Escritos de Eva

Aqui Eva escreve o que sonha e - talvez - não só. Não tem interesses de qualquer tipo nem alinhamento com sociologias, política, religião ou crenças conformes às instituições que conhecemos. Estes escritos podem servir de receita para momentos de leveza, felicidade ou inspiração para melhorar cada dia com bons pensamentos. Alguns poemas ou textos... Algumas imagens ou fotos... Mulheres e homens, crianças e idosos podem ler Eva e comentar dando a sua opinião.

2007-01-31

As ideias voam

31 de janeiro de 2007

As ideias voam. Ou será que não se detêm?

A capacidade de concentração é diminuta (porque não quero dizer inexistente).
A lucidez - em semelhança - verifica-se por instantes em raciocínio lógico para, em seguida, se soltar num conjunto de pensamentos absurdos.
Olho para aquelas faces simpáticas, sardentas, algo risonhas, mas ausentes.

É uma cara redonda que me diz que o seu coração vai saltar.
E, logo de seguida, sorri e falamos descansadamente de outra coisa. De outras mil coisas.
Se paramos de conversar, ela suspira forte e chora, porque o coração vai saltar...
Esposa e mãe dedicada, está agora à míngua de pensamentos coerentes.
Não está louca mas parece deslocada.
Não sei dizer se deslocada do tempo, se da vida.
O que é certo é que esqueceu completamente os problemas da família, que suportou tantos e tantos anos sozinha.
Toda a espécie de aflições foram partilhadas com o marido.

Ele já faleceu faz tempo e ela continuou a tratar dos filhos e dos seus problemas.
Hoje tem a seu lado uma filha e uma neta, que está longe mas envia-lhe dinheiro para ser tratada.
Ela sorri, cheia de bondade.

Só lembra o que se lhe fala agora, no presente.
Isso relaciona-a com as memórias. Parece mais feliz assim.
A concentração da atenção é conforme a nossa vontade.
Se disciplinada, torna-se mais saudável.
Neste momento não sei se é o que move a felicidade.
Concentração pressupõe assuntos sérios. O relaxe pressupõe bons momentos.
Será então a nossa vontade que trata do equilíbrio para a felicidade?
Será talvez, porque o equilíbrio é a realidade justa, ajustada às coisas da vida.

2007-01-30

Adeus, até outro dia!

30 de janeiro de 2007

Uma velhinha de aspecto amável e muito branca. De cabelo e pele.

De olhar claro e sereno.
Um modo sereno de ser, de estar ali.
Acompanhamo-la até lá fora, ao jardim.
Está uma tarde de sol e para ela não ter frio (porque sempre foi friorenta, até no Verão) embrulhamo-la numa manta de lã.
Assim aconchegada, paramos para nos sentarmos num banco de jardim.

Ao sol, desfrutando o calor suave de inverno, ficamos conversando juntos.
As conversas iam desde o pormenor mais técnico ao disparate mais divertido.

Falou-se dos pássaros e suas espécies, conforme pousavam perto de nós ou nas árvores.
A seguir alguém os lembrou assados ou fritos.
Entre o horror e o riso, seguiu-se a chacota das palavras. E assim por diante.
Impossível manter algum assunto de jeito.

Mas a conversa não tinha malícia; era só bem humorada e descontraída.
De repente lembramo-nos que o sol poderia estar forte para a cabeça de cabelos finos, outrora louros, da velhinha.

Nada disso! Estava gelada.
A testa, as faces e o cabelo, completamente frios.
O seu olhar estava divertido com a conversa maluca, como ela lhe chamou.
Mas os seus olhos mostravam-na longe, muito longe dali.

Estava ao nosso lado e, no entanto, não estava ali.
Vimo-la longe, sorrindo para nós e agradecendo a visita.
Acenava-nos adeus e flores esvoaçavam em seu redor.
Estava linda, como se tivesse trinta ou quarenta anos.

Tinha o cabelo e a sua figura nessa época.
E sorria, sorria alegre como nunca a tínhamos visto sorrir.
- Adeus, então até outro dia!
- Adeus, meus queridos, adeus!

2007-01-29

A ignorância e a tacanhez

29 de janeiro de 2007

Salas de arrumação, gabinetes com computadores e vídeos de vigilância. Secretariados para assuntos administrativos.
Quartos para os hóspedes, simples e confortáveis, sem luxos nem esquisitices.

Zonas comuns e pessoal muito atento a todas as situações.
Mesmo assim, há abusos. Há sempre, não é?
Há sempre um meio de torpedear o correcto, o estável.
E é quase sempre por quem menos se pensa.
Por outro lado... coitado!

Porque a sua ignorância não o deixa progredir nas suas virtudes, ultrapassar a sua pequenez, a sua tacanhice e tornar-se um homem bom.
Ser uma pessoa íntegra, um exemplo e orgulho para a família em vez de ser para esquecer que existe ou existiu.
Pudessem as pessoas entender o valor de viver segundo éticas morais e os policiamentos não seriam mais necessários.
Até dá para sonhar com um mundo em que todos cumprissem as suas responsabilidades.

Em que todos se respeitassem tanto a si mesmos como a todos os outros.
Um mundo sem caprichos pessoais, porque a maior das vezes é disso que se trata: da satisfação de caprichos pessoais.
Com a luz da esperança sempre acesa no coração, vamos esperar por esses dias mais equilibrados.

2007-01-28

Howard C. Cutler # Felicidade e Prazer

28 de Janeiro de 2007

Alguns meses após essa série de conferências dadas pelo Dalai Lama no Arizona, fui visitá-lo à sua residência em Dharamsala. ... ... naquele dia achei a humidade praticamente insuportável e não estava propriamente de bom humor quando finalmente me sentei para o início da conversa. Mas ele parecia estar em grande forma. Logo no início da conversa, começou a falar sobre o prazer. Em dado momento, fez uma observação crucial:
- Por vezes as pessoas confundem felicidade e prazer. Por exemplo, no outro dia estava a falar para uma audiência indiana em Rajpur. Afirmei que o sentido da vida era a felicidade. Um membro da audiência interveio e disse que Rajneesch ensina que os momentos de maior felicidade ocorrem durante as relações sexuais e que portanto podemos ser felizes graças ao sexo. - O Dalai Lama riu com gosto. - ... ... Respondi que ... ... A verdadeira felicidade está mais ligada ao coração e ao espírito. A felicidade que depende principalmente do prazer é instável, um dia está presente, no dia seguinte pode não estar.
À primeira vista, parecia uma observação bastante óbvia. É claro que a felicidade e o prazer são duas coisas distintas. Mas no entanto nós, seres humanos, muitas vezes confundimos os dois. Passado pouco tempo regressei a casa e, durante uma sessão de terapia com um paciente, tive uma demonstração concreta do poder considerável dessa simples constatação.
Heather era uma jovem solteira que trabalhava como orientadora na área de Phoenix. Embora gostasse de trabalhar com jovens em dificuldades, havia algum tempo que começara a não gostar de viver na área de Phoenix. Queixava-se com frequência do aumento da população, do trânsito e do calor excessivo no Verão. Tinham-lhe proposto um trabalho numa lindíssima pequena cidade nas montanhas. Tratava-se de uma cidade que ela tinha visitado várias vezes e onde sempre sonhara viver. Era tudo o que ela queria. O único problema era que o trabalho que lhe propunham envolvia uma clientela adulta. Havia várias semanas que andava a tentar decidir se ia aceitar o emprego e não conseguia. ... ...
- Sei que não vou gostar tanto desse trabalho como do que tenho aqui, mas acho que o prazer extraordinário de viver naquela cidade o compensa largamente. Adoro aquilo! O simples facto de lá estar faz-me bem. ... ...
O termo «prazer» lembrou-me as palavras do Dalai Lama, e resolvi pô-la à prova.
- Acha que mudar-se para lá a vai fazer mais feliz ou lhe vai dar mais prazer?
Fez uma pausa, sem saber como tomar a pergunta. Finalmente respondeu:
- Não sei... Acho que me traria mais prazer que felicidade... Em última análise, acho que não gostaria de trabalhar com aquele tipo de clientela. O tipo de trabalho que faço com os miúdos é de facto muito gratificante...
O facto de reformular o seu dilema em termos de «Será que me faz mais feliz?» parecia ter tornado a questão mais clara. De repente, tornou-se muito mais fácil decidir. Decidiu ficar em Phoenix. Claro que continuou a queixar-se do calor no Verão, mas como tinha tomado a decisão de ficar com base no que ela achava que afinal a faria mais feliz, era como se o calor se tivesse tornado mais suportável.

in "Um Guia Para a Vida"
de Dalai Lama e Howard. C. Cutler
.

2007-01-27

O remoinho

27 de janeiro de 2007

Sons, ruídos e músicas. Tudo ecoa no céu, a meio da noite.
Não há estrelas. Há raios e trovões.
De vez em quando aparece uma nuvem de poeira, cheia de electricidade, que ribomba com estrondo.
Num terreno, todo às escuras, está uma espécie de fábrica abandonada.
Do céu parecem cair raios.
A trovoada, aumentando de intensidade, forma um remoinho de raios sobre a dita fábrica.
Como uma coluna, esse remoinho parece apontar para uma determinada ala.
Tudo parece abandonado e silencioso dentro da fábrica.
No entanto, está cheia de gente.
Desde operários das limpezas aos seguranças mais categorizados e vigilantes, por intermédio de sistemas electrónicos muito sofisticados.
Os trabalhadores continuam nos seus trabalhos mecanizados.
A dita ala, para onde se dirige a tempestade, é uma parte do edifício bem diferenciada do resto e divide-se em hospital e celas.
Uma mulher, de certa idade, está com os olhos vendados e foi operada à vista: duas enfermeiras estão ao pé dela, verificando o seu estado por meio de equipamentos.
O remoinho aproxima-se e parece chamar alguns nomes ou então, já são as alucinações e o cansaço das pessoas a quem assim parece.
Os seguranças disparam para o ar mas não conseguem impedir o remoinho e os seus raios que levam tudo à frente, revolvendo todo aquele sítio e transformando as celas em lugares vazios. Completamente vazios e iluminados pelos seus raios, como se fosse meio-dia num dia de sol.
O que era já não é mais... Tudo se transforma!

2007-01-26

(Re)Lembranças

26 de janeiro de 2007

Retirada de um quadro, está uma mulher numa canoa de um único remo com duas pás, que ela manobra levando a canoa suavemente para um lago verde esmeralda.
Das margens pendem ramos, a grande altura, cheios de flores.

O céu está limpo de nuvens e radioso pela força do sol.
Ela sai do que parece ser uma gruta, de tecto alto, mesmo muito alto.
O lago, agora, é um rio calmo por onde ela segue com movimentos lentos.
Uma criança pequena acena-lhe e ela responde ao aceno, mas enche-se de lágrimas.
Lágrimas silenciosas.
Noutros lugares, numa grande e movimentada cidade, estão médicos, pessoal de enfermagem e um homem.
Mas não é nenhum hospital nem nada semelhante. É um gabinete.
Vê-se uma escada de pedra e outra em madeira.
Vêem-se trabalhos, ou melhor, gabinetes para tratamentos de enfermagem: injecções, ligaduras, maca e armários cheios de coisas para tratamentos e feridas.
Todos se juntam, se conhecem e reconhecem, incluindo a mulher da canoa e a criança.
Todos relembram, durante horas, o passado que lhes foi comum.
Longas horas de aflição e azares.
O sol, por cima da canoa, torna-se enorme e transforma o céu azul em amarelo radioso.
Uma nova esperança renasce das cinzas.
Um novo entendimento vai iluminar todas estas vidas.
E um outro conhecimento é iluminado por esta luz estonteante.

2007-01-25

Recomeços

25 de janeiro de 2007

Dia de nevoeiro e chuva.

Na telefonia do carro tocam sambas brasileiros.
Realmente é apenas uma questão de geografia.
As diferenças são tais que é difícil imaginar festividades durante o inverno português com trajes típicos do sambódromo brasileiro.
Mas quem pode, faz. E outros aplaudem.
É assim que acontecem as realidades dos nossos dias.
O que consideramos o mundo global tem vantagens e destas bizarrias.
No meio disso tudo, a alegria da festa, da música e da dança para todas as idades.
As liberdades de existir e de sentir alegria são para ser gozadas.
As confusões e dificuldades de aculturação esbatem-se na euforia dos preparativos e das festas que vêm já aí.
As nuvens continuam a deitar chuva bem fria e, cá em baixo, dança-se com frenesim.
A vontade, o livre-arbítrio ou a força da alegria movem montanhas.
As danças são, desde sempre, símbolos de rituais nos grupos humanos.
Em recintos fechados ou em espaços abertos, são movimentos contagiantes.
Os dias de festa são, por isso mesmo, transbordantes de alegria.
São preparação para deixar a ligação com a tristeza e desilusão.

E também uma preparação para começar uma ligação com a alegria.
É a esperança em novos dias de vida.
Recomeçar sempre - é uma necessidade.
Recomeçar em alegria - é uma felicidade.

2007-01-24

Tolinho querido

24 de janeiro de 2007

Como que tirado de filme de ficção, o pequeno imaginava-se a sair do sofá em átomos, voar e refazer-se lá longe, junto da mãe, no novo emprego.
Imagina-se ao lado dela, no que ele acha ser o novo escritório.

Vê-a sempre tão elegante e agradável, espalhando o seu perfume.
Quase que a consegue cheirar, tal é a força do seu pensamento.
Ela vai fazendo várias coisas.
Por fim deixa-a e, levado pela imaginação e as suas preocupações, vai, desta vez, para o quarto onde está a avó.
Ela parece dormir mas, de repente, chegam vários médicos.
Um vem com vários tubos e aparelhos.
Ligam-na a todos aqueles tubos e ela já mal se vislumbra entre os lençóis, os tubos e o pessoal do hospital.
Mas deixam-na agora com respiração calma e parecendo dormir sossegada.
Será que ela vai sonhar com toda aquela azáfama de roda dela?
- Não, ela agora está a sonhar com outra coisa - diz-lhe uma voz amiga.
Volta-se e vê uma mulher de farda.
- Quem é? - pergunta.
- Uma enfermeira - é a resposta.
Ele segue-a, curioso.
- Estavas a perguntar e eu respondi porque sabia a resposta.
- Poderias dizer-me como volto para mim?
- Ah... é só pensares em ti mesmo e esta ilusão acaba.
- Olá, mãe! Gostaste do teu novo emprego?
- Tanta novidade que nem sei se entendo!
- Vais ver que gostas. A sala é muito bonita e tu ficas muito bem lá.
- Como é que sabes? Não faz mal! Junto ao fim-de-semana levo-te para veres como é!
- Se calhar, já sei!
- Tolinho tão querido...

2007-01-23

O tempo

23 de janeiro de 2007

- Mamã, sonhei com fadas cor-de-rosa e muitas flores...
- Agora não tenho tempo. Temos que sair já, já!
- Mas agora é que me lembro. Depois esqueço, mãezinha!
- Já te disse que agora não dá! Vamos depressa. Olha a chuva. Corre!
- Não quero correr mais!
- Ainda falta muito. Anda então mais devagar.
- Não quero ir! Quero voltar para casa e ficar quentinha na cama!
- Isso é o que todos queremos. Mas eu tenho de ir trabalhar e tu tens que ir para a escola. Pronto, diz lá o teu sonho!
- Não me lembro!
- Era de fadas... Olha, já chegámos. Então contas logo!
- Mas já me lembro, mamã!
- Mas agora já não dá outra vez. Bom dia! Aqui está ela! Até logo, querida!
- Porque choras?
- Queria só contar um sonho lindo que tive. A minha mãe era uma fada e queria fazer a surpresa de lhe dizer no fim. Mas nem me deixou começar...
- Talvez logo...
- Posso contar-te a ti?
- Não, agora vamos começar com um jogo. Já estão todos?
...
(Afinal que tempo tem o tempo, ou o tempo não tem tempo? Para que verdadeiramente importa o tempo, se o tempo é para nós - todos nós?)

2007-01-22

Nova aurora

22 de janeiro de 2007

Uma pirâmide com líquido escuro, muito escuro, voava no espaço e ficou suspensa numa espécie de sala iluminada.
A pirâmide rodava sobre si mesma em várias direcções e continuava suspensa no ar.

E rodava, rodava, lentamente...
A claridade da sala começou a iluminar a pirâmide.

As suas arestas agora reluziam em tons prateados.
Mas o líquido era tão escuro que não se percebia se era preto, azul, castanho ou verde azeitona.
De repente pareceu imobilizar-se por um instante.

Mas deve ter sido impressão porque continuou o seu rodar.
Rodando contìnuamente pareceu que outra vez se imobilizava. Era um instante.
Agora tinha a certeza que sim.
De quando em quando, no seu rodar, parava um instante.

E, nesse ínfimo imobilizar, um raio branco trespassava-a bem no centro.
Como se fosse um eixo, mas no sentido paralelo à base.
A base parecia pentagonal ou hexagonal; não conseguia contar bem os lados.
E como continuava a rodar, não era ainda possível ver com exactidão.
Agora imobilizou-se mesmo.

Nem sequer oscila. Está completamente parada.
O líquido escuro está a clarear e... já se pode dizer a cor: é púrpura.
De opaco está a tornar-se translúcido e cada vez mais transparente.

No entanto nada atinge o seu interior pelo exterior. A transformação é de dentro.
Também a claridade da sala mudou de prateado para branco e agora está rosa claríssimo.
A pirâmide agora está transparente, da cor da sala: rosa claro.

Apesar de imóvel, está a fundir-se com a sala.
Como se fosse tudo uma coisa só.

Pirâmide e sala reuniram-se em rosa quase transparente, cheia de lampejos prateados.
Uma nova aurora vai nascer. E um novo mundo?

2007-01-21

Vladimir Maiakovski # A Extraordinária Aventura...

21 de janeiro de 2007

A Extraordinária Aventura Sucedida a Vladimiro Maiakovski, no Campo, Durante um Verão

..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... .....
Por fim, tomado de tal cólera
que ao meu redor tudo se encolheu amedrontado,
gritei, de rosto erguido ao sol:
«Desce!
Já basta de flanar pelas fornalhas!»
Gritei:
«Madraço!
Tu para aí a mandriar nas nuvens
e eu, olha p'ra mim, quer chova ou faça vento,
suo sobre os meus cartazes.»
..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... .....
Horror, que fui fazer!
É a minha desgraça!
Direito a mim,
sem se fazer rogado,
o sol
marcha nos campos,
alargando a passada dos seus raios.
..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... .....
Mas do sol escorria singular
e sereno clarão, -
e em breve
é sem mais cerimónias
que nos pomos
os dois a conversar.
Digo-lhe isto,
digo-lhe mais aquilo,
conto como a Rosta me devora,
e diz-me o sol:
«Vá lá
não te amofines,
não compliques tudo!
Julgas que para mim
é simples
brilhar?
Experimenta, a ver!
Mas prometemos
e vai disto,
brilha-se a toda a força!»
Cavaqueámos assim
até ser noite, -
perdão, até ao que, antes, era noite.
Como falar de escuridão ali?
Tu cá, tu lá,
estávamos à vontade.
Breve
lhe dou no ombro
amigáveis palmadas.
E o sol, então:
«Existes tu, existo eu,
Existimos, meu velho, nós os dois!
Subamos, pois, poeta,
à altura das águias,
cantemos
sobre os cabelos do mundo.
Sobre ele eu lanço esta luz que me é própria
e tu, a tua -
em verso.»
..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... .....
Se o outro se fatiga
e à noite
quer é ir para a cama,
cabe-me a vez a mim,
sùbitamente erguido, a dardejar meus raios,
e o carrilhão do dia uma vez mais ressoa.
Brilhar sempre,
brilhar por toda a parte,
até ao fim último dos dias,
brilhar -
e nada de aranzéis!
Eis a palavra de ordem para mim
e
para o sol.

in "Autobiografia e poemas"
de Maiakovski

.

2007-01-20

A dádiva e o tesouro

20 de janeiro de 2007

Num dia estava óptima, no noutro acordou zonza e deprimida.
Dormiu mal, disse. Mas achámos que o aspecto não era só disso.

Esperámos mas passou o dia tristonha e abatida. Nada mais.
No dia seguinte gemia de dores e tinha febre.
- Alguma gripe dessas, esquisitas, que andam por aí. Até se morre delas, se não se vai a tempo!
- Qual tempo, qual nada! Morrem porque são gripes desconhecidas e sem remédios!
- Olha que não é só gripe! É alguma infecção!
- Tenho que ir ao médico.
Horas e horas. Finalmente, após dezenas e dezenas com os mesmos sintomas, lá foi diagnosticada a doença e os remédios mais apropriados.
- Agora, cama e caldos!
Então, mais sossegada das dores, lá ficou a dormir.
- Acorda! É para os remédios!
Febre, enjoos, dores. Um corpo prostrado.
- A doença é um horror.
- Horror é mas, no teu caso, serve para dares mais valor à saúde e cuidares mais de ti, quando te sentes bem. Estar atenta aos sintomas (sem o desvario da mania das doenças) é bom e útil. Os sintomas já tinham que estar há dias. Porque não ligaste?
- Estou habituada a estar bem.
- Já te disse que a vida é como as ondas do mar. Ora vêm altas, ora baixas, ora ondulam mansamente ou não.
Dar significado aos nossos dias é uma preciosidade.
A vida é uma dádiva. A saúde o seu tesouro.

2007-01-19

O gosto da comida

19 de janeiro de 2007

Uma sopa a fazer. Faz calor só de chegar perto.

Um chouricito às rodelas dava jeito, oh! se dava.
Hora de almoçar.

Pelas ruas vem o cheiro a comida quente. Das janelas das casas e das portas dos restaurantes.
É nesta altura que as grávidas enjoam e já não almoçam, com tantos odores misturados no ar.
É nesta altura que os gorduchos se despacham e os cheiros despertam o seu apetite.
Até os magricelas se mexem na direcção da comida caseira. Ou não...
Somos de hábitos, pois é sabido que à hora de almoço, vamos almoçar.
- Felizes os que têm comida e fome para a comer. Revelam que têm para viver e saúde para gozar essa vida.
- Pronto, lá estás tu a tornar as coisas sérias e, até, dramáticas.
- Sou sério, não sou sisudo. Gosto de pensar nas coisas, pois gosto. E depois?
- Depois, a comida já está a saber a palha.
- Palha porquê? Espera, nem quero saber da comparação...
- Porque não tens confiança, simplesmente. Almoça e pronto! Toma o gosto. Simplesmente! O gosto da comida no prato. Não compliques. Simplesmente, come!
- Então eu é que complico e tu dizes que almoçar é uma prova de confiança! Confiança em quê?
- Confiança na vida, no dia que traz outro dia...
- E que tem isso a ver com o almoço? Olha, já acabei, e tu... ainda vais aí?
- Confiança que as coisas têm todas um lugar próprio. Por alguma razão há lugares em guerra. Desfrutemos a nossa paz. É preciosa. Não é para complicar com pensamentos...

- Mas eu, por acaso, complico alguma coisa?
- Por acaso...

2007-01-18

Eficiência burocrática

18 de janeiro de 2007

Secções administrativas. Aniversários.

Muitos anos contados. Alegrias e manias sem conto.
Esperanças e aventuras, desejos e erros, dinheiros e bancarrota.
Tudo, enfim, o que faz parte da vida.
Uma vida velha, de ser vivida.
Seremos eternos e esta vida uma passagem?

Seremos só isto, que é o melhor que somos?
Podemos ser melhores aqui, ou só além?
- Tem que ir à outra secção, ali à direita e a minha colega explica-lhe o que deve fazer.
- Uma hora e tal para dizer isto? É bem capaz de haver funcionários a mais e qualidade a menos.
- Eu não consigo falar e trabalhar ao mesmo tempo. Muito faço eu!
(Isso eu concordo. Que fique só no trabalhar. Deixe o falar para quando sair daqui)
- Boa tarde, era para...
- Espere só um bocadinho! Dê-me o seu cartão!
Todos encantados com os computadores e os programas, vão explicando tudo (mas tudo mesmo, até os espaços para os códigos internos) aos intervenientes.
Duas horas depois de chegar, chamam.
- Demorei um pouco porque não encontrei nenhum registo seu.
- Pois não! É para fazer agora o primeiro.
- Ahhhhh!!!
Será que os anos, em quantidade vividos, dão serenidade?
Será que se consegue serenidade sem esperar pela velhice?
"Ó Deus, fazei de mim um instrumento da vossa Paz". Só assim!

2007-01-17

Mudanças

17 de janeiro de 2007

Obras e tilintares. Mais barulho de máquinas, areias e cimentos.

Vultos e passos para lá e para cá. Uma azáfama!
- Há uns dias tiraram tudo e parecia que iam mudar-se. Hoje, pelo contrário. Com estas obras vão mas é ficar.
- Pois vão, pois vão!
- Eu gosto deles. São bons vizinhos. Ao fim de semana nem estão e, durante a semana, animam isto.
- Sim, eu não gosto de mudanças. Antes assim que aquelas trapalhadas todas.
- Quais trapalhadas?
- Aquelas todas que as alterações das mudanças trazem.
- Oh! Então... e deixam-se ficar mal apesar de precisarem de mais espaço?
- Pois eu prefiro não me mexer a...
- A progredir, porque é cansativo e moroso.
- Bom, dito assim, parece uma tolice, lá isso parece...
- Ó mulher, acorde! Acorde para a vida inteirinha que ainda não viu. Está toda aí e você esconde-se! Esconde-se de quê?
- Olhe, estou farta de trabalhar e trabalhar para mais nada do que ficar cansada.
- Olhe! digo eu. Afinal eles vão embora! As obras eram para desfazer e voltar a pôr os muros como estavam.
- No fim disto tudo, eles vão embora e eu estou cheia de dúvidas. Conseguiu que sentisse a melancolia do estagnar.
- Ora aí está uma utilidade no dia. O seu acordar para o seu futuro.

2007-01-16

Feridas

16 de janeiro de 2007

Feridas, infecções e ligaduras.

O tratamento correcto, tudo se cura e a pele renova-se.
As feridas da mente já não são tão fáceis de tratar e muito menos de renovação.
Parece que fica sempre algo na memória que atraiçoa.

Sempre que aparece uma situação com um pormenor de semelhança com um acontecimento traumático ou alegre, a memória actua.
O que é fantástico é que actua até do inconsciente.
E o tempo é como se não existisse.
Ideias recalcadas, acontecimentos completamente esquecidos e, no momento da coincidência entre um passado e o presente, elas surgem como por encanto.

Em toda a sua força ou esplendor.
E a vida fica por vezes comprometida em demasia.

Porque se há quem tenha adquirido a justa medida das lembranças.
Há ainda quem se deixe arrebatar completamente por elas.
Todos os dias, são as nossas rotinas que actuam protegendo-nos inconscientemente destas investidas.

Enquanto seguimos pontualmente o que devemos fazer dos nossos propósitos ou compromissos.
Mas os acontecimentos que fogem a estas rotinas são ocasiões propícias à reacção de sentimentos adormecidos.
Quando são alegres, é bom determo-nos nessas lembranças.
Quando são traumatizantes, é bom defendermo-nos.

E, observado o aviso da recordação para não cair novamente no mesmo erro, é bom racionalizar a recordação sentida para poder seguir em frente.
Se a vida prossegue, também a oportunidade tem que ter lugar para ser acompanhada de felicidade.

Nós devemos velar, então, para dar lugar à nova oportunidade de nos sentirmos felizes.

2007-01-15

Teimosias

15 de janeiro de 2007

Ela passa o dia a comer bolachas e a beber chá ou sumo.

Nada lhe tira essa vontade teimosa.
Não há meio de lhe fazer entender que só isso não lhe ajuda a saúde.

Parece ser uma casmurrice, uma ideia fixa.
Parece bem de juízo e, seja de que modo seja dada a explicação, ela continua com a mão na caixa das bolachas e a outra com o copo de chá. Desistimos e fomos embora. À hora de almoço, voltamos, convencidas que ia ser a mesma coisa. Não deixa de ser triste não conseguir explicar a outrem as recomendações necessárias à sua dieta.
A teimosia ao longo de anos tornou-se numa obsessão e desconfiança em relação a todos os que a contradizem.

Ela olha-nos apavorada e, do modo mais firme que consegue, afirma que só vai comer as bolachas e beber o chá que ainda lá está desde manhã.
Novamente a paciência e impaciências para lhe alterar essa teimosia doentia.
Desistimos e fomos embora mais uma vez.

À saída encontramos uma colega e lembramo-nos de lhe pedir que fosse sozinha lá dentro tentar convencer aquela senhora a almoçar convenientemente.
Sem mais delongas, ela foi e voltou num instante (um instante de vinte minutos). - Então? - perguntamos curiosas.
- Não sei do que se queixam! Uma senhora amável que comeu tudo. A suspirar, mas sem uma palavra!
- Não é possível...
- Oh! Tudo é possível no tempo justo!

2007-01-14

Alexandre Herculano - A Vitória e a Piedade (excerto)

14 de janeiro de 2007

.........................................X

..........Perdoou, expirando, o filho do Homem
......................Aos seus perseguidores;
..........Perdão, também, às cinzas de infelizes;
......................Perdão, oh vencedores!
.........Não insulteis o morto. Ele há comprado
.....................Bem caro o esquecimento,
........Vencido e adormecendo em morte ignóbil,
....................Sem dobre ou monumento.
.............É tempo d'olvidar ódios profundos
.....................De guerra deplorável.
............O forte é generoso, e deixa ao fraco
.........................O ser inexorável.
.........Oh, perdão para aquele a quem a morte
........................No seio agasalhou!
..............Ele é mudo: pedi-lo já não pode;
.....................O dá-lo a nós deixou.
...............Além do limiar da eternidade
...................O mundo não tem réus,
...........O que legou à terra o pó da terra
....................Julgá-lo cabe a Deus.
........... .............. ................. .................

in "Poesias - Livro I - A Harpa do Crente"
de Alexandre Herculano
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2007-01-13

Amigos

13 de janeiro de 2007

Conversa de manhã no transporte entre rapazes, jovens de 15 a 20 anos.
- Não tenho nem quero ter amigos. São uma chatice e uma desgraça!
- Uma desgraça?
- Sim, estão sempre a combinar almoços ou viagens ou eu sei lá, tudo do que se lembram. E quando não queremos, abancam lá em casa. Ora às vezes quero estar sózinho.
- Pois não percebo lá muito bem como é que se pode viver sem amigos. Não estou a falar desses aí. Esses são mais aproveitadores do que amigos. Estou a referir-me a Amigos. Aqueles que adivinham pela nossa cara que precisamos de ajuda. Aqueles que encontramos regularmente e cada um paga a sua despesa, se houver despesa. Mas a maior parte das vezes até nem há, pois ficamos a conversar onde nos encontramos ou aproveitamos para passear ou jogar à bola.
- Desses não conheço, nem tenho...
- Pois, mas estes fazem parte da nossa vida. Vêm da escola, da vizinhança.
Estão na minha vida até hoje. E quando faço alguma coisa fora de casa, combinamos e vamos juntos, o que torna as coisas mais agradáveis. No outro dia, fui tirar análises e até ficava mal ir com a minha mãe, embora não me faltasse vontade. Combinei e fui com dois amigos, logo às 8 da manhã. Levantaram-se cedo para me acompanhar. Não precisavam, foi só por amizade. E soube-me muito bem.
- Pelo que dizes até gostava de me juntar ao vosso grupo.
- Por mim... podes vir amanhã ao nosso jogo. É no campo do jardim, logo de manhã, às 9 horas. Um jogador a mais dá sempre jeito.
Quanto à amizade, essa vem com o tempo e "faz-se" sentindo-a. Não se pode marcar tempo para o sentimento.

2007-01-12

Disponibilidade

12 de janeiro de 2007

Disponibilidade para estar. Para sair, para ficar.

Para desfrutar, para sofrer. Para viver e até para morrer.
A vida é uma dádiva para aproveitar todos os instantes porque a vida, por vezes, é mesmo um instante.
Disponibilidade é também realidade.

Disponibilidade para estarmos com os outros.
E para estarmos connosco também.
Se não conseguirmos estar bem e disponíveis connosco, então não vamos conseguir estar com os outros em bem-estar. Apenas em fuga de nós mesmos.
Esta disponibilidade não tem a ver com dinheiro, nem com tempo, nem sequer com saúde.

Está em relação directa com o nosso coração e a nossa personalidade.
Implica uma aceitação pacífica do que cada dia nos traz e exige de nós.
Implica não reclamar ou exigir surpresas.
A vida não é monotonia nem empolgação constante. É tudo isso junto.

E devemos ser flexíveis para nos capacitarmos disso.
- Uff, foram embora. Pobre casal. Já estão casados e ainda precisaram ouvir isso tudo da vida, por outra pessoa. Dá vontade de perguntar por onde andaram até agora.
- Eu já percebi, após conversas como estas, que muitas pessoas (mas mesmo muitas), nunca pararam para pensar em si mesmas e no que a sua vida significa.
Muita gente só vive um dia de cada vez, sem pensar nos ensinamentos que a sua vivência dos anos anteriores lhes poderia dar, quanto mais projectar objectivos futuros para si próprios.
- Bom, excepto em questões de carreira profissional.
- O inacreditável é que chegam a constituir família, mais ou menos "como calha"!
Felicidades para todos, em consciência, deseja-se...

2007-01-11

Os deveres cumpridos

11 de janeiro de 2007

Hoje, quando acordei, não sabia (outra vez) em que dia estava.

A cama era a mesma, o quarto também. As horas eram as habituais.
Isto é, não preciso distinguir os dias de trabalho dos outros porque já não trabalho.
Resultado: como acordo mais ou menos à mesma hora, todos os dias têm o mesmo horário pois, já agora, aproveito esse acordar.
Isso pressupõe uma semelhança entre as manhãs.

Daí a dificuldade sentida de não saber em que dia estou exactamente.
Porém, mantenho actividades diferentes para cada dia de modo a poder afastá-los da monotonia. Por isso, hoje tive que olhar com mais atenção para o relógio que tem o calendário (e até a temperatura do quarto).
É lindo, prateado e electrónico, claro!
Bom, já descobri o dia.

Portanto, hoje a manhã é dedicada às limpezas do chão e arrumações e, portanto, só vou tomar banho depois.
O banho é um assunto importante no meu horário diário.

Isto porque gosto de o tomar logo que acordo e não no fim da manhã, como vai ter que ser hoje.
Em compensação, faço-o muito mais prolongado e relaxante, com a desculpa do cansaço que as limpezas provocam.
As tardes são só para o que me apetece fazer: passear, ler, sair ou ficar em casa.

É uma vida muito simples. Mas garanto que é só aparência.
Na verdade, os meus dias são muito mais preenchidos do que quando trabalhava.
O problema é saber em que dia me equaciono perante a agenda.

A partir daí é a dedicação pelas tarefas que tenho programadas que as vão prolongar na memória.
Na felicidade dos deveres melhor cumpridos pelo gosto em fazê-los.

2007-01-10

Em pensamento

10 de janeiro de 2007

Olhos trocados ou vesgos, oscilando e, ao mesmo tempo, mostrando cegueira.

Sem fala a não ser raros sons mas em tons suaves, nada estridentes.
Até se podem considerar um pouco musicais.
Difícil a comunicação. Se alguém o abana, treme de susto mas sem soltar um som.
Neste estado, não está inválido de movimentos mas tem de ser ajudado e guiado.

Ouve bem e percebe, de modo que se lhe dissermos para o que é, ajuda de boa vontade.
Não solta um queixume. Aceita a hora do banho e todos os incómodos que lhe causa, mesmo sem saber a que horas é ou se vai repetir.
Mas tem opinião crítica. No meio disto, pensa alto ou, então, eu "oiço" os seus pensamentos.
Agradecendo a manta que lhe subi porque parecia ter frio.
Agradecendo as atenções e esclarecendo muito bem o porquê do agrado desses gestos atenciosos, mais específicamente.
Oiço os seus pensamentos perguntando quem sou, verdadeiramente.

Porque, não sei como, percebeu que oiço os seus pensamentos.
Estou espantada!

Tantas vezes eu mesma falei - e muito convencida do que dizia - que, em certas deficiências, a vida era incompreensível.
E hoje aqui estou, ao lado de alguém que conversa comigo em pensamento e me convence que a vida tem uma razão sempre para existir.

Seja em que forma e estado fôr.
Felizes os que entendem isto pois serão, concerteza, mais sensatos no seu caminhar.

2007-01-09

Sinais

9 de janeiro de 2007

Rosas e todas as flores brancas que se possam imaginar, entravam pelas janelas do quarto.
Pelas paredes que davam para um jardim, pela estrada que levava à casa.
Pelos céus que se abriam para deixar chegar mais flores.
Os meninos olhavam, admirados, para tudo aquilo.
Mulheres - mães - vinham com uma luz de vela e ficavam em frente à casa.

E davam, em palavras e gestos, o seu amor para a mãe e os meninos.
Eram solidárias nesse sentir de incúria, relaxe e tudo o que se possa pensar nesses momentos.
Nesses instantes que parecem horas em que uma mãe se pergunta como foi incapaz de defender os filhos.
Se tomara todos os cuidados, se coagira liberdades para que os perigos não assaltassem os seus filhos...
Como pôde ela deixá-los à mercê de pessoas que usaram a sua influência e boa posição, reconhecida por todos?
Pessoas que eram consideradas "insuspeitáveis" por essa mãe que se julgava, ela mesma, cuidadosa.
Zelosas de situações descabidas, com o querer consolar essa mãe e os filhos, estavam ali todas aquelas mulheres.
Paredes cheias de luz e flores.
A mãe e as crianças agradeceram. Estão a tentar esquecer e dar nova oportunidade a si mesmos. Dar a si próprios oportunidade de esperança.
Porque se há indivíduos menos que animais, há pessoas de verdadeira excelência.
Será a humildade um sinal a procurar, para encontrar pessoas equilibradas em pensamentos e acções de boa moral?
Será, pelo menos, um dos sinais?

2007-01-08

O indivíduo... e a pessoa

8 de janeiro de 2007

As pessoas que detêm cargos ou funções de importância pensam que as suas famílias, talvez por inerência, também são importantes.

Ou que as suas atitudes morais "passam", como questões genéticas, de uns para outros.
Mas não é assim, cada pessoa é um indivíduo.

E assim como na nossa pessoa surgem ocasiões em que se é mais altruísta ou mais egoísta, o mesmo acontece nas famílias.
Uns são melhores, outros, menos bons.
A educação é importante mas a capacidade de interpretação de quem recebe é tão ou mais importante.

A educação cabe ao mais responsável.
A adaptação às situações revela a personalidade instintiva de cada um.
E só o próprio tem possibilidades de se disciplinar em atitudes melhoradas - ou não - conforme as suas convicções.
É assim que o povo diz "no melhor pano cai a nódoa".

Pois é verdade que aquele que hoje é melhor, pode amanhã estar mal porque não resistiu à tentação.
Pela vida fora, há de tudo para fazer divergir ou denegrir um pensamento correcto.

Correcto em integridade, já se vê.
E a responsabilidade dessa manutenção é exclusivamente do próprio.
Seja qual for a situação, cabe ao próprio - pela força da vontade - agir da melhor maneira possível e poder olhar para trás, dizendo sempre que fez o melhor que sabia.
Pela vida fora, temos sempre que auto-vigiarmos as nossas atitudes e pensamentos espontâneos.
Uma coisa é certa: enquanto o pensamento instintivo ou espontâneo não for correctamente íntegro, o indivíduo não chega ainda a ser uma "pessoa".
É apenas um indivíduo a progredir moralmente.

2007-01-07

Sophia de Mello Breyner # Não se perdeu nenhuma coisa em mim

7 de janeiro de 2007

...Não se perdeu nenhuma coisa em mim.
...Continuam as noites e os poentes
...Que escorreram na casa e no jardim,
...Continuam as vozes diferentes
...Que intactas no meu ser estão suspensas.
...Trago o terror e trago a claridade,
...E através de todas as presenças

...Caminho para a única unidade.

de Sophia de Mello Breyner Andresen
in "Poesia I"
.

2007-01-06

Outra oportunidade

6 de janeiro de 2007

Estou cheia de frio e, de vez em quando, sinto ondas geladas por todo o corpo.

Dizem que é a febre a subir.
Ela está num poço escuro, com água escura e gelada até à cintura. Treme de frio.
Outra ela, está na praia, gelada e inconsciente, apanhando constantemente com as ondas que vão subindo pela areia.

As águas são límpidas mas frias. Muito frias.
A outra treme também, recuperando lentamente a consciência.
Estas parecem estar num pesadelo.

Mas ainda outra está também gelada, numa cela, no fundo duma prisão.
Todas lembram bons tempos, com calor, água limpa e morna para um bom e perfumado banho.
As recordações correm entre o angustiante, a pena de si próprias e a esperança de que algo aconteça para se livrarem de tudo aquilo.
Uma pensa que está com gripe, outras num pesadelo.

A esperança é um fio coordenador da sua reacção.
Tudo se mantém em semi-escuridão.

Adormecem e acordam na mesma situação.
E por várias vezes sucede o mesmo.
Uma a uma, vão utilizando estes tempos em preces a um Deus ou algo superior que lhes dê coragem para aguentar e a lucidez para encontrar o momento da liberdade.
A nenhuma passa sequer a ideia de não conseguirem libertar-se desse pesadelo que vivem nestas horas.
De modos diferentes, acabam por sair dos pesadelos e encontram-se num campo, numa planície, com um céu rosa que prenuncia, finalmente, outra oportunidade.
Olham-se com espanto, não tanto por estarem ali juntas, mas porque têm a impressão de se conhecer antes deste peculiar encontro.
Abre-se um túnel entre as nuvens e finalmente aparece, ao fundo desse túnel, a luz brilhante e amarelada de um sol que nasce.
Elas juntam-se numa só que corre em direcção à luz do sol nascente.
Porque o sol quando nasce é para todos, dizem.

2007-01-05

(Re)encontros

5 de janeiro de 2007

Estava à porta na sua cadeira de rodas esperando calmamente, como sempre.

Estavam a pintar a cadeira de branco e ela olhava admirada, e também agradada, essa alteração. A comadre, que nunca chegou a conhecê-la bem, esperava-a junto à estrada, branca como agora a cadeira também já estava.
Começaram logo a falar do que tinha acontecido a uma e a outra.
Começava agora ali uma amizade que ambas antes quiseram, mas para a qual não tiveram oportunidade.
Muitas coisas a impediram.

Coisas pequenas: mexericos e opiniões que não eram para ser dadas mas que eram "puxadas" em conversas de futilidades, como é característico destas conversas mais inúteis que conversação de jeito.
Agora, calmamente, as duas já velhas e com todo o entendimento que a sua existência lhes dava, falavam do que deviam e, com toda a dignidade, foram subindo a estrada, muito devagar.
Outra senhora apareceu e, com satisfação, olhou e cumprimentou a recém-chegada.

Haviam sido amigas de juventude e ambas haviam criado a filha desta outra, num sistema de maternidades trocadas.
Estas amigas de juventude, que afinal eram irmãs apesar de ainda só uma ter conhecimento disso, também tinham muito que falar.

Metade de vidas que ficaram separadas.
Tantas coisas para esclarecer e saber, aprendendo sempre...

Aprendendo sempre que o que parece, raramente assim é na realidade completa das coisas.
Estejamos sempre atentos ao que nos rodeia e a nós mesmos, ao nosso próprio conhecimento para não perdermos a oportunidade da Amizade.

2007-01-04

Ramos e pacotes

4 de janeiro de 2007

Atchim, atchim, aaaatchimmmmm - mas olhem que eu não estou constipado!

De vez em quando é assim, não consigo evitar! Mas não estou constipado!
- Pois eu estou e, desta vez, atacou-me a garganta, a malvada...
- Quem?
- A gripe!
- Ah, essa dá para tudo. Dores nas costas, no peito, dor de cabeça e nos músculos todos. Às vezes nem dá para mexer.
- Eu também estou engripado mas o que me dói é o estômago. Até tenho vómitos.
- Pois eu estou óptimo. E quero chegar assim aos cem.
- E que fazes para isso?
- Todos os dias tento lembrar o agradável e o desagradável.

Dos primeiros, faço um ramo de flores.
Dos segundos, faço um pacote e deito no lixo.
Isto tudo em imaginação, está claro.
Depois, respiro fundo várias vezes e começo a viver o meu dia pondo toda a dedicação naquilo que faço.

Às vezes chego triste ao fim do dia, outras vezes muito satisfeito comigo mesmo porque fiz aquilo que achava que deveria ter feito.
- Isso também resulta para curar gripes ou, pelo menos, