Escritos de Eva

Aqui Eva escreve o que sonha e - talvez - não só. Não tem interesses de qualquer tipo nem alinhamento com sociologias, política, religião ou crenças conformes às instituições que conhecemos. Estes escritos podem servir de receita para momentos de leveza, felicidade ou inspiração para melhorar cada dia com bons pensamentos. Alguns poemas ou textos... Algumas imagens ou fotos... Mulheres e homens, crianças e idosos podem ler Eva e comentar dando a sua opinião.

2006-05-31

31 de maio de 2006

As árvores continuam a ser destruídas.
As crianças continuam a ser utilizadas.
Os resíduos continuam a intoxicar o ambiente.
Dizem que quando não compreendemos o "outro lado", o melhor seria colocarmo-nos nesse outro lado e tentar perceber as razões.
Mas eu só percebo um interesse desmedido ( mesmo sem medida! ), um lucro. E um lucro fácil.
Agora caminho no meio de uma floresta.
Crianças lindas, verdes como as folhas das árvores brincam às escondidas entre elas, as árvores e o sol, que teima em acusar com a sua luz o esconderijo que elas vão arranjando.
Finalmente vêem-me. Espanto geral - não porque elas me vejam.
Mas porque percebem que eu as vejo.
Não perdem tempo e querem continuar a brincar também comigo.
São lindas! Como é possível tratá-las mal. Mutilá-las até.
As pessoas são também animais - respondem alguns.
Os ramos balançam. As crianças agora voam, alegres e rápidas.
O sol aquece mais o ar. O mesmo ar que todos respiramos.
A brisa sopra e diz-me para confiar nos tempos próximos.
Para manter a alegria.
Que seja esperança.
Esperança sempre.
Que a luz do sol ilumine os homens e aqueça os seus corações.

2006-05-30

30 de maio de 2006

Um minuto e a vida. Eis uma relação algo misteriosa.
Para uns, a vida corre num minuto e querem mais.

Porque não fizeram tudo o que pretendiam.
Mas ainda não sabem, também, se queriam mesmo fazer o que pretendiam.
Para outros, um minuto é a vida inteira.

Cada instante é aproveitado como se fosse o último instante de vida.
Muita loucura, muita coragem. Muita ansiedade, alguma serenidade.
Quando temos a vida nas mãos - a nossa vida - o tempo para a viver altera-se completamente.
A luz detém a cor das cores. As melodias, os sons mais nítidos.
As canções trazem poemas até nos "gemidos sonoros", na ilusão da rima.
Mas as pessoas parecem penduradas no ar.
Os mais chegados, não. Esses sorriem especialmente para nós, de modo cúmplice.
Às tantas, somos nós que nos elevamos no ar, afastando-nos do mundo habitual.
Chegados aí estamos a braços com a realidade e o que parece.
Enfim, outra versão do "ser ou não ser".
São os nossos, que estão connosco dia após dia, que fazem essa diferença.
Vejamos... são um pouco de nós e nós, um pouco deles.

2006-05-29

29 de maio de 2006

Pálida, sonâmbula no corredor sem fim entre o quarto e a porta.
Tudo branco - roupas, paredes, portas. Até os chinelos.
Os remédios entorpecem e dão muito sono.
Demasiada sonolência. As mãos e os pés parecem em câmara lenta. Às vezes estão longe.
Mas percebe o que se diz. A ela não dizem nada. Ou então, nada que lhe interesse.
Queria ficar boa e sair dali. Até lá nada interessa.

Nada tem valor. Nada a apreocupa também.
Comida e remédios. E sono. Ahhh! tanto sono.
Será dia ou noite?
E o corredor continua porque é só virar-se e recomeçar noutra direcção.
Sempre junto à parede ou ao corrimão.

Foi o que lhe ensinaram porque senão pode cair.
Vão deitá-la. Deve ser noite.
A cama é boa, pode descansar as pernas. Está tão cansada.
Dizem que já é dia. E o pequeno-almoço... e o banho...
Pronto, já pode ir para o corredor outra vez.
Mas hoje apetece-lhe sonhar que vai andar no céu, entre as nuvens.
E não vai tomar os remédios, mas vai respirar fundo.

Sorver o ar a plenos pulmões.
Se calhar, consegue voar entre nuvens.
São macias e frescas.
Tão brancas...

