vizinhança e de sentir-se viva.
Pois sim, os dias são iguais e as noites são cada vez mais longas, mas gosta de rever os filhos e os netos, pois gosta de estar viva.
E a tal rotina também é boa porque quando não tem rotina, tem médico ou hospital.

Então prefere a rotina. Sem problemas.
A rotina quer dizer que tudo está bem e que ainda está viva para gozar a vida que Deus lhe deu.

2006-12-15

O julgamento de si mesmo

15 de dezembro de 2006

Escritos antigos dizem que "não finja ser o que não é, nem recuse ser o que é" num lúcido apelo à realidade de cada um.
No entanto, continua a ser das coisas mais difíceis.
Para começar, é rara a pessoa que sabe avaliar-se com dignidade.
A maior parte ou peca por excesso ou por menosprezo de si próprio.
Torna-se necessário um certo afastamento de si mesmo e tal atitude já é, em si, uma dificuldade. Por outro lado, o julgamento de si mesmo é sempre sentimental.
E sempre um exagero, ou por excesso ou por defeito, novamente.
Resumindo: vai dar tudo ao mesmo, às mesmas razões e dificuldades.
Em contrapartida, todos temos uma enorme facilidade em criticar, e até em julgar os outros.
E em tempo instantâneo. Sem dúvidas e cheios de vontade para tarefas desse género.
Há ainda outras razões para não interpretar correctamente a realidade de cada um.
É que todos mudamos a cada instante, a cada acontecimento.
Somos o que somos, mais o que nos adaptamos a ser a cada exigência do dia-a-dia.
Seres em auto-transformação e transferência de valores pessoais.
Seres em constante evolução, mais ou menos racional.
Todos somos seres em mudança.
Possam essa mudanças ser sempre para melhor.

2006-12-14

Fardas e ética

14 de dezembro de 2006

Fardas e profissões. As fardas, que estão mais uma vez na moda, ajudam a manter a roupa vulgar em bom estado.
As fardas têm ainda a vantagem do aspecto idóneo que dão a quem as usa e a elegância que as caracteriza, seja qual for o desenho do corpo que vestem.

É assim que os mais gordos ficam esbeltos, os mais baixos sobem de altura, os magros parecem peso médio e os altos mais vulgares.
A farda tem o significado de respeito. Contudo, vendo notícias agora observações de abusos perpetrados a coberto de fardas, parece que esse respeito se tornou um problema social.
É evidente que se "o hábito não faz o monge", a farda também não torna íntegro quem a usa.

E não será necessário usar uma farda para progredir na moral e na ética pessoal e social.
Tudo isto volta sempre ao princípio, ou à génese destas situações.
A essência é a educação pessoal.

Não propriamente a da família, apesar de ser uma ajuda inestimável.
Mas trata-se do esforço individual por si próprio.
Antes, até se chamava amor-próprio, mas parece ser um termo em desuso no presente.

Assim como o "orgulho" de ser se transformou em arrogância.
Parece ser tempo (mais que tempo) de recuperar estes termos e acrescentar "responsabilidade" a esta lista.
São três palavras que poderão ajudar a definir o futuro da humanidade.
Deseja-se tudo de bom e construtivo às novas gerações.
Mais uma vez, têm muito trabalho a fazer.

