Escritos de Eva

Aqui Eva escreve o que sonha e - talvez - não só. Não tem interesses de qualquer tipo nem alinhamento com sociologias, política, religião ou crenças conformes às instituições que conhecemos. Estes escritos podem servir de receita para momentos de leveza, felicidade ou inspiração para melhorar cada dia com bons pensamentos. Alguns poemas ou textos... Algumas imagens ou fotos... Mulheres e homens, crianças e idosos podem ler Eva e comentar dando a sua opinião.

2007-06-24

Aquilino Ribeiro # Humildade Gloriosa

24 de junho de 2007

Com a enfermidade, que o balouçou entre a vida e a morte, adquiriu o hábito do solilóquio. … … Na febre, em que ardera noite e dia, deitara vozes ao vento. … … Declamando, murmurando, rindo e chorando, por todos os meios da expressão oral se lhe assoalhou a alma. Talvez fosse aquela – reflectia agora – uma forma de transpiração espiritual que, aliviando-o da febre, o livrou da morte.
Frei António contraíra pois a doce mania, e todos as oportunidades lhe eram pretexto para exercê-la. … … Falava consigo, com Deus, com as criaturas. … …
Naquela manhã de sol, ainda combalido, mas gozoso de se ver quase refeito, tão gozoso que temeu incorrer no desagrado do Senhor, ia dizendo:
- Ainda a doença é uma bondade de Deus, Filipe. No nosso ser acordam as pequeninas almas a que se não presta atenção quando se está de boa animalidade. Podia eu lá alguma vez julgar que até no voo das gaivotas está desenhado o hieróglifo da Divina Graça!? Ao enfermo, porque não tem que fazer, sobra-lhe tempo para dar volta à casa. A casa interior, bem entendido. Que coisas, mal arrumadas umas, imprevistas outras, que cocas e teias de aranha pelas paredes, se não descobrem!? O homem sadio é o que menos se conhece, pois nunca se deu ao trabalho de olhar para dentro de si. O nosso seio, irmão, é uma cisterna lôbrega e só depois de se acostumar a vista à penumbra, se arregalarem bem os olhos, é que se consegue enxergar alguma coisa. O que eu fui encontrar nos meus subterrâneos! Ah, mas que rico dia! Isto é o céu ou lona pintada? Um azul assim, combinado com o azul do mar, lava os olhos e a alma de toda a escuridão.
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in “Humildade Gloriosa”
de Aquilino Ribeiro
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