2006-05-28

28 de maio de 2006

Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada coisa a Lua toda
Brilha, porque alta vive.
a
a
Ricardo Reis (heterónimo de Fernando Pessoa)
a
a

2006-05-27

27 de maio de 2007

Dores, mazelas. Aflição e esperas.
Medidas sem a medida que a razão desconhece.
Sendo o desconhecimento - a ignorância das virtudes.
Importa entender, conhecer melhor. Assimilar os conhecimentos até fazerem parte de nós.
Construírem a nossa realidade. A nossa própria verdade.
Atingir o estado de serenidade perante a vida.
As suas dores e mazelas, mas também as suas alegrias e descanso.
Trabalhos e sonhos em harmonia.
Como a melodia e o ritmo. Juntos formam uma música.
Deste aperfeiçoamento sai a qualidade precisa para que a sua união seja uma verdadeira unidade.
Assim também da vida - a eternidade.

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Quando o amor
é incondicional
A serenidade
é harmonia plena
E a partícula então
é uma unidade universal

2006-05-26

26 de maio de 2006

Sou crente em Deus e peço-lhe muitas coisas.
Talvez em demasia. Sei lá.
Peço que seja digna da benção de viver esta vida, porque ela é uma oportunidade de ser melhor.
Peço que possa ser um instrumento de paz e amor.
De perdão e tolerância.
De fé, esperança e harmonia.
Do conhecimento da sua integridade, verdade e equilíbrio.
Peço que as minhas acções não prejudiquem os outros seres vivos com que me possa cruzar.
Peço que os meus pensamentos sejam sempre melhorados no burilamento dos anos vividos. Em experiências difíceis, mas também muito felizes.
Peço que haja mais para compreender que ser compreendida. Mais para amar e apaziguar que ser amada.
Peço pela harmonia e equilíbrio entre o homem e a natureza.
Peço pela abundância de comida e água para todos os povos.
Pela saúde física e mental de todos.
Peço que o homem se reconheça como homem de bem e de bem promover na vida alheia a felicidade que gostaria para si próprio.
Ámen.

2006-05-25

25 de maio de 2006

Pareciam um barco de papel no lago.
Mas eram flores em base de jasmins na água prateada do mar.
Boiando, sem ondas, tranquilamente, afastavam-se da praia.

Na direcção do sol no horizonte.
Os reflexos da luz do sol iluminavam-nas. Transformavam-se os verdes e as cores variadas em tons azul celeste e prata.
A água era azul com rastros brancos, cheios de brilho pela acção do sol, agora mais alto.
Creio que poderia adormecer com esta imagem, na esperança de temperar os meus sonhos com esta luz.
Gostaria que esta luminosidade azulada e serena abrangesse o planeta. O mundo.
Traz significantes de paz, harmonia, integridade.
É isso! Faz que tudo, o todo diferenciado, seja unido.
Unificado numa só vontade - integridade.
Quantos valores poderiam ser ultrapassados. Outros procurados.

Descobertos, até, tornando-se imprescindíveis.
Atingir o ponto zero para recomeçar com escolhas mais pausadas.
Mais fortes e seguras de que, contra as tempestades, o caminho é a rota desenhada pelo próprio eu.
Um eu que emerge como um repuxo cristalino.
E a força de um sol na própria vida.

2006-05-23

24 de maio de 2006

Fome, cólera. Já nem falo na pobreza extrema.
Pobreza física e sacrifícios sem descanso.
Crianças com olhos esbugalhados, barrigas dilatadas, ossos "à vista".
Dou-lhes papas de arroz, bolinhos e pequenos pães.
Leite e água límpida precisa-se também.
Às mães - frutas, legumes, cereais e papas.
Precisam comer bem para ter leite para os seus filhos bebés.
Animais e crias, mais além na terra seca, também querem água e folhas verdes.
Tudo tão seco. Até o ar sufoca.
As tendas do hospital possível estão cheias de crianças doentes e mães chorosas.
Outros filhos puxam pela roupa e, ora querem sair dali, ora querem ficar com os irmãos.
Angústia em todos os olhos.
Peço ou rezo para que todos os povos possam progredir no conhecimento de um Deus, ou Alá, ou Buda, ou... etc.
No conhecimento de leis morais mais justas e amorosas.
No conhecimento do conhecer como se aliar à natureza e dela extrair as suas necessidades de alimentação, cura, higiene e bem estar com a vida.
No conhecimento de tornar as suas vidas tão significantes quanto possível da sua salvação.
Aparece uma das crianças - agora de aspecto saudável e alegre.
Uma flor para ti e para Deus.

