Persianas
20 de dezembro de 2006
Ela estava sentada num cadeirão enorme e, não sendo pequena, os seus pés pairavam descalços no ar, sem chegar ao chão.
Uma bata desapertada e fininha naquela manhã tão fria, era a única coisa que a tapava.
Perguntei-lhe se tinha frio e enquanto ela respondia o esperado sim, fui arranjando os chinelos e algo, estilo banqueta, em que pousasse os pés.
Tapei-lhe os ombros com a tal bata, que teimava em escorregar.
Mais composta e arranjada, conseguiu engolir um caldo quente.
A meio já arfava com o calor que a invadia. Começava a recuperar a fala.
Foi então que comecei a olhar melhor para ela.
Tinha as mãos meio ligadas por causa de feridas e para não se aleijar.
O cabelo foi, em tempos, bem tratado. As feições eram finas.
Os olhos queriam fixar-se em mim mas não conseguiam.
De olhar vago, entendia pela voz o lugar onde a pessoa estava.
E a seguir, mais que uma vez, alheava-se da sala.
Fugia em si mesma, não percebendo para onde e se calhar nem porquê.
Perguntei-lhe se estava já bem e se queria mais alguma coisa.
Respondeu que já chegava. Tudo o que lhe continuava a doer era a perna.
Dito isto, escorregou o que pôde no cadeirão para tentar esticar as pernas.
O Sol ia alto e aquele compartimento não deixava ver bem.
Luzes acesas e persianas meio corridas. Deixei as persianas levantadas.
A sua face pareceu iluminar-se, não sei se da luz do sol, se dos seus pensamentos.
Talvez de ambos.
O importante foi que se animou para o dia que aí vinha, já meio vivido e meio por viver.
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