Escritos de Eva

Aqui Eva escreve o que sonha e - talvez - não só. Não tem interesses de qualquer tipo nem alinhamento com sociologias, política, religião ou crenças conformes às instituições que conhecemos. Estes escritos podem servir de receita para momentos de leveza, felicidade ou inspiração para melhorar cada dia com bons pensamentos. Alguns poemas ou textos... Algumas imagens ou fotos... Mulheres e homens, crianças e idosos podem ler Eva e comentar dando a sua opinião.

2007-06-30

Confusões

30 de junho de 2007

Ela estava aflita, sentia-se seca por dentro. Como explicar?
Não sabia, era como se fosse só osso e pele (ou pele e osso).
Tinha enfraquecido até parecer o que se chama um “palito”.
Até os ossos da face pareciam ter recuado ou estreitado.
Enfim, estava irreconhecível!
Pois ia, ia ali porque diziam maravilhas dos tratamentos e das curas naquele consultório.
Sim, sim, já sabia que a cada dia e conforme as horas, eram médicos diferentes.
Pois sim, também já sabia que tinha que esperar por vaga.
Ah, havia uma médica nova…
Sim, podia ser, até porque para ela eram todos novos.
E não era naquele consultório...? Ah, era …? Está bem!
Tudo marcado, no dia e hora previstos ela lá foi com a mãe.
Sim, sim, vai sempre com a mãe. Agora são só as duas.
O pai e os irmãos já faleceram. Pois, é isso... são só as duas.
Está magra, magríssima.
- Não é das que vomitava?
- Não, não come mesmo. Não consegue comer!
- Se está a ver a luz? Com franqueza… não!
- E agora? Agora já! Mas, também, podia ter dito que era essa luz!
- A luz dentro dela! Essa era a mais importante, não era?
- Era e é!

2007-06-29

Flores

29 de junho de 2007

Um terreno plano, enorme, com arbustos e árvores frondosas espalhadas, com bastante espaço entre elas.
Vão chegando pessoas de todo o lado, de todas as direcções.
Trajam de modo diferente e vêm em grandes grupos ou, pelo contrário, em jeito de representação.
Agora que se vêm melhor, já se percebe que são povos de várias raças e locais.
Os de mais longe são os que enviaram três ou quatro pessoas em representação do seu povo.
Os grupos grandes têm velhos, jovens e até bebés.
As roupas também são muito diferentes pois tanto trajam como se habitassem terras frias de neve, como trajam roupas leves de Verão.
Mas todos trazem as mesmas coisas nas mãos, de braçado – flores!
Flores que nunca vi, não reconheço a sua existência.
São lindas, fantásticas! Umas parecem botões de fechadas que são; outras têm pétalas tão suaves que nem se conseguem tocar ao de leve porque a simples aproximação das mãos dá ideia de as poder desfazer. Estas são quase transparentes.
Há-as de todas as cores e tamanhos, de pétalas e caules variados.
Umas formam bouquets, outras ramos altos.
Todas são oferecidas por essas pessoas às partículas de luz que descem do céu e que se ilumina ainda mais.
O céu agora fica colorido e cheio de flores que voam e rodam a várias velocidades e em diferentes direcções.
Parece um concerto de Primavera, cheio de luzes e flores.
Um véu lindíssimo de luz e cor, bordado com flores delicadíssimas.
Está tudo no céu, por cima de todos.
E é maravilhoso!

2007-06-28

Segredos

28 de junho de 2007

Nuvens prateadas, brancas, rosas, alaranjadas, de tantas tonalidades…
Apetece sair e caminhar sobre elas. Parecem enormes flocos de algodão.
Acho que gostaria de ficar aqui mais tempo! Um pouco mais!
Aqui é tudo tão calmo, tão leve, nem um sussurro, nem uma brisa. Acho que se chama quietude!
Gosto disto, gosto! Posso sentar-me aqui? Obrigada!
É incrível a limpeza imaculada. O branco e o brilho que as coisas têm.

Dá ideia que ninguém as toca ou que, sequer, passa por elas.
- E não há aí pessoas, ao pé de ti?
- Bem, acho que são pessoas… é que passam por mim a voar e a sorrir, mas o seu brilho é tanto que apenas consigo perceber, mais do que ver a figura.
Movem-se de modo muito airoso e elegante, mesmo quando poisam no chão.
- Serão uma espécie de pássaros? Como o homem-pássaro da banda desenhada…
- Ah, muito, mas muito mais bonitos! E são muito mais leves e sem penas!
- Serão anjos, como os dos postais?
- Se são, estes são muitos! Mas são mais parecidos com esses, sim!
- E depois, que faziam eles?
- Só sei de uma, não sei dos outros!
- De uma?
- Sim, de uma, porque vi figuras femininas e masculinas!
- E então?
- Ah... pois! Era muito bonita, alta e de cabelos assim quase até à cintura e dizia - sim, isso eu ouvi bem - dizia que eram horas de dormires.
- Oh, já sabia…
- Não fiques triste (queres saber um segredo?), ainda brilhava mais ao dizer isso!

2007-06-27

A estrada

27 de junho de 2007

Um homem está numa estrada de terra batida mas com um resto de alcatrão, o suficiente para não ser muito poeirenta.
Ele vai andando devagar e caindo.
Cada vez que cai é de joelhos e demora mais a levantar-se.
Olhando em volta, mais uma vez no chão, ele parece confirmar que está completamente só.
A paisagem não existe. É terra arenosa, sem árvores, sem nada!
A estrada também continua deserta.
Deserta de tudo, de animais, de aves, de plantas. De tudo, menos dele!
Porque ele existe e está ali, apesar de não se lembrar porquê.
O céu está muito enevoado embora raios de sol bem brilhantes passem, de vez em quando, pelos intervalos das nuvens cinzentas.
Ele continua a olhar em volta porque tem a sensação de estar alguém ao seu lado.
Às vezes, alguém um pouco atrás, outras vezes um pouco à frente.
Mas não vê ninguém e, no entanto, iria jurar que alguém está ao seu lado, como se estivesse, até, a rezar por ele.
À falta de melhor, segue lenta, lentamente e sempre em frente.
Às tantas é ele mesmo que reza por si próprio, a Deus, como a sua mãe lhe tinha ensinado em pequenino.
Ainda se lembra! E quando fica novamente de joelhos, demora um pouco mais para pedir forças a Deus.
Era assim que ela lhe dizia para fazer – Se não sabes o que queres ou o que fazer, pede forças e coragem a Deus. Que Deus dá. Não podes é duvidar e tens que saber esperar!
Era o que a mãe lhe dizia sempre que o via na maior tristeza e sem querer falar.
E de repente, no meio da estrada e do campo, apareceram, lindas como sempre, as duas pessoas que ele mais amava!
Mas… elas não tinham morrido?