23 de maio de 2006

Coração de mãe. Muitos corações.
De dentro do coração, outros saem.
E voam brilhando e volteando nos céus.
À sua volta, flores. Dezenas de flores volteiam os corações.
O coração de mãe é único. Isto é, é de todas as mães.
Como o coração de pai é de todos os pais.
São gerações de dádiva. De bençãos e deveres.
E oh! como eles latejam e vibram com a felicidade dos filhos.
Mas também sabem chorar.
Lágrimas que correm em rio, sem ruído. Sozinhas.
Formando correntes de força. Orações de força pela piedade e abnegação do pedido.
Persistência na esperança que se transfere para uma fé crescente.
E a fé da crença é agora uma fé que reflecte desejo.
Desejo que se transfere também para a serena realidade que se enfrenta.
A acção é agora outra reacção.
A angústia cede à harmonia.
O céu é mais azul; a água mais pura.
A terra cheira outra vez a flores.
O coração adormece devagarinho.
Tudo se acalma.
A felicidade vem.
Por vezes de outro modo.
Inesperadamente nova.

2006-05-22

22 de maio de 2006

Zangados, desconfiados, precipitados nas conclusões. Ofensivos até entre eles.
Enfim, um dia desagradável, talvez.
Logo pela manhã, dor de cabeça e preguiça quanto baste.
A seguir as pressas do atraso evidente mais o trânsito que não ajuda nada. "Nadinha"!
Toda a gente parece estar na mesma onda de agravo e desagravo.
Temos que reagir pois senão a situação alastra.
Olha, que passarito engraçado naqueles pulos ou a esvoaçar pulando. Não percebo bem.
Deve estar nas tentativas de primeiros vôos.
Ouvem-se discussões. Hoje todos parecem zangados.
Parece-me mais útil observar os pássaros.
Eles, pelo menos, estão entretidos em assunto útil - aprender a voar.
Bom, e a cair - aos tropeções e com mais ligeireza. Ena... já voa.
Aí está o que preciso agora - tentar melhorar o meu dia. Torná-lo mais ligeiro e agradável.
Mais silencioso também. Pelos outros e para calar esta voz desordeira do meu eu.
O pequenito já voa para os galhos entre as árvores.
Ai, que calor que está chegando ao meu rosto.
O sol já vai aquecendo. O corpo e a alma, que vão serenando.
E o passarito já desenha curvas no céu.

2006-05-21

21 de maio de 2006

«Chamo-me Óscar, tenho dez anos, peguei fogo ao gato, ao cão, à casa (acho que até grelhei os peixes vermelhos) e é a primeira carta que te mando porque dantes, por causa dos estudos, não tinha tempo.» Podia também ter dito: «Chamam-me Cabeça de Ovo, pareço ter sete anos, vivo no hospital por causa do meu cancro e nunca te dirigi a palavra porque nem sequer acredito que tu existas.»
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
Apenas a Vóvó-Rosa não mudou. ... ... ... Deus, não te apresento a Vóvó-Rosa, é uma grande amiga tua, visto que foi ela quem me disse para te escrever.
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
- E porque haveria de escrever a Deus?
- Irias sentir-te menos só.
- Menos só com alguém que não existe?
- Faz com que ele exista.
Debruçou-se para mim.
- Cada vez que acreditares nele, existirá um bocadinho mais. Se persistires, existirá completamente. Então, vai fazer-te bem.
- O que é que eu lhe posso escrever?
- Confia-lhe os teus pensamentos. Os pensamentos que não dizes são pensamentos que pesam, que se incrustam, que são um fardo, que te imobilizam, que tiram o lugar às ideias novas e que te apodrecem. Vais transformar-te numa lixeira de velhos pensamentos malcheirosos, se não falares.
- O.K.
- E depois, a Deus, podes pedir-lhe uma coisa por dia. Atenção! Só uma.
- Não vale nada, o seu Deus, Vóvó-Rosa. O Aladino tinha direito a três desejos com o génio da lâmpada.
- Um desejo por dia é melhor que três durante uma vida, ou não?
- O.K. Então posso pedir-lhe tudo? Brinquedos, bombons, um carro...
- Não, Óscar. Deus não é o Pai Natal. Só podes pedir coisas do espírito.
- Por exemplo?
- Por exemplo: coragem, paciência, esclarecimentos.
- O.K. Estou a ver.
- E também podes, Óscar, sugerir-lhe favores para os outros.
- Um desejo por dia, Vóvó-Rosa, vou lá desperdiçá-lo, primeiro vou guardá-lo para mim!
E pronto. Então, Deus, nesta primeira carta, mostrei-te um pouco o género de vida que tenho aqui, no hospital, onde agora me olham como um obstáculo à medicina, e gostaria de te pedir um esclarecimento: vou curar-me? Respondes sim ou não. Não é lá muito complicado. Sim ou não. riscas o que não interessa.

Até amanhã, beijinhos
Óscar.
P.S. Não tenho a tua morada: como é que faço?

in Óscar e a senhora cor de rosa
de Eric-Emmanuel Schmitt


2006-05-20

20 de maio de 2006

Vou, não vou. Saio, não saio.
Afinal ainda estão a chegar. Para ir ou ficar.
Não se percebe nada, no meio de tanta coisa para fazer e entender. E para aprender.
É bom conhecer, perceber.
Dá a sensação boa do saber feito. Do cumprir concluindo.
Tarefas para fazer, têm que ser feitas. De preferência bem feitas.
Ali está uma minhoca. Na fruta. De óculos escuros?
Ai, é um desenho animado. Ou não?
Pelo menos, vai-se embora, com meia maçã.
Apesar do que possa parecer, tudo acontece em campo limpo e algo brilhante de luz (daí os óculos escuros?).
Um prédio, uma varanda.
Eu conheço o prédio, mas não este andar. Nem a cozinha ou o resto da casa.
Não sei que fazer. É tudo muito estranho.
Tanta ignorância.
Isto sei o que é. É uma foca recém-nascida.
Têm todas este aspecto ao nascer, para seguidamente secarem e luzirem lindas ao sol. Em bando.
Entre o conhecido e o desconhecido, sobra a vontade de conhecer mais.
Muito mais.
Um dia, talvez, como o nascer.

2006-05-19

19 de maio de 2006

Olhando para dentro, que se pode ver?
Todas as coisas que ficam por acabar.
Todas as coisas que ficam por dizer.
Todas as coisas que nunca deviam ter sido ditas.
Pensamentos que não deveriam ter sido cogitados.
Conhecimentos adquiridos que nem sempre são importantes.
Entendimentos que se deveriam ter tido em tempo útil.
Ás vezes, os dias são para esquecer.
Outras, para lembrar de modo constante, para não errar outra vez por razões semelhantes.
Ocasiões melhores, outras deprimentes.
Tudo isto é a vida que temos de valorizar. E tornar útil.

Nos relacionamentos que temos. E para nós próprios.
Algumas religiões dizem que é uma benção que temos de suportar.
Outras, uma oportunidade de regeneração.
Muitas teorias que reduzem a vida ao conjunto de resultados que formos capazes de obter.
Um coração cheio de leis divinas.
Uma vida feliz.
Felicidade interiorizada.

2006-05-18

18 de maio de 2006

Mulher alta, magra, cabelos escuros malhados de muitos brancos em caracóis curtos.
Olhar vivo e desembaraçado. Algo bruta e muito áspera no convívio com os outros.
Mas muito franca e talvez demasiado directa.
Quase todos a consideram antipática - o que até é verdade.
No entanto, senti aqueles olhos chorar e aquele corpo tremer de soluços.
E ela falava em tom decidido, quase sem respirar.
Explicava que se não fosse ela a fazer o mais difícil, alguns podiam até morrer de fome ou falta de tratamento. Era preciso forçá-los.
E eu pensava em quanta doçura seria necessária para amaciar aquela brusquidão toda.
Como seria possível parar aqueles soluços que estavam na outra, paralela dela própria, e que me continuava a fitar.
Falei pensando, com todo o carinho que tinha.
Acariciei-lhe os caracóis.
Disse-me que nunca ninguém lhe tinha falado assim.
Parou de soluçar mas as lágrimas faziam um riacho no chão.
Conversámos enquanto a uma dela falava, andava e praguejava.
Sorrimos e olhámos ambas para a uma que finalmente olhou para nós, admirada.
E parou a pressa de viver à pressa.

2006-05-17

17 de maio de 2006

Ladeámos o jardim.
Trazíamos nas mãos as alianças de filhos que iam casar próximo.
Olhei novamente para o jardim.
As árvores brilhavam em tons róseos por cima das suas copas verdes.