2006-12-13

Moeda ao ar

13 de dezembro de 2006

Hoje é dia de luvas e cachecol.
Um bom casaco de agasalho, boas meias de lã (não de licra que arrefecem os pés) e sapatos com sola grossa.
Já agora, um chocolate quente. E também um scone quente com manteiga.
-Tá-se bem, assim.
- Ah, assim... pudera!
- Faz-me impressão aqueles, ali, em camisolas frescas e pés sem meias nos sapatos bem maiores que os pés.
- Estão a correr e a brincar. Mas quando pararem é natural que tenham frio.
- O Inverno é assim, mas gosto. Não sei é se gosto do Inverno em si ou do facto de poder experimentar roupas novas.
- Logo vi! Mas eu gosto é do tempo à minha temperatura. Aliás, eu gosto de tudo ao meu gosto!
- Isso é porque te foi possível até hoje. Mas a fibra da pessoa vê-se é nas impossibilidades.
- Olha aquele casal. Hoje, mal tem dinheiro para uma renda que há poucos meses era canja. Não estão desempregados mas não lhes pagam o ordenado.
- Nem sei o que é pior.
- É pior assim porque as despesas mantêm-se.
- E a esperança? Não seja ela vã! Porque também é preciso raciocinar a vida e fazer escolhas que são sempre muito difíceis.
- É a chamada "moeda ao ar" e logo se vê se cai cara ou coroa.
- Não são os únicos. Todos os que lá trabalham estão assim.
- Mais logo vão para uma manifestação de rua porque já não há nada a fazer...
- E não é só por cá este cenário! Acontece em muitos países. O pior é quando as coisas derivam em lutas e, a seguir, em guerras civis...
- Então vamos manter a esperança bem alto, junto ao céu azul, por mais frio que esteja!
E manter o coração quente, muito quente para fazer face às vicissitudes!
Muito quente por todos nós e por todos os outros, os desconhecidos!

2006-12-12

Reformados

12 de dezembro de 2006

Num café reunia-se, todas as tardes, um grupo de reformados.
No meio das conversas habituais sobre futebol, o tempo e as bisbilhotices do dia (por vezes também chamadas notícias) sucediam-se conversas mais pensadas.
Conversas que traduziam pensamentos mais sérios sobre a vida e ainda sobre a morte que alguns sentiam já bem próxima.
Às tantas, entre um café e uma cachimbada, dizia um dos do grupo:
- Li há tempos que um psiquiatra... ou psicólogo... tanto faz, comentava com amigos que se as pessoas deixassem de se preocupar tanto com os outros, e se preocupassem mais consigo mesmos e com o que gostariam que fosse a sua própria vida, seriam mais felizes.
E, com o tempo, até se ririam com gosto ao ver a figura patética que faziam ao viver como aos outros dava jeito.
- Também vi isso. Foi num programa. Mas não percebi bem...
Porque isso quererá dizer que as pessoas que nos rodeiam são más conselheiras.
Ora isso já é um disparate porque, muitas vezes, as suas opiniões dão jeito.
- Mas não foi assim que entendi. O que eu percebi era sobre as opções que fazemos das nossas vidas.
Ou seja, estarmos contrariados só para não contrariar os outros.
- Desculpem mas não me pareceu nada disso e também vi o programa.
O que eu entendi era que a nossa maneira de ser social atrapalha mais que favorece a nossa felicidade porque molda até os nossos gostos.
- Os senhores não querem mais nada? Nem uns bolinhos para levar para casa? Então a conta é...
- Prontos! Resumindo: deveríamos ter sido mais felizes do que fomos.
- E poderíamos ter sido mais sensatos.
- Mas porque é que só vimos agora o programa, hein?
- Será que há uns anos atrás o teríamos entendido e discutido como hoje e o mais que der?

2006-12-11

Os indispensáveis

11 de dezembro de 2006

Bombons e chocolate, doces e doçarias, são como os feriados; um prémio no meio da semana agitada do dia-a-dia.
O problema é o mesmo para os dois casos: nunca são demais.

E são sempre uma delícia.
Sentei-me na "minha" esplanada. Minha, porque costumo ir para lá quando posso.
O costume. Céu azul, pombos no largo, mães com crianças nos carrinhos a passear e a conversar com amigos e conhecidos.

Este país pode ter muitos problemas, mas tem um clima que não há igual.
Até quando chove é diferente. Continua a ser o "jardim à beira mar plantado " do poeta Camões.
Gente a passear ou apressados querendo fazer mil coisas ao mesmo tempo.

Uns, passam seguros de si e do seu charme.
Outros, verdadeiramente encantadores, são sempre os inseguros querendo ser melhores em cada dia.
Estes, que derramam o seu amor e carinho por quantos encontram - entre um sorriso amável ou uma abraço sentido - são sempre amorosos.

E são também sempre os mais carentes. É como se o mundo não necessitasse deles.
Mas, sem se aperceberem, eles é que são indispensáveis.
Para estes vai a minha admiração pois, no meio das guerras, conseguem ir em frente no seu caminho e sem desvios.

A sua insegurança se calhar é o motor que os mantém vigilantes na exigência para a sua evolução.
Bem hajam pela sua simplicidade e carinho de todos os dias.

2006-12-10

khalil Gibran # Os olhos

10 de dezembro de 2006
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.....Certo dia os olhos disseram:
.....- Além destes vales
.....vejo uma formosa montanha
.....envolta num manto azul de névoa.
.....Não é mesmo bonita?
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.....Os Ouvidos, escutaram isto
.....e, prestando atenção, disseram:
.....- Mas onde está essa montanha?
.....Não a ouvimos.
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.....Falou depois a Mão e disse:
.....- Em vão procuro tocar ou sentir
.....a montanha;
.....não encontro montanha nenhuma.
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.....O Nariz disse:
.....- Não há tal montanha;
.....não a cheiro.
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.....Os Olhos voltaram-se para outro lado;
.....e todos começaram a murmurar
.....sobre tão estranha alucinação.
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.....E diziam:
.....- Alguma coisa corre mal
.....nesse Olhos
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in "O Louco"
de Khalil Gibran
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2006-12-09

Dificuldades

9 de dezembro de 2006

Eles dão a volta à rotunda, passam a bomba de gasolina e viram logo a seguir à direita.
Sobem a rampa, passam pelo ginásio e procuram lugar para estacionar.
Como é ela que conduz, não quer ficar na rampa inclinada por causa das mudanças e manobras.
- Pois são... são mais difíceis e não só. Geralmente, com os nervos, o carro vai abaixo.
- Por causa da rampa... quem é que te deu a carta?
- Ai, ai... não gosto e pronto! Se posso escolher, escolho o mais fácil. Está feito! Este é em espinha!
- Realmente... até tenho vergonha de comentar isto!
- Então não digas nada, que não vale a pena!
- Não consigo! Mas tu ainda não percebeste que se tens dificuldade numa coisa, o que tens a fazer é treiná-la até ser fácil?
- Ai... hoje o dia vai ser bom!
- Pois vais ouvir, vais! Olha, eu ajudo-te! Volta atrás e estaciona na rampa!
- Está tudo doido! E eu já estou atrasada!
- Fica para logo, à saída! Isto é fácil! Deves ter apanhado medo...
- Pois foi, fiquei várias vezes a tocar no da frente e no de trás. E uma das vezes o condutor estava lá e não gostei nada. Se ele quisesse, inventava riscos e eu tinha que pagar. Até porque estava parado. Motor desligado e tudo!
- Mais uma razão para treinares visto ser uma manobra que, mais dia menos dia, será precisa!
- Logo... logo, talvez!
- Não te deixo escapar, nem a ti nem ao carro!
Voltando - e depois de um dia de trabalho - lá fez o treino prometido e conseguiu ultrapassar o medo.
Aprendeu também que deveria enfrentar os problemas e resolvê-los antes que se tornassem castelos de medo no ar.
- Vês? Pés na terra e, já agora... no travão!