2007-06-26

O passado e o anteontem

26 de junho de 2007

O esquecimento de si próprio acontece muitas vezes com doenças, com muitos dos AVC’s (acidente vascular cerebral), etc.
E as pessoas, nesse estado, geralmente não sabem quem são nem o que fazem, nem sequer se estão a fazer algo.
Mas sabem, ou melhor, sentem, que conhecem algumas pessoas que os visitam, em que grau é esse parentesco e percebem o agradável e o desagradável.
Por isso, também geralmente distinguem os filhos dos que o não são, e os maridos e esposas, mães, irmãs, dos outros desconhecidos.
É um alhear de tudo o que os rodeia, mas sabem fazer coisas por instinto.
Esse instinto fica como ficam os reflexos, ficam mais lentos mas continuam.
É um esquecimento, afinal, de tudo o que se lutou e conseguiu na vida.
À medida que conseguem recuperar não voltam, contudo, a ser como eram.
Parece que foram fazer um estágio noutro mundo, activando outra região da mente que até aí não usavam.
E deixam esquecido o passado e o presente, recomeçando, por assim dizer, uma nova vida na mesma vida que tinham.
Alguns chamam-lhe a segunda oportunidade, à semelhança dos que passaram pelo estado de coma profundo.
Hoje, neste dia meio sol meio sombra, também é dia para uma segunda oportunidade de melhor viver a vida que cada um tem.
Entre o passado e o anteontem, todos podemos começar a viver connosco como gostaríamos, sem ser necessário AVC’s ou comas.
Simplesmente nós, verdadeira e corajosamente! Nós connosco!

2007-06-25

O sofrimento

25 de junho de 2007

Latidos, ganidos lancinantes. Os cães das casas e quintas perto, ladram de seguida sem parar, andando meia à toa, de um lado para o outro.
Um enorme desassossego, de tal ordem que as pessoas vêm à porta ou aos portões.
Todos perguntam o que foi e os ganidos de dor continuam.
Deduzem que um cão deve ter sido atropelado pois não pára de ganir.
Só que ninguém o vê, só se ouve, e bem!
Onde estará o pobre bichinho? E saem velhos e novos pelos caminhos, à procura, atrás dos sons que se fazem ouvir.
Mas ao barulho das pessoas os latidos calam-se.
Trazem então outros cães, os seus, que andam às voltas e se encontram e brincam uns com os outros, mas não apontam nenhum sítio.
Finalmente alguém o vê! Um vulto a tremer, a tremer, lá bem ao fundo duma garagem, por baixo de um carro.
Tentam tirá-lo mas não conseguem. Ele arrasta-se, escorredio, e não conseguem puxá-lo.
Deixam-no estar, então.
E assim decorrem horas com ganidos desesperados, tornando-se cada vez mais espaçados e abafados.
Custa perceber o sofrimento e não poder fazer nada.
Nas notícias, constantemente, vêem-se e ouvem-se relatos de guerras entre facções rivais e mortes e mais mortes.
- Custa perceber o sofrimento… e às vezes só conseguimos, ou só podemos, entregar o nosso amor ao céu para uma nuvem o levar e aliviar o que sofre. Sarar é mais difícil. Aliviar assim qualquer um pode, porque está ao alcance de todos os que quiserem.
- Olha... o céu ficou cor-de-rosa!

2007-06-24

Aquilino Ribeiro # Humildade Gloriosa

24 de junho de 2007

Com a enfermidade, que o balouçou entre a vida e a morte, adquiriu o hábito do solilóquio. … … Na febre, em que ardera noite e dia, deitara vozes ao vento. … … Declamando, murmurando, rindo e chorando, por todos os meios da expressão oral se lhe assoalhou a alma. Talvez fosse aquela – reflectia agora – uma forma de transpiração espiritual que, aliviando-o da febre, o livrou da morte.
Frei António contraíra pois a doce mania, e todos as oportunidades lhe eram pretexto para exercê-la. … … Falava consigo, com Deus, com as criaturas. … …
Naquela manhã de sol, ainda combalido, mas gozoso de se ver quase refeito, tão gozoso que temeu incorrer no desagrado do Senhor, ia dizendo:
- Ainda a doença é uma bondade de Deus, Filipe. No nosso ser acordam as pequeninas almas a que se não presta atenção quando se está de boa animalidade. Podia eu lá alguma vez julgar que até no voo das gaivotas está desenhado o hieróglifo da Divina Graça!? Ao enfermo, porque não tem que fazer, sobra-lhe tempo para dar volta à casa. A casa interior, bem entendido. Que coisas, mal arrumadas umas, imprevistas outras, que cocas e teias de aranha pelas paredes, se não descobrem!? O homem sadio é o que menos se conhece, pois nunca se deu ao trabalho de olhar para dentro de si. O nosso seio, irmão, é uma cisterna lôbrega e só depois de se acostumar a vista à penumbra, se arregalarem bem os olhos, é que se consegue enxergar alguma coisa. O que eu fui encontrar nos meus subterrâneos! Ah, mas que rico dia! Isto é o céu ou lona pintada? Um azul assim, combinado com o azul do mar, lava os olhos e a alma de toda a escuridão.
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in “Humildade Gloriosa”
de Aquilino Ribeiro
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2007-06-23

A felicidade de si

23 de junho de 2007

Um miúdo, já rapazote, de boné, tshirt, luva de baseball e, claro, a bola de baseball a bater na dita luva enquanto caminha ao longo da estrada.
Sempre me encantou o fascínio que os rapazes têm por uma bola, seja para que jogo seja, mesmo um simples jogo de praia ou de rua.
Isto já deve vir com os bebés. Uns calções, uma bola e o bebé-menino está feliz.
As meninas-bebés, e as mais crescidas, já não é bem assim. São outras comodidades, outros brinquedos.
Se alguém tem dúvidas é só olhar para as secções de brinquedos e contar as prateleiras para meninos e para meninas.
São hábitos diferentes, educações diferentes e, sem dúvida, culturas diferentes.
Depois os hábitos evoluem com os jovens para a sua fase adulta e, em consequência, vão influenciar a sua própria célula familiar quando chegar a altura.
A sensação de felicidade é para ser sempre procurada vida fora, a fazer-se sentir nas coisas mais simples.
No saborear da comida quando se tem fome, na satisfação dum simples beber de água quando se tem sede. No agasalhar quando o corpo tem frio. No querer o aconchego de um abrigo – o lar.
Aconchego de pensamentos bons e carinhosos que parecem alargar o tamanho do coração, da paz interior.
Coração, mente e paz são a felicidade-tríade de cada um. Sempre foi e assim parece que continuará a ser.
A felicidade é tão simples quanto preciosa.
Ninguém a deveria perder ou perder-se dela – em si!