Bem verdes da Primavera em força.
Pareciam estrelas a poisar nas árvores.
O seu brilho depois ora se dirigia para o jardim ora para o céu azul e soalheiro.
Tentei observar melhor quantas cores brilhavam. Não consegui contá-las.
Entretanto as árvores balouçavam na minha direcção.
Pensei então no planeta, nas regiões desérticas, nas neves, nos mares.
E, como não podia deixar de ser, nos maus tratos e desleixos humanos que o estão a destruir constantemente.
O jardim chamava-me outra vez.
Virei-me e vi o chão (de terra batida) cheio daquelas estrelas multicolores a brilhar.
Parecia um jardim encantado.
Resolvemos entrar por um dos portões e percorrê-lo.
Parecia que o via pela primeira vez.
Ali uma nova esplanada esperava hora de abertura.
E pensei também que ainda somos poucos para conseguir a hora de abertura esclarecida da mente.
Fica a fé na expectativa.

2006-05-16

16 de maio de 2006

Aproximei-me da porta da rua e encontrei-a.
Tinha um ar angustiado, algo desiludido.
Os médicos disseram-lhe que tinha um esgotamento e tinha que abrandar as tarefas diárias e o ritmo veloz a que as faz.

Isso deixou-a desconsolada.
Eu ouvia a sua voz lá dentro. Ao fundo dela mesma.

A dizer-me que não era essa a razão mas outra doença muito mais grave, ainda incurável para a medicina.
E a voz até me explicava o lugar onde estava alojado o mal.
Olhei-a e pedi-lhe para fazer como os médicos mandavam.
Não desprezasse os seus conselhos pois talvez fosse mesmo preferível abrandar e agarrar novos interesses.
Os telefonemas, às vezes, também são angustiantes.
Outra foi operada com diagnóstico reservado por doença grave.
Cheia de coragem enfrenta conversas ao telefone enquanto o marido se deixa cair descoroçoado com as notícias.
Os dias chegam e passam acumulando lembranças por nós.
Nós acumulamos sensações.
Muitas delas reservadas.

2006-05-15

15 de maio de 2006

Tudo branco. Neve, neblina, nuvem.
Pétalas brancas no solo, no ar, no céu, no mar.
Perfumes enchem o ar. Maio, doce Maio.
As pessoas também estão brancas - totalmente brancas.

Tudo roda em ondas brancas. É uma imensidão de paz.
Aproveito e desejo paz a todos os povos.
Em todos os lugares se possa respirar a paz.
Entre todos os indivíduos se possa sentir a paz.
Paz por dentro e por fora. De tudo e em tudo.
Seria então a felicidade?
Os homens estariam enfim satisfeitos?
Seria então o falado paraíso?
Regressando ao princípio - a brancura.
Possível também para branquear tudo o que foi inútil à felicidade dos povos.
Um dia de paz possível.
Uma felicidade desejável.
Uma evolução sensível.

*******************

"Só quem, por dentro, é de Deus
Pode ser, por fora, de todas as criaturas de Deus."

2006-05-14

14 de maio de 2006


Que fizeste das palavras?
Que contas darás tu dessas vogais
de um azul tão apaziguado?

E das consoantes, que lhes dirás,
ardendo entre o fulgor
das laranjas e o sol dos cavalos?

Que lhes dirás, quando
te perguntarem pelas minúsculas
sementes que te confiaram?
.
Eugénio de Andrade
.
1

2006-05-13

13 de maio de 2006

A porta de entrada é de correr mas está aberta completamente.
O segurança que também dá informações está mais além a dar informações.

E mais informações.
Dou os bons dias e sigo. As coisas têm que ser tratadas.
Que bom, chega uma colega.
E o segurança sempre vem dar o recado, já nesta sala, pois antes não houve oportunidade.
Agora aproveita e toma o pequeno-almoço na sala.
Saímos e somos rodeadas de pedidos. Vamos respondendo conforme as possibilidades.

Há uma colega que não dá notícias vai para uma semana.
Outra que chega, mas explica que já chegou antes do horário e, entretanto, vai ter que sair.
A manhã complica-se.
Aparece a desaparecida que não disse nada porque não tinha nada para dizer.
As pessoas cruzam-se apressadas mas algo desorientadas.
Pedem ajudas e esclarecimentos.
Quase que confessam a sua própria vida no entretanto.
Depois ficam mais leves e conversam mais animadamente.
Ah, as pessoas... Parecem flores ora presas no chão, ora a esvoaçar na brisa ou a ir embora com o vento.
São bonitas estas flores. Até mudam de côr.
Às tantas formam colunas entrançadas com as cores do
arco-íris.
Forma-se um novo céu.

2006-05-12

12 de maio de 2006

Azáfama nos portões e entradas.
Ambulâncias, carros e pessoas apressadas.
Exames, elevadores, macas, enfermeiros e auxiliares.
Cheiros a comida e barulho de carrinhos e loiças. Quartos, duches.
Enfermarias e outra vez macas e elevadores.
Estão todos verdes. Pronto! É a cirurgia.
Anestesistas e anestesias. Sono. Tanto sono.
Sala nova e enfermeiras preocupadas com os valores das máquinas.

Ena! Tanta máquina.
Uma criança chora. São saudades de casa e dos pais.
A mãe já está lá. Luzes de candeeiros.
Não se consegue mexer um músculo mas as enfermeiras estão satisfeitas.
As máquinas não falham.
Mais luzes, mas estas não são das lâmpadas.
São feixes dirigidos: são luzes azuis. Iluminam só as zonas do corpo que foram tratadas.
Parece que uma estrela está no centro da sala. Não percebo como está ali.
Vai abrir ao centro e o seu brilho encandeia.
Tudo fica iluminado como se fosse meio-dia de sol forte.
Tenho que fechar os olhos.
Que é isto? A sala desapareceu.
Ficou uma pérola branca.
E a luz. Lindo!

2006-05-11

11 de maio de 2006

A imagem do rosto da Virgem é sempre bonita de ver.

A Madona é outra imagem de significado maternal e amoroso.
Imagens e figuras queridas têm mais emoção para quem as vê.
E mais ainda para quem as sente doentes e a precisar de qualquer tratamento.
E vem um certo desânimo pela dificuldade em ser útil.
É nestes momentos que avaliamos o poder da fé e do querer.
Da vontade própria e da sua limitação em termos de realidade.
Porém o conjunto de vontade, fé e esperança é uma tríade de valores muito elevados.
Sempre surge uma nova condição que altera a situação - melhorando-a.
Por vezes é mesmo essa a razão essencial para que a transferência de valores se realize.
E a solução aparece então com mais clareza e visibilidade.
Felizes os que têm fé.
Não sei se arrasa montanhas, mas torna os vales férteis seguramente.
Além do mais, a fé dá também serenidade.
Um dos caminhos para a perfeição.
Fica uma estrela mais azul e a brilhar intensamente.

2006-05-10

10 de maio de 2006

No centro da casa, na penumbra da sua figura em contraluz, esperava.
Esperava, por anos de espera, desencontros, sofrimentos.
Esperava um ajuste de contas, fosse qual fosse. Desde que terminasse o seu desespero.
Raivas, ânsias, remorsos, choros desesperados também.
Mas acima de tudo a vontade de ser feliz.
Acima de tudo a crença em Deus.
Na divindade que todos sentimos a chamar por nós em algum momento da vida.
Que representa a possibilidade de sermos felizes. Por cima de tudo.

Acima de todas as coisas.
Acima do que conhecemos ou não.
Todos sentimos, de algum modo, o direito de ser feliz.
Mesmo que isso implique (e geralmente implica mesmo) uma regeneração completa de, e em nós próprios.
Noutro apartamento uma mulher solitária.
Solitária por dentro. Orgulhosa por fora.
E os filhos, ainda na adolescência, clamavam por paz e amor.
Mas também pela família que eram.
Ela só, ligava todas estas partes.
Fiquem todos na paz divina de Deus.
O passado passou enfim.

2006-05-09

9 de maio de 2006

Dizemos o que não pensamos. Pensamos e não dizemos.
Benditas as crianças que pouco pensam e dizem tudo de uma assentada.
Cabecinha livre de escolher na vida.
Alegria em cada dia. Mesmo que os dias sejam a continuação do drama da véspera.

Dos meses ou anos, dos poucos anos de vida.
Sempre a esperança que tudo mude para melhor.
Que bom conseguir manter-se assim pela vida fora.
É preciso disciplinar não a criança mas a felicidade em nós.
Temos o direito de ser felizes e corrigir os erros, vivendo.
Vivendo, enfrentando os medos e disciplinando.

Corrigindo até.
O modo de vida, a agenda diária, os tempos livres para nós mesmos, a dieta que se come e bebe.
Cantar mais. Respirar melhor, sobretudo no meio das contrariedades.
Lavar-se por fora e por dentro.

Lavar os pensamentos negativos.
Pensar em beatitude.
Em tudo o que possa trazer harmonia e serenidade de vida.

2006-05-08

8 de maio de 2006

A caminho da água caminhavam pela neve.
A imensa neve e aquele céu como não há igual - branco, amarelo, rosa, laranja.
Penachos amarelos a baloiçar conforme a andadura.
Os pequenos cinza esperam, pretensamente quietos.
Está na hora do banho e da comida.
A costa está livre. O sol brilha.

É aproveitar. Vou indo para norte.
Noutro lado, na colina verde, seguida do planalto, está ele observando tudo.
Sacode-se e relincha. Dispara a correr contra o vento.
Às vezes vira-se para ver onde estou.

Não percebo o que quer mostrar.
O céu aqui estava chuvoso mas as nuvens levantaram e o verde da vegetação brilha agora ao sol, que renasceu no azul do céu.
O vento continua a soprar.

Eu continuo, agora para leste.
Lâmpadas fazem-se ver, nas casas, acolhendo as famílias muitas vezes reunidas à mesa da refeição.
Flores voam.

O planeta fica abraçado a elas.
Flores de todas as cores envolvem-no.
Penso e desejo que seja para o libertarem de tanto mau-trato e desleixo.
É um planeta vivo.

2006-05-07

7 de maio de 2006

... ... ... ... ... .... ... ... ... ... ...

Que pensar do boi
que gosta do seu jugo
e julga que o gamo e o alce
da floresta
são coisas perdidas e vagabundas?

Que pensar da velha serpente
que não é capaz de deitar fora a pele,
e qualifica todas as outras
de nuas e despudoradas?

E daquele que chega cedo à boda
e se vai embora farto e cansado
dizendo que todas as festas são pecado
e que todos os convidados
vão contra a lei?

Que direi destes, a não ser
que também eles estão na luz,
mas de costas voltadas ao sol?

Vêem apenas as sombras,
e as suas sombras são as suas leis.

E o que é o sol para eles
senão um criador de sombras?

E que é reconhecer as leis
senão inclinar-se
e traçar as próprias sombras na terra?

Vós que caminhais voltados para o sol,
que imagens reflectidas na terra
são capazes de vos reter?

... ... ... ... ... .... ... ... ... ... ...

Povo de Orphalese:
podeis disfarçar o tambor
e desligar as cordas da lira,
mas quem poderá
proibir de cantar a cotovia?
.
.
Khalil Gibran
.
.

2006-05-06

6 de maio de 2006

À porta, parado a olhar à volta de si. Ali estava o médico.

O homem feito coragem.
Sem pensar e sem sentir até, um acidente de carro multiplicou-lhe ossos por ferros.
A cama e a paralisia. A tristeza e a agonia de uma família inteira.
O chefe de família fora abatido.

O invencível saudável estava prostrado.
Deus existe com mais força nestas alturas.
E o tempo é rei da imensidão das horas.
Na cama para sempre nem pensar.

Só por um ano.
A seguir uma cadeira de rodas. Depois umas canadianas.
Agora mal se nota o coxear e saem livros dos seus tempos inúteis para a medicina.
Muitas dores. Dores insuportáveis doseadas de coragem.
Ou melhor, extravasadas de coragem.

E de castelos de esperança.
Esperança e fé - em si próprio e em Deus. Forças de onde nem ele sabe.
Mas é um homem de lutas.
A família orgulha-se do seu exemplo para contar aos netos.
Amarguras de amizades que soçobraram no caminho infeliz.
Felicidade do além mais e do futuro.

2006-05-05

5 de maio de 2006

Sonhos, pesadelos. Verdadeiros hologramas do passado.
O passado volta a envolver-nos.

Sem piedade. Mas também sem dor.
Pelo perdão e a serenidade de poder resolver os pesadelos.
Pelo direito à alegria. À felicidade do assunto resolvido.
Dizem as sagradas escrituras que se deve resolver o problema ou a zanga/agravo havido antes de avançar.
Tudo indica ser um bom princípio. Talvez os sonhos não se repetissem.
Fantasias, ilusões. Um mundo fantástico.
O cinema resolveu esses argumentos na tela.

Nós temos que os resolver na lucidez da realidade.
No hoje, com o passado enfrentado em pensamento também.
E principalmente aí nesse lado da mente.
Podemos sempre evitar o trágico dos sonhos com a realidade.
O momento presente e o melhor que podemos ser nele - de nós próprios.
E ficar assim na lembrança que fomos o melhor que podíamos ser.
Sempre o melhor de nós para os nossos dias.

2006-05-04

4 de maio de 2006

Praia enevoada. Uma névoa espessa e branca a poucos metros impede a vista.

Apenas os contornos.
Deitada vou sentindo o calor do sol, mesmo assim, e é possível sonhar.
Sonhar e imaginar a praia soalheira e cheia de gente.
O sol aquece agora mais, mas o nevoeiro não se vai embora.
Sem dissipar a névoa, o sol vai sendo mais forte.
As pessoas deixam de jogar à bola para aquecerem. Já se deitam a suar e bem suadas.
E então a praia fica toda branca. As pessoas ficam todas brancas.
E depois desta neblina passar por elas, tornam-se transparentes.
Ficam mais simpáticas e relaxadas.
A harmonia sintonizou a praia inteira na mesma frequência.
Todos parecem mover-se em "câmara lenta" e com um sorriso calmo.
A rampa ilumina-se. Está na altura de sair.
Olho para ver o que deixo.
Fica uma paisagem branca, completamente branca.
E tão linda que está. Que ficam todos.
Até amanhã.

2006-05-03

3 de maio de 2006

Uma rosa, aliás uma rosa ainda em botão, está a esvoaçar por cima do jardim.
Uma tartaruga impaciente bate frenética nas bordas do seu lago.
A rosa em botão abre e fica ainda mais bonita.
A tartaruga não pára e parece querer trepar do lago para a relva do jardim.
Da rosa desprendem-se pérolas e estrelas que se dirigem a toda a envoltura do jardim e para o céu.
A tarataruga continua a fazer ruído. Os pardais secundam-na. Mas este som é melodioso.
A rosa cresce agora e preenche todo o espaço até ao céu.
Tudo à sua volta tem estrelas, onde estavam as pérolas.

O chão está cheio das estrelas primeiras que lá caíram.
A tartaruga quererá a relva, infinito verde ao lado do seu lago?
De uma coluna de luz do sol, a incidir no jardim e no chão, tudo o que ela ilumina ganha novos tons, nova graça, nova beleza.
Parece tudo lavado e fresco.
A tartaruga também.

2006-05-02

2 de maio de 2006

Vou viajar. De avião gosto mais. As distâncias são automaticamente maiores.

Mamã, que fazes aqui? Vieste despedir-te?

Mas tu não podes vir. Eu é que posso despedir-me de ti.
Algo está diferente.
Não quero voltar lá, nem ali sequer.
Tudo o que tenha camas, hospitais ou doenças.
Pois é, prefiro viajar. O problema é que não estou a ver nada.
Então estás aí! Outra vez ou ainda?
Morremos? Ou estamos vivos?
Dói-me a cabeça. Está tudo igual...

Mas já passou muito tempo.
Nos sonhos é tudo tão depressa.
O telefone não toca. Então não é preciso nada.
Sonho ou realidade.
Talvez a realidade do sonho - como dizem os poetas.

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Você é assim
Um sonho p'ra mim...
E a gente mal se cansa
De ser criança.

2006-05-01

1 de maio de 2006

Cheia de sono. Estou cansada e os olhos e o corpo querem descansar.
Mas a luz na paisagem tão negra. Não é forte, é uma luz suave. Como de alvorada. Cintilante entre árvores, rios, lagos. E mais árvores e planícies e montanhas.
Agora está tudo cinza. Um nevoeiro espesso.

Mesmo cerrado, a ponto de não distinguir o solo do céu, as árvores das estradas.
Mas pronto, já estou a chegar.

São estas as montanhas. São estes os vales e as estradas.
O sol vai alto mas ainda a neblina cobre a paisagem.
As flores estão a esticar-se. Não se vêem animais.
As pessoas estão a sair das casas para as ruas.

Falam, vendem, compram. Caminham apressadas.
As crianças parecem ir para a escola.
Do palácio abrem-se as portas e janelas, mas não sai ninguém.
De repente todo ele se ilumina com a tal luz suave.

E vai iluminando tudo e todos.
A alegria e a paz voltam.