2006-12-08

O possível

8 de dezembro de 2006

Oficina com muitos automóveis, carrinhas, jipes e atrelados de carga.
Todos vazios, à espera de vez para conseguirem depois funcionar e ser novamente úteis.
Barulhos de máquinas que se vão tornando mais maçadores e difíceis de aturar.
Depois vem a habituação a tudo isto e parece que os ruídos deixam de existir.
Mas continuam na realidade. Afinal o que é a realidade?
Esta capacidade de habituação traz então a capacidade de fantasia e ilusão para as nossas vidas.
Uma defesa natural do nosso organismo acarreta a possibilidade de trocar um problema por outro problema maior.
Ou essa ilusão que agora se criou, tem a medida que permite situá-la na necessidade e não no problema?
No fundo, tudo se resolve na equação da medida certa.
Pois se até a água em demasia faz mal...
Numa sociedade como esta em que vivemos, em que encontrar um local de trabalho já é milagre, que dizer sobre as condições de trabalho? Como, por exemplo, escolher sítios saudáveis...
E quem fala de ruídos, fala de ares condicionados que não são limpos; de luzes e cadeiras inapropriadas; de ambientes húmidos e frios...
Enfim... E, no entanto, é uma felicidade chegar ao fim do mês e ter um ordenado para levar para casa e pagar as contas a que nos comprometemos em troca de produtos que faziam falta.
Estas são, geralmente, as possibilidades que temos.
Por isso, resta estar atento e, será necessário e prudente criar um ambiente diferente daquele a partir do momento em que se sai do trabalho.
Se ouve muito ruído, fiquemos no silêncio.
Se a luz é forte, facilitemos os olhos com luzes mais ténues.
Se são muitas horas sentados, talvez se possam fazer pequenas caminhadas de percurso.
Quem sabe se não se chega antes do autocarro ou do metro?
Tudo é, deveras, possível.
Até o impossível...

2006-12-07

Figuras

7 de dezembro de 2006

No meio do mar a espuma forma uma coluna rumo ao céu já estrelado, num restinho de fim de dia.
A altura dessa espuma tem a ver com remoinhos que se formam em águas fundas e com a humidade e temperatura do ar.
O espectáculo é lindo e logo aparecem os mais imaginativos ou românticos que interpretam figuras naquela coluna de espuma.

E relatam figuras de mulher, de mulher esbelta ou mulher mãe com bebé ao colo; ou homens com tridentes ou lanças.
Todas as figuras são, claro está, brancas cor da espuma.
Mas também há quem veja figuras geométricas na dita coluna, douradas em várias cores.

A voarem lá dentro, como se a coluna fosse transparente.
Ou quietas, como se fossem pintadas.
O comum entre todos era o espanto pela grandiosidade do acontecimento.
Todos especados no convés, a olhar para o mar e o céu, elogiavam a beleza da natureza ou glorificavam o seu Deus.

A natureza, no seu poder e na sua estonteante beleza, faz-nos sempre humildes espectadores da sua magnitude.
Com as diferenças das temperaturas, que se alteraram pelo cair da noite, a tal espuma acabou por diluir-se nas águas.
Para as pessoas ficou a lembrança do mundo lindo em que vivemos.

Do belo que se pode diluir na nossa vida.
Ou do belo que se pode recordar e espelhar nas nossas vidas.

2006-12-06

Chuva de cores

6 de dezembro de 2006

Luzes na chuva, como um arco-íris, mas dentro dos pingos da chuva. Ou seja, uma chuva cheia de cores.
Ao cair no chão, as gotas deixavam algo parecido a berlindes, cada um da sua cor.
Todos os que viam, apanhavam a cor ou o "berlinde" mais perto e de que gostavam mais.
E esses berlindes brilhavam cada vez mais nessa cor que traziam.
As crianças apanhavam todos os que podiam e corriam encantadas para casa, segurando-os às mãos cheias.
Queriam que a mãe e o pai vissem. Tinham pena se derretessem.
Mas eles estavam cada vez mais sólidos.
Só os que caíam e ninguém apanhava é que se diluíram na terra, nas flores, no campo, nos telhados, na estrada - enfim, um pouco por todo o lado.
As pessoas não sabiam bem o que fazer com eles, mas quanto mais os olhavam com admiração, mais eles brilhavam.
Passados uns dias já não lhes ligavam importância e eles foram-se desfazendo sem que o notassem.
As crianças foram as primeiras a dar conta dessa situação e resolveram perguntar aos que estavam mais inteiros o porquê da transformação.
E, no meio do brilho colorido que aumentava outra vez, explicaram que a sua luz, beleza e brilho dependia da atenção que os seres humanos lhes davam.
E que, enquanto lhes admirassem a beleza, eles retribuíam com mais cor e felicidade.
Se, pelo contrário, os votassem ao esquecimento, eles diluíam-se porque já não tinham utilidade.
Então eles existiam pelas cores que a vida pode ter com a sua influência de beleza?
Exactamente! Mas muitos não queriam nem colorido nem beleza nas suas vidas. Só correrias contra a monotonia do tempo e o esquecimento dos outros pela lembrança de si próprios.
Ai, ai, que é isto? ...Ohh, foi um sonho! Um sonho bom!
Mas um sonho que, se calhar, eu gostaria de enviar para todos.