2007-06-22

Comemorações

22 de junho de 2007

- Sabes o que estive a pensar?
- Não faço ideia mas, pela tua cara, parece coisa boa…
- Por acaso, acho que é! Sabes estes dias comemorativos disto e daquilo? Ainda agora, por exemplo, foram os santos populares, o Sto. António, o S. Pedro e o S. João.
- E depois?
- Estive a pensar! E se nós fizéssemos o mesmo particularmente?
- Hum… não percebo!
- Pensei assim: e se dedicássemos cada dia a uma causa? Por exemplo, hoje, 6ª feira, dedicava-o à paz entre os povos; amanhã, ou seja, aos Sábados, ao perdão de quem se sente ofendido e de quem ofendeu; aos Domingos, pela instrução de todos; às Segundas, pelo amor fraterno entre todos; às Terças pela protecção aos trabalhadores e no trabalho; às Quartas, pela saúde e alívio dos doentes; às Quintas, pela tolerância e sabedoria entre todos e das diferentes raças!
- Fartaste-te de pensar, não? E como farias, ou faríamos isso? Sim, porque já percebi que essa receita era para todos!
- Qual! Só para quem gostasse da ideia e sem qualquer responsabilidade a não ser para si próprio.
- Está bem! Mas, e como é que isso se faria?
- Não te acontece, às vezes, estares a comer algo de que gostas e lembrares-te dos que passam fome? Então, em qualquer altura em que houvesse lembrança, era dedicar um minuto de pensamento pela melhoria da intenção daquele dia!
- Vamos a ver, hoje… era o dia de… ?
- Da paz!
- Da paz! Então, olhava ali para aquela fonte, por exemplo, lembrava-me que era 6ª feira ou que era o meu dia dedicado à paz e pensava nos povos em guerra e desejava pela paz entre eles durante uns momentos, em silêncio, era isso?
- Pois! Isso ou algo que te parecesse apropriado!
- Bom, tenho de admitir que dá uma certa sensação de fraternidade a nível mundial, e um minuto por dia não custa nada, lá isso… e além de ser pessoal, é reconfortante, e inócuo!

2007-06-21

Jardim à beira-mar

21 de junho de 2007

Nestes dias tristonhos de quase, quase Verão há uma vontade crescente de sol e céu azul.
Mas isto não é nada comparado com os países que começam a época de Verão com as cheias e as monções que arrastam casas e pessoas, deixando lama e desolação por onde passam.
E como isto é característico do clima, todos os anos as populações passam pelo mesmo.
Posto isto, estes dias de chuva e de temperaturas incertas não são nada mais que “menos bons”.
Também é verdade que chamam outra vez pelas meias e pelos casacos de malha e a praia fica outra vez adiada.
Mas, por outro lado, não se morre disto, nem sequer se adoece por tal.
Este país é que nos habituou aos versos do “jardim à beira-mar plantado”.
E continuamos a ter relva, flores e a ter o mar à nossa beira (ou nós à beira do mar).
Sem exageros nem devaneios, vamos andando em ritmo calmo.
- Romântico! Este é um país onde tudo é romântico. Da arte à política, da literatura à saúde, do clima à arquitectura urbanística…
- Romântico?
- Românticos, nós todos! E tudo à nossa volta!
- Sabes que mais? Até sou capaz de concordar! E por isso, um dia destes, vamos mas é à praia, que já está a tardar!

2007-06-20

Obsessão

20 de junho de 2007

- Hoje é dia de fazer bolo.
- Pois é, vinha mesmo a pensar nisso e até já cheira!
- Já cheira?
- Já, pois! Por toda a casa!
- Isso é impossível! Ainda nem sequer o comecei a fazer!
- Impossível, digo eu! Não sentes o cheiro de bolo quente? Até já me imaginei a lanchá-lo com chocolate quente.
- Livra, isso é que é imaginação! Mas já agora vem ajudar e pode ser que do sonho passes à realidade.
- Mas então como é que eu tenho esta ideia e o cheiro?
- É uma questão de obsessão! Tanto pensaste que te pareceu real!
- Obsessão? Não achas que estás a exagerar? Isso é um bocado forte!
- Esse é um problema mais comum do que julgas, porque acontece à maioria das pessoas. Sem se aperceberem podem sofrer de ideias fixas - ou monoideísmo - a ponto de as tornarem realidade e viverem para elas, sem se aperceberem que são ilusões mentais. Quantas vezes olhamos para pessoas conhecidas, até familiares ou vizinhos, que vemos todos os dias e, de repente, não os queremos ver porque achamos deles isto e aquilo… que não é verdade. É pura imaginação mas fixada constantemente, a ponto de nos fazer acreditar que é realidade.
- Bom, pelo menos desta vez, é por uma boa causa! O bolo há-de chegar ao forno! Não tarda, ainda o junto ao tal chocolate!
- Parece é que se junta também ao jantar!
- Paciência! Desta vez, pelo menos, a consequência é positiva!

2007-06-19

O trabalho e a ocupação

19 de junho de 2007

- Estou à procura de trabalho e depois de muitas tentativas, não encontrei nada. É certo que também não encontrei porque quis escolher.
Isto é, imaginei como seria trabalhar em cada actividade que surgiu e não gostei duma por uma razão, doutra por outra razão, sei lá… todas tinham qualquer coisa que não me agradava.
Não, nem era pela função ou pelo dinheiro – apesar de serem importantes para mim.
Era mais pelo horário. Não tenho capacidade física para tantas horas seguidas.
E se o trabalho não rende, então ainda cansa mais.
Depois era o local: ou apertado, ou longe e sem transportes, ou sem convívio, ou com gente a mais.
Mas devo dizer que o mais desagradável ainda era o tipo de contrato, ou melhor, a não existência de contrato.
Mas sempre com descontos retidos ao mês, mais os que eu poderia ter que fazer para assistência de saúde, etc…
Não percebi bem aquelas finanças - confesso.
Em números redondos, ganha-se efectivamente, e apenas, um pouco mais de metade do que o ordenado que dizem que pagam.
Ou seja, dá para ir e vir, mas nem dá para comer.
E depois, na televisão, ouvimos ordenados com números que nem parecem reais, pois atingem os preços de alguns apartamentos.
- Pois é. Eu percebo-te! E percebo que mais que trabalho, procuras é uma ocupação agradável e de bom rendimento. Porque, sabes... o trabalho é mesmo trabalho!

