21 de maio de 2006
«Chamo-me Óscar, tenho dez anos, peguei fogo ao gato, ao cão, à casa (acho que até grelhei os peixes vermelhos) e é a primeira carta que te mando porque dantes, por causa dos estudos, não tinha tempo.» Podia também ter dito: «Chamam-me Cabeça de Ovo, pareço ter sete anos, vivo no hospital por causa do meu cancro e nunca te dirigi a palavra porque nem sequer acredito que tu existas.»
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Apenas a Vóvó-Rosa não mudou. ... ... ... Deus, não te apresento a Vóvó-Rosa, é uma grande amiga tua, visto que foi ela quem me disse para te escrever.
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- E porque haveria de escrever a Deus?
- Irias sentir-te menos só.
- Menos só com alguém que não existe?
- Faz com que ele exista.
Debruçou-se para mim.
- Cada vez que acreditares nele, existirá um bocadinho mais. Se persistires, existirá completamente. Então, vai fazer-te bem.
- O que é que eu lhe posso escrever?
- Confia-lhe os teus pensamentos. Os pensamentos que não dizes são pensamentos que pesam, que se incrustam, que são um fardo, que te imobilizam, que tiram o lugar às ideias novas e que te apodrecem. Vais transformar-te numa lixeira de velhos pensamentos malcheirosos, se não falares.
- O.K.
- E depois, a Deus, podes pedir-lhe uma coisa por dia. Atenção! Só uma.
- Não vale nada, o seu Deus, Vóvó-Rosa. O Aladino tinha direito a três desejos com o génio da lâmpada.
- Um desejo por dia é melhor que três durante uma vida, ou não?
- O.K. Então posso pedir-lhe tudo? Brinquedos, bombons, um carro...
- Não, Óscar. Deus não é o Pai Natal. Só podes pedir coisas do espírito.
- Por exemplo?
- Por exemplo: coragem, paciência, esclarecimentos.
- O.K. Estou a ver.
- E também podes, Óscar, sugerir-lhe favores para os outros.
- Um desejo por dia, Vóvó-Rosa, vou lá desperdiçá-lo, primeiro vou guardá-lo para mim!
E pronto. Então, Deus, nesta primeira carta, mostrei-te um pouco o género de vida que tenho aqui, no hospital, onde agora me olham como um obstáculo à medicina, e gostaria de te pedir um esclarecimento: vou curar-me? Respondes sim ou não. Não é lá muito complicado. Sim ou não. riscas o que não interessa.
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