2006-12-05

Direitos

5 de dezembro de 2006

Comidas para pobres e ricos. Mesas postas para quem quiser.
Para beber, água e sumos. Nada de vícios.
O assunto é sério. Trata-se de dividir trabalhos e bens pelos que mais precisam.
Estamos na época do ano em que a pobreza e a necessidade dos mais amargurados e desamparados da vida são lembradas até pelas instituições.
Já sabemos que deveria ser assim todo o ano mas, pelo menos, que haja uma época para isso.
Há países em que a percentagem de gente pobre é a grande maioria da população.
E pobres que não têm comida, nem mesa para a colocar e dividir com a família.
Pobres que dormem ao relento, sem trabalho e sem condições.
Involuntários geradores de vícios e doenças a quem ninguém liga.
Antes todos se afastam e deixam descambar na vida.
A sobrevivência é um mito.
Porque "aquilo" que se vê muitas vezes nem pode ser considerado uma forma de vida.
Muito menos de resistência.
E, no entanto, no meio destes outros, está sempre alguém com uma luz enorme no coração.
Sempre há alguém que consegue transformar a desgraça em algo menos mau que um dia vai acabar.
Há sempre alguém com uma luz de esperança que tudo interpreta de maneira diferente.
Alguém que, ao morrer, deixa dividida a sua luz em outros corações que irão continuar a sua senda pelo progresso da humanidade.
Mesmo pela humanidade de que alguns desviam o olhar e a memória.
Uma humanidade que poderia viver melhor os direitos humanos a que tem direito.

2006-12-04

Temporal

4 de dezembro de 2006

Vento, chuva, águas revoltas, céu cinza e frio. É um dia de temporal e prenuncia uma noite longa, como todas as de temporal.
Nestes dias desagradáveis, quatro paredes são um abrigo desejado, sejam da nossa casa ou do trabalho.
Nestes dias, quem tem que trabalhar ao ar livre está mais desprotegido e, muitas vezes, tem que esperar inactivo até que a tempestade amaine.
A força da natureza é de respeitar.
Muitas vezes, põe à prova a nossa paciência ou facilita-nos a vida outras tantas.
Nos animais, os doentes ou crias pequenas são os que mais sentem estas durezas e muitas vidas não resistem.
É a esperança que tudo passa, a convicção que o sol virá outra vez aquecer-nos que nos prepara para esperar.
Novos dias sirvam para nos transformar, melhorar e sentir a união entre todos os seres.
A chuva agora passa nas janelas como um manto de água que voa, bate nos vidros e voa para longe.
Isso quer dizer que o vento aumentou.
Nestes dias faz-me ainda mais impressão os “sem abrigo”.
Resta desejar que um dia todos possam ter uma casa – mais ainda – um lar.

E que nem os ninhos dos pássaros resvalem dos ramos; pelo contrário, que as árvores os consigam abrigar ainda mais.

2006-12-03

Allan Kardec # A caridade

3 de dezembro de 2006

Algumas pessoas são de opinião que, a partir do momento em que se está na Terra para expiar, é preciso que as provas sigam o seu curso. Existem até aquelas que chegam a crer que não só não se deve fazer nada para atenuá-las como, pelo contrário, se deve torná-las mais vivas contribuindo, assim para que sejam mais proveitosas. É um grande erro.
... Sabeis se a Providência não vos escolheu ... como bálsamo consolador? ... Portanto, deveis sim afirmar: "Vejamos que meios nosso Pai misericordioso colocou ao meu alcance para aliviar o sofrimento do meu irmão. ... Vejamos, mesmo, se Deus não colocou nas minhas mãos a forma de cessar esse sofrimento; se não me foi dado a mim, também como prova ou talvez como expiação, acabar com o mal e, em seu lugar, colocar a paz".
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Porque tudo o que se faz contra o próximo é contra Deus que se faz. Não se podendo amar a Deus sem praticar a caridade com o próximo, todos os deveres do homem se acham resumidos
nestas palavras: Fora da caridade não há salvação.

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in "O Evangelho segundo o Espiritismo"
de Allan Kardec
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2006-12-02

Enfeites de Natal

2 de dezembro de 2006

- A tolerância começa por nós, isto é, na capacidade de tolerarmos as nossas faltas mas sem as deixar à solta. Ou seja, educarmo-nos continuamente.
- Olha, que achas destes enfeites de Natal para actualizar a decoração da árvore?
- E depois fazer crescer a nossa tolerância para que os erros dos outros não nos desgostem tanto.
- Pois... estas fitas são boas mas muito pequenas. Vamos ver ali.
- Mas isto é difícil numa sociedade de livre concorrência. Muito difícil mesmo.
- Estas estão bem, mas já não têm a cor... Não há dinheiro, não há dinheiro, mas as coisas desaparecem à mesma.
- A questão está em escolher as prioridades. O que prevalece é a profissão e o bem-estar que o dinheiro dá.
- Podes crer!
- Ou o nosso crescimento interior, o modo de ver o mundo. A lente que nos auxilia é que tem que ser escolhida.

- Eu acho que são sempre os mesmos que detêm o poder e o dinheiro, seja qual for o governo.
- Assim, a lente pode ser de diminuição ou de ampliação do que nos interessa ver, mais do que aquilo que está à vista.
- Sim, sim. Tudo é uma questão de escolhas. Se calhar, não levo nada...
- Mas como explicar às pessoas outros modos de ver a vida, se elas não conseguem sequer perceber o que se lhes diz nesse sentido?
- Olha, eu percebi tudo o que disseste e, por isso mesmo é que não comprei nada, não chega?
- Às vezes, tenho a sensação que não sei se estou ainda lá ou se já regressei aqui.
- Agora vamos para casa que são horas. Por onde vais?
- A direito.

2006-12-01

Músicas

1 de dezembro de 2006

Tango, ballet russo, danças de salão.
Músicas para amenizarmos os nossos dias e quereres. Nossos desejos e ambições por vezes sem futuro. Músicas de ritmo alegre, músicas só em ritmo de pancadas - porque a melodia se envergonha de aparecer pelo meio. Músicas de baladas e melodias que choram os sons.
- Já estou farta de tanta música!
- Mau, então escolheste curso de música a pensar que era sobre cabeleireiros?
- Engraçado... por uma vez na vida!
- Oh, oh!
- Eu vim para esta escola para aprender. Para os ouvir, ficava em casa, sem apanhar chuva.
- Nunca experimentaste fazer limpezas ou passar a ferro com música escolhida para essas tarefas?
- Deves estar a sonhar...
- Pois eu acho que até quando durmo os meus sonhos têm música. É como se eu e a música fôssemos uma só pessoa.
- Olha aquele anúncio, deixa ouvir... então, gostam? Foi composto por um amigo meu!
- Está cheio de efeitos de computador mas está lindo apesar da reunião de tantos estilos.
- Isso só prova que a arte é sublime; isto é, sublima os ditos estilos diferentes, podendo enriquecer os arranjos finais.
- A arte, quando é fruto de bom trabalho, é linda e ultrapassa as épocas, recriando-se sempre a ela mesma. Ou seja, sublima-se.
- Olha, agora vou sublimar-me com este bolo e um café.
- Nem posso ver isso!
- Porquê? Vai ser sublimação pura de trabalho, porque escolhi um bolo sem açucar e café amargo e vão saber-me "que nem gingas". Oh, se vão...