2007-06-18

Humildade e progresso

18 de junho de 2007

Observando, de mesa para mesa, um grupo de amigos e outro grupo de amigos.

E ambos os grupos se conhecem.
Entre os do segundo grupo está um elemento que é claramente mais educado e parece ser também mais perspicaz (ou talvez se possa dizer inteligente) – ou porque o é de natureza ou porque a vida o ajudou a progredir.
E as observações são de comparação entre os elementos desse grupo, mais ou menos equilibrado em honestidade e gosto de partilha simples dos saberes e experiências de cada um.
O tal rapaz, algo diferente, é o mais calado. Não partilha as suas opiniões, apenas faz sala e harmoniza a conversa no sentido social, mais do que pessoal.
Os do primeiro grupo continuam a observar e a comentar, aquele ou está armado em superior ou é mais tímido.
Aqui as opiniões dividem-se com alguma discussão.
Um deles alega que se "o gajo" quisesse mostrar-se superior, não se vestia de modo tão simples nem seria tão delicado.
Outro argumenta que era alguém sempre sentido, e até ofendido, com os demais, na medida em que tudo o melindrava constantemente. Nem sequer entendia uma brincadeira.
Outro, até aí bem calado, começa também a opinar. Para ele, o dito cujo era tímido mas também arrogante e daí o melindre constante; claramente, percebia as coisas melhor que os outros, o seu problema era tentar partilhar porque acontecia sempre uma de duas coisas: a mais vulgar era não o entenderem nem lhe darem atenção pois nem o percebiam. E os mais convencidos não abriam, assim, mão das suas convicções. A outra situação era ele ficar-se bem calado e sentir-se completamente incompreendido.
Por uma ou outra razão sentia-se, no ar, uma solidão bem solitária, que só a humildade (diferente de submissão) resolverá.

2007-06-17

José Mauro de Vasconcelos # O Meu Pé de Laranja Lima

17 de junho de 2007

Ninguém tinha levado uma flor sequer para minha professora D. Cecília Paim. Devia ser porque ela era feia. Se ela não tivesse uma pintinha no olho, não era tão feia. Mas era a única que dava um tostão pra mim para comprar sonho recheado no doceiro de vez em quando, quando chegava o recreio.
Comecei a reparar nas outras aulas e todos os copos sobre a mesa tinham flores. Só o copo da minha continuava vazio.
… … Uma manhã apareci com uma flor para minha professora. Ela ficou muito emocionada e disse que eu era um cavalheiro. … …
E todos os dias fui tomando gosto pelas aulas e me aplicando cada vez mais. Nunca viera uma queixa contra mim de lá. … …
A escola. A flor. A flor. A escola…
Tudo ia muito bem quando Godofredo entrou na minha aula. Pediu licença e foi falar com D. Cecília Paim. Só sei que ele apontou a flor no copo. Depois saiu. Ela olhou para mim com tristeza.
Quando terminou a aula, me chamou.
- Quero falar uma coisa com você, Zezé. Espere um pouco.
Ficou arrumando a bolsa que não acabava mais. Se via que não estava com vontade nenhuma de me falar e procurava coragem entre as coisas. Afinal se decidiu.
- Godofredo me contou uma coisa muito feia de você, Zezé. É verdade?
Balancei a cabeça, afirmativamente.
- Da flor? É, sim senhora.
- Como é que você faz?
- Levanto mais cedo e passo no jardim da casa do Serginho. Quando o portão está só encostado, eu entro depressa e roubo uma flor. Mas lá tem tanta que nem faz falta.
- Sim, mas isso não é direito. Você não deve fazer mais isso. Isso não é um roubo, mas já é um “furtinho”.
- Não é não, D. Cecília. O mundo não é de Deus? Tudo que tem no mundo não é de Deus? Então as flores são de Deus também…
Ela ficou espantada com a minha lógica.
- Só assim que eu podia, professora. Lá em casa não tem jardim. Flor custa dinheiro… E eu não queria que a mesa da senhora ficasse sempre de copo vazio.
Ela engoliu em seco.
- De vez em quando a senhora não me dá dinheiro para comprar um sonho recheado, não dá?
- Poderia lhe dar todos os dias. Mas você some…
- Eu não podia aceitar todos os dias…
- Por quê?
- Porque tem outros meninos pobres que também não trazem merenda.
Ela tirou o lenço da bolsa e passou disfarçadamente nos olhos.
- A senhora não vê a Corujinha?
- Quem é a Corujinha?
- Aquela pretinha do meu tamanho que a mãe enrola o cabelo dela em coquinhos e amarra com cordão.
- Sei. A Dorotília.
- É, sim, senhora. A Dorotília é mais pobre do que eu. E as outras meninas não gostam de brincar com ela porque é pretinha e pobre de mais. Então ela fica no canto sempre. Eu divido o sonho que a senhora me dá, com ela.
Dessa vez ela ficou com o lenço parado no nariz muito tempo.
- A senhora de vez em quando, em vez de dar para mim, podia dar para ela. A mãe dela lava roupa e tem onze filhos. Todos pequenos ainda. Dindinha, minha avó, todo sábado dá um pouco de feijão e de arroz para ajudar eles. E eu divido o meu sonho porque Mamãe ensinou que a gente deve dividir a pobreza da gente com quem é ainda mais pobre.
As lágrimas estavam descendo.
- Eu não queria fazer a senhora chorar. Eu prometo que não roubo mais flores e vou ser cada vez mais um aluno aplicado.
- Não é isso, Zezé. Venha cá.
Pegou as minhas mãos entre as dela.
- Você vai prometer uma coisa, porque você tem um coração maravilhoso, Zezé.
- Eu prometo, mas não quero enganar a senhora. Eu não tenho um coração maravilhoso. A senhora diz isso porque não me conhece em casa.
- Não tem importância. Pra mim você tem. De agora em diante não quero que você me traga mais flores. Só se você ganhar alguma. Você promete?
- Prometo, sim senhora. E o copo? Vai ficar sempre vazio?
- Nunca esse copo vai ficar vazio. Quando eu olhar para ele vou sempre enxergar a flor mais linda do mundo. E vou pensar: quem me deu esta flor foi o meu melhor aluno. Está bem?
Agora ela ria. Soltou minhas mãos e falou com doçura.
- Agora pode ir, … ...

.
in “O Meu Pé de Laranja Lima”
de José Mauro de Vasconcelos
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2007-06-16

Os exames da vida

16 de junho de 2007

Um homem de meia idade, está a escrever há um bom par de horas naquela mesa pequenina, acolá, junto da parede.

Escreve sem parar, nem levanta a cabeça do papel.
Finalmente parece querer arrumar as coisas e sair.
Pois é verdade que se levanta, mas entretanto desequilibra-se bastante até encontrar a bengala e conseguir apoiar-se nela, mais a bolsa com as suas coisas. Segundo consta, teve um acidente e esteve entre a vida e a morte.
Deve ter-lhe sobrado o susto porque a partir daí, ele, que era conhecido por ser estarola, passou a aproveitar todas as horas do dia de modo bem cuidadoso.
Às vezes só um estremeção nos faz ver a coisa mais simples e valiosa que temos: a vida.
A vida que tomamos como certa, a saúde que parece estar colada ao mesmo significado.
Depois deixamo-nos deslizar, mais por inércia, pelos dias que se sucedem rotineiramente.
Quem será capaz de acordar e, ao olhar para o céu de cada novo dia, pensar que está ali mais uma esperança, mais uma oportunidade de viver a vida que devemos viver?
As vidas têm problemas como exames, para solucionar e para seguir a preparação de mais outro, e outro, e assim por diante.
Se agirmos com bondade e sabedoria chegamos ao fim com boa nota.
Senão, o fim pode demorar mais uma vida de espera.
Quando assim seja, que pelo menos a espera não se perca da esperança.

2007-06-15

A liberdade conseguida

15 de junho de 2007

Uma cidade no meio do areal!
Sabem o que é um areal infinito?
Pois é aí mesmo! No que se costuma chamar «deserto».
No meio do bege erguem-se muros altos e imponentes e, lá dentro, floresce uma cidade inteirinha.
Toda branca, brilhante e impecavelmente branca.
Não há branco comparável àquele.
A luz do sol a bater nas paredes, ou nos muros, encandeia quem olha directamente.
Difícil explicar! O que é explicável é que a cidade está sem qualquer movimento, vazia nas ruas e nas praças.
Parece que tinha havido um crime horrendo, a sangue frio, e todos se recolheram em casa, fechados, sem deixar entrar luz em sinal de tristeza e amargura.
Tinham morto uma mulher, aparentemente querida de todos, ou melhor, de quase todos, porque os que a mataram foi pelo poder, não foi por amor.
Deixou dois filhos, uma menina criança e um menino bebé de mais ou menos dois anos.
A pequenina fez da coragem o seu estandarte.
O bebé, conforme cresceu, foi aumentando o seu ódio pelos assassinos e foi o herdeiro da mãe.
Os dois filhos ergueram-se em solidão interior.
Mas hoje a cidade, outra vez de aparência vazia, está no seu tempo de perdão.
No tempo justo de passar pelo arco do fim das culpas e do esquecimento.
A luz que brilha é a da nova oportunidade, de novos tempos felizes.
É conhecida como a luz da liberdade conseguida.

2007-06-14

A luta e as lágrimas

14 de junho de 2007

Isto é preocupante! A todo o lado que eu vá está alguém doente de modo mais ou menos grave, mais ou menos crónico ou passageiro, do pé à cabeça (como diz uma canção).
Mesmo que me sinta mal perante tanta desgraça, vem sempre à baila o famoso comentário de “antes assim que pior”.
A última foi de uma amiga que durante a noite, quase cegou de um olho e agora só vê em imagem “névoa”.
Os médicos chamaram-lhe um AVO (acidente vascular ocular).
E pronto! Talvez melhore ou talvez não, talvez repita ou talvez não. Tudo hipóteses e, no resto, sobra a esperança.
O emprego dela, pois… está de baixa e logo se verá.
Uma vida de concursos, 50 anos, poderia chegar ao topo da carreira mas agora já não.
Tanta canseira e nervos para nada.
Mas ela está aí a lutar, como sabe, pelos novos dias do seu futuro: agora é já o amanhã, tão próximo.
Ou seja, faz exercícios de concentração para a memória e para disciplinar a sua mente.
Porquê? Porque só pensava em disparates e soluções que não o são, como o suicídio, etc., etc.
Agora lá está ela outra vez em forma, a direccionar os pensamentos para a sua realidade e de como encarar e renovar as suas rotinas e a vida familiar.
Quando se vê aflita, diz e repete uma frase que ela mesma formulou para se manter equilibrada até se reconhecer nessa frase e ultrapassando a desilusão e o choro.
Já enxugou as lágrimas, já consegue rir e conviver.
E, na sua mente, ela vê coisas que nunca sonhou que existissem, porque nunca deu conta de tanta beleza.
Efectivamente, não são apenas os olhos que vêem.

2007-06-13

Física quântica

13 de junho de 2007

Física quântica, ou mecânica quântica, é o estudo das coisas pequeninas, diz o orador.
Perante o olhar espantado de algumas das pessoas presentes, ele mostra em imagem, num ecrã, o aspecto do núcleo e do átomo.
De imagem em imagem vai explicando que a verdadeira cor é a branca que, repetindo-se em ondas e vibrações a diferentes frequências, dá todas as cores e tonalidades que estamos habituados a ver.
Interrompendo as imagens, toca nos objectos à sua volta e demonstra que todos eles existem em três dimensões, que o nosso olho capta tudo a três dimensões.
Mas diz que há uma dimensão, e duas, e quatro, e mais o que se quiser imaginar mas que isto é muito difícil de comprovar cientificamente.
E refere também que tudo está em movimento em nosso redor, assim como nós, razão pela qual não nos apercebemos do dito movimento.
E volta a mostrar novas imagens, agora de ondas magnéticas e de oscilações em altura e largura.
E dá exemplos das ondas de rádio e das frequências.
A par disto tudo, vai comparando o ser humano e o seu pensamento.
- Pois é, meus amigos, nós somos o que pensamos e o que criamos com os nossos pensamentos. Os sofrimentos são fruto de acções passadas e, como tal, é preciso reagir em amor e bondade para os resolver, senão continuam. E exorto-vos a pensarem o melhor possível de vós mesmos e de todos os que encontram, todos os dias, no vosso caminho porque o que vai, regressa, e o que vem, volta à origem. E então podereis ser felizes em vós mesmos.

- !?! Acho que tenho de ir estudar física quântica!

2007-06-12

Catilinária

12 de junho de 2007

- Perdidos e achados era o nome dado às secções onde se acumulavam objectos perdidos nos transportes, nas ruas e jardins, nos cinemas, etc., etc. Nos sítios como cafés e restaurantes era logo ao balcão que se perguntava.

- E então, qual é a novidade?
- A novidade é que hoje são mais as crianças que os objectos!
- Quê?

- Estamos no 3º milénio! E depois? Ainda são os mais fracos que ajudam a encher os bolsos de alguns. Como é que se põem bombas em locais e a horas de passagem de milhares de pessoas – o povo – para os locais de trabalho? E ainda continuam a existir pessoas que morrem de exaustão, porque trabalham sem parar, para conseguir ganhar o mínimo dos mínimos para a família! E ainda há crianças amarradas, para não deixarem de trabalhar para outros, como autómatos!
Agora, neste jardim onde estamos, e olhando para essa árvore cheia de folhas e de pássaros com ninhos, aves de estrutura tão simples mas vigilantes pelas crias e tão cuidadosos pelos semelhantes contra os predadores - predadores naturais mas de outras espécies... ...

- Pois! Se queres que te diga, nem eu sei muito bem o que é que estiveste para aí a dizer! Não queres repetir a ver se eu entendo?
- Não! Não me saem mais palavras!

2007-06-11

Perdidos no nevoeiro

11 de junho de 2007

- Perdidos no nevoeiro! Não se vê nada e já não sabemos dos outros.
- Lembram-se daqueles versos «caminhante, não há caminho. O caminho faz-se ao andar»? Pois é o que este nevoeiro me lembra. Já nem sei há quanto tempo aqui andamos! Aliás, nem sei onde é o aqui! Seguimos o que nos parece ser “sempre em frente” e logo se verá...
- Ali! Ao longe! Parece haver alguma claridade. Vamos!
- Vamos, pois! Temos que ter sempre esperança. Há sempre possibilidades de melhorar!
- Resta saber quando…
- Se nos falta a esperança, nem damos pelo quando…
- Olhem que está mesmo outra luz por trás daquela árvore grande!
- Nem dá para acreditar! É um vale! E a poucos metros! E parece banhado de sol!
- Parece e está! É verdade que o sol já se está a pôr mas amanhã virá um novo dia, de novo o sol, e poderemos seguir viagem! Agora até se vê onde pomos os pés! E o céu tem um rosa digno de uma fotografia, para o lembrarmos sempre assim. Agora é rosa e alaranjado, e continua belo! Parece um oásis no meio dos nossos dias. Deixem-me ficar aqui uns minutos para me recordar da cor da esperança que este céu me dá!
- Olha, está ali o outro grupo! Parecem tão felizes quanto nós.

2007-06-10

Fernando Pessoa # Mensagem (excertos) e Profecia

................PRIMEIRA PARTE

........................BRASÃO

.........................Sexto
.......................D. Dinis
.

Na noite escreve um seu Cantar de Amigo
O plantador de naus a haver,
E ouve um silêncio múrmuro consigo:
É o rumor dos pinhais que, como um trigo
De Império, ondulam sem se poder ver.

Arroio, esse cantar, jovem e puro,
Busca o oceano por achar;
E a fala dos pinhais, marulho obscuro,
É o som presente desse mar futuro,
É a voz da terra ansiando pelo mar.
.

................SEGUNDA PARTE

................MAR PORTUGUÊS

.............................I
......................O Infante
.
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,

E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.

Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!


..........................X
..............Mar Português


Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
.
.
.........................XII
.......................Prece

Senhor, a noite veio e a alma é vil.
Tanta foi a tormenta e a vontade!
Restam-nos hoje, no silêncio hostil,
O mar universal e a saudade.

Mas a chama, que a vida em nós criou,
Se ainda há vida ainda não é finda.
O frio morto em cinzas a ocultou:
A mão do vento pode erguê-la ainda.

Dá o sopro, a aragem – ou desgraça ou ânsia -,
Com que a chama do esforço se remoça,
E outra vez conquistaremos a Distância –
Do mar ou outra, mas que seja nossa!
.

In “Mensagem”
de Fernando Pessoa


PROFECIA

E a nossa grande Raça partirá em busca de uma Índia Nova, que não existe no espaço, em naus que são construídas «daquilo de que os sonhos são feitos». E o seu verdadeiro e supremo destino, de que a obra dos navegadores foi o obscuro e carnal ante-arremedo, realizar-se-á divinamente.


In “A Nova Poesia Portuguesa no Seu Aspecto Psicológico”, por Fernando Pessoa, publicado em A Águia, nº 12, II série
..
.

2007-06-09

Horizonte

9 de junho de 2007

Céu enevoado, algum vento, uma temperatura a dar para o fresco.
- Que estás a fazer? Onde é que vais?
- Vou à praia apanhar sol.
- Já foste à janela?
- Claro que sim! E não ponhas essa cara porque vais ver que o sol vem aí. Só está um pouco atrasado e eu já estou pronta.
- Bom, pelo menos não deves ter trânsito.
- Ora, sabes que eu tanto gosto de praia com fato de banho como de casaco e gorro. Gosto daquele ar na cara. Gosto do emaranhar do cabelo com o vento, e o sal, e a areia. Gosto de passear à beira da água e procurar pedras e conchas. Para nada porque não faço nada delas. Mas gosto, pronto! E gosto também da praia vazia, pois gosto! Se calhar ainda mais do que quando está cheia! Tanto gosto dos vendedores como dos pescadores quando está enevoado! Gosto do mar com ondas ou quando está sereno! A praia é sempre um encontro porque me deixa olhar para um horizonte sem fim!
- Eu já me calei!
- Se calhar é realmente o mais importante!
- O eu ter-me calado?
- Não! Se calhar o mais importante é essa sensação de que tudo é ainda possível!

2007-06-08

O som do silêncio

8 de junho de 2007

- O som do silêncio…
- O quê?
- O som do silêncio era o título de uma canção, quando eu era nova. E só ia acrescentar que silêncio... não tem!
- Aah!
- O silêncio não tem som, pois não?
- Não! Isto é, o meu não tem! Mas o que geralmente isso quer dizer é que ao fazer uma auto-reflexão ou meditação (assim chamada por muito boa gente que confunde os conceitos, mas enfim…), se encontra o silêncio na nossa mente.
- Ou seja… ná, não entendo muito bem. Podes explicar melhor? Não, vendo bem, dá é exemplos, que percebo melhor!
- Então imagina-te num local que gostes, por exemplo o teu lugar preferido na praia, ou num jardim, ou num passeio pelo campo, num rio, sei lá… tu é que escolhes.
- Um lugar da natureza, é isso?
- Não é obrigatório mas dá mais jeito, lá isso dá. É que a natureza é o ambiente que troca mais energias connosco, libertando-nos das nossas preocupações e transmitindo-nos a sua pureza enquanto natureza tranquila.
- Já escolhi! É numa praia cheia de sol e água azul com ondas a meia altura e cheias de espuma. E as ondas vêm a rebolar desde o horizonte até à areia muito bege e limpa.
- Pronto! Então imagina-te aí e tentas observar todos os pormenores: os grãos de areia mais grossos ou mais macios, a areia molhada, a água suave na orla da praia, a água toda até ao horizonte e tudo iluminado pela luz forte do sol.
Imagina-te aí parada a respirar, a respirar calmamente, sempre pelo nariz e tentando sentir os cheiros dessa praia até serem tão fortes que te convences que estás lá.

Um dia… no meio desses pensamentos organizados, vais sentir que estás parada na paisagem mas como se estivesses também parada nesse céu da praia e no tempo. Como se toda a paisagem parasse, estática, para ti.
Nesse instante, encontraste um silêncio muito especial.
Guarda-o bem na lembrança e tenta repeti-lo.
- Só isso!?!
- Só! Mas é um «só» do tamanho do céu.

2007-06-07

Consciências

7 de junho de 2007

Povos e costumes, tanto alimentares como sociais, religiosos, políticos, económicos, etc.
Neste caso trata-se do costume de roupa de cerimónia que, em alguns países, será um fato, seja para homem ou para mulher.
Mas há países em que o traje de cerimónia é a túnica, mais ou menos curta, com calças para homem e uma saia ou túnica-vestido para mulher.
A questão está na capacidade de aceitação desses costumes e em não querer que uns sigam o dos outros.
Gandhi, todo de branco no seu trajar indiano, não foi recebido no Vaticano porque não vestia fato ao estilo europeu.
Hoje parece que estas questões já estão ultrapassadas, na maior parte dos casos, mas ainda há intolerância mesmo nos países dito desenvolvidos.
- Seria importante que cada um se apercebesse dos seus diferentes graus de consciência.
Refiro-me a todas as consciências : à consciência inteligente, à consciência emocional, à do passado-presente, à de energia (para manutenção e ligação das várias consciências ou “eus”), à consciência dupla e ainda às consciências celestiais de comunicação para aprendizagem e comunhão de valores morais.
- Credo! Tanta consciência num só Eu e tanta inconsciência que vai por esse mundo fora…

2007-06-06

O bom e o ideal

6 de junho de 2007

Uma sala está a ser preparada para reuniões, mas os organizadores ainda não se entenderam sobre os espaços.
Um quer colocar as cadeiras de modo a que as pessoas fiquem em frente umas das outras.
Outro quer estilo anfiteatro e o terceiro quer aproveitar os lugares junto das paredes, o que prejudica a visualização de cada um e a passagem a quem quiser sair no meio da reunião.
Enfim, já estão os arranjos, as mesinhas de apoio, os equipamentos eléctricos mais os electrónicos, os computadores, os ecrãs, o som, etc., etc.
Porém ainda persiste o problema de encaixar ali as pessoas todas, o que continua a ser tema da conversa.
Há cadeiras para todos, sim senhor. O problema é como as colocar, pois parece sempre que o chão não chega para tudo.
Já se defendem as diferentes opiniões com afixação de números nas cadeiras, e dispunham-se em semicírculo com os números, que sei eu?
E de repente chega uma mulher, daquele género que olha e faz diagnóstico rápido.

E dá a sua opinião. Arrumam-se em forma de 8 (outro número) com passagens ao centro, entre as partes superior e inferior do 8.
Mas não cabem todos…
Formam-se então filas duplas e triplas deixando espaço suficiente entre elas para distribuir passagens.
Nem todos concordam mas o tempo já é pouco para gostar ou não gostar.

Todos foram para os seus postos pensando que ainda não se tinha encontrado a solução ideal, nem talvez fosse a melhor dentro das circunstâncias.
- Terá sido por estas e por outras que Deus criou a mulher?
- Acho que não! A não ser para maior variedade de opiniões, porque sucede que às vezes o ideal é bem pior que o bom e não ajuda a resolver o que é necessário tratar!

2007-06-05

Desdobramento

5 de junho de 2007

- Estou a dormir em pé!
- Em pé, não. Queres dizer sentado!
- Ou isso. Parece que não estou em mim, estou meio zonzo, passivo demais.
- Bom, lá lento, lentinho, estás… lá isso…mas também deves estar cansado, entre o trabalho e os projectos de férias: passeios, festas. Organizar tudo também cansa…
- Pois sim! Olha, é a cabeça que sinto cansada. Creio que a melhor palavra é atordoado, como se estivesse dividido.
- Ah, isso lembrou-me um sonho que tive no outro dia. Eu passava por um corredor escuro, abria uma porta ao fundo e depois eu saía em parcelas.
- Em parcelas?
- Sim, saía eu, mais outro eu, e outro eu. Uma infinidade de outros iguais a mim.
Lembrei-me dos clones, só que íamos todos como sonâmbulos, porta fora, seguidinhos em formatura.
- E depois?
- Depois, uns “eus” subiam, outros viravam à esquerda e era sombrio, outros viravam à direita e, nesse lado, estava cheio de sol e outro eu ficou logo a seguir à porta.
- E não faziam nada? Só andavam?
- Só! Excepto que umas figuras ficavam mais densas e de cores mais carregadas, enquanto outras iam brilhando ou esfumando-se no meio de uma espécie de nuvem. Ah, e o da porta ficou igualzinho a mim e fez um círculo à sua volta.
- Ora, ora…sonhaste foi com um anúncio que dá na televisão… fazias o círculo na praia, não era?
- O círculo desenhado com um pau? Não era assim, não!

2007-06-04

Religações

4 de junho de 2007

Muitas, mas mesmo muitas centenas de circuitos eléctricos estão a ser instalados, ou restaurados, ou recuperados no tecto do que parece ser uma nave industrial.
Parece que vai ter novos projectos em agenda para os próximos tempos e será necessário ter disponível toda a luz que lhe pertence de origem.
O problema é que essa parte esteve votada ao esquecimento e não é fácil, de um momento para o outro, conseguir essa dinâmica de recuperação.
Se calhar o melhor é dizer de reinstalação porque muitas ligações tiveram de ser restauradas.
Há, por todo o lado, engenheiros e técnicos dedicando-se a estas questões com a precisão desejada.
Porém, de cada vez que se ligaram os circuitos, no geral ou em zonas específicas, nem sempre funcionaram bem.
É preciso mais trabalho. Já se fala em ficarem até ser possível restabelecer tudo. - Paciência (diz uma voz), paciência, que Roma e Pavia não se fizeram num dia!
A ideia foi percebida apesar de nem todos entenderem completamente o sentido da frase.
A verdade é que, por vezes, é necessário parar para recomeçar em melhores condições, e até o material parece acentuar as condições do intervalo porque, às vezes, depois da paragem, funcionam circuitos que estavam inanimados. Como se mãos invisíveis e com amorosas intenções os conduzissem no trabalho.
- Então?
- Então o quê?
- Vamos jantar ou passamos fome?
- Acho que sim. Depois disto, as coisas só podem melhorar…

2007-06-03

José Vaz # As Lágrimas São Netas Do Mar

3 de junho de 2007
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Vieram dizer ao Mar
que o Sal
andava a portar-se mal.
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Quem veio meter
minhocas na cabeça do velho Mar
foi a Areia e a Espuma.
Tudo porque o Sal
era bonito
e não lhes ligava nenhuma.
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De queixinha em queixinha,
disseram ao Mar
que o Sal
tinha uma namoradinha.
.
Chamava-se Gota de Água.
Era linda,
branca, cristalina
e tinha vindo do Céu Azul.
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As duas,
com dores de cotovelo,
contaram ao Mar
as conversas de amor
que tinham ouvido
quando o Sal estava a namorar
muito entretido.
.
Então,
a Areia disse que a Gota de Água
falou assim para o Sal:
- Meu bem amado,
..se quiseres casar comigo
..deixarás de ser salgado.
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E a Espuma disse que o Sal respondeu à Gota de Água:
- Minha ternura,
..por ti deito o salgado fora
..e fico uma doçura.
.
E neste disse-que-disse,
as duas marotas aproveitaram a maré
e
de tal maneira
atazanaram o velho,
que os seus cabelos ficaram em pé.
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- O Sal virar doçura? – pensou o Pai Mar.
E, ao pensar nisto,
deixou entrar a tristeza e a amargura
no seu imenso coração.
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O Pai Mar nem queria acreditar.
Então,
ele,
pai,
criou o Sal, desde catraio até homem feito,
feito para conservar
a beleza e a saúde dos habitantes do seu reino
- os peixes –
e o rapaz queria tornar-se doçaria?
Não podia!!!
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Chamou o filho e disse-lhe:
- Filho, tem paciência,
..se continuas com o namoro,
..considero desobediência.
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O Sal
fez ouvidos de mercador,
encolheu os ombros,
e continuou o seu grande amor…
pela Gotinha de Água.
.
Ao saber
o que o filho tinha decidido,
o Mar ficou bravo,
enraivecido,
tornou-se turbilhão, e foi grande a aflição:
as Ondas andaram numa fona,
os Mexilhões levaram tapona,
a Baleia veio respirar à tona,
um Cavalo-Marinho
tropeçou num penedo e partiu o focinho.
Até uma Gaivota,
de perna manca,
que era vizinha do Mar,
teve de dar à perna para não se afogar.
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O velho Mar,
amargurado e furioso,
pôs o filho fora de casa,
em terra.
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Mas o sal não se importou.
Casou.
Mas, como não havia casas para alugar,
o Sal e a Gota de Água
foram morar
para os olhos das pessoas.
.
É por isso
que, quando estamos tristes e amargurados nos nossos corações,
choramos.
E as nossa lágrimas
são salgadas
porque são filhas do Sal e da Gota de Água
e… netas do Mar.
.
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In “Para Sonhar com Borboletas Azuis”
de José Vaz com ilustrações de Luisa Brandão
..

2007-06-02

A realidade

2 de junho de 2007

Várias pessoas estão reunidas como quem espera algum acontecimento.
Vão olhando atentamente uma estrada já meio escura, como se fosse ao pôr-do-sol.
Entretanto sobressai um rapaz dentre todos, que se adianta mais nessa estrada e destacando-se do grupo, vai andando e continuando estrada fora.
Às tantas o seu caminhar apressa-se e começa até a correr, na altura em que o grupo, que continua esperando, se apercebe que apareceu uma luz na direcção em que ele corre.
Apressado, ele chega ao local da tal luz e uma senhora de cabelos brancos entrega-lhe com todo o cuidado uma pedra velha, que tem luz própria.
Avisa-o para ter cuidado e que a pedra é um cristal que não deve deixar partir. Depois deseja-lhe boa viagem de regresso.
Quando ele lhe agradece ela explica-lhe que o regresso não é só o dele; também é o da pedra e que:
- Essa pedra é para encaixar no sol do doente!
- Qual doente?
- O doente das ilusões pois essa pedra é a luz e o brilho da realidade!
- Mas qual realidade?
- A realidade do princípio da luz!
- Ahhh!?!
- No quadro geral de energia onde está o sol desenhado!
Ele também é dos que olham sem ver a realidade que os rodeia.
Talvez aquela luz sirva para ele, afinal…

2007-06-01

O nosso pequeno mundo

1 de junho de 2007

Uma sala, pequena e grande ao mesmo tempo porque simplesmente não tem nada de mobiliário nem objectos.
As paredes e tectos são rosa muito claro, estilo rosa-bebé.
O diferente do habitual é que as cores não estão quietas nas paredes.
A cor existe em toda a dimensão da sala, quero dizer, é como se o ar, se todo o espaço livre estivesse pintado e preenchido do mesmo rosa.
A cor existe em toda a dimensão da sala.
E não é tudo! Esse mesmo ar, ou espaço, tem bolas, berlindes, conchas, flores, búzios e filamentos brancos.
Um branco nuvem, porque parece translúcido, está também em todo o lado permeando o ambiente rosa.
E… e… bom…, e…
E há um perfume suave, que também não sei de onde vem.
( - E tem música?
- Não, não tem!
- Ohhh!)
E… e…

(- Então?)
Afinal não é bem uma sala. É todo o planeta e o espaço cheio de estrelas assim…
(- E então?)
- Então… o escrito acabou e não sei se há mais… era só esta folha que estava caída na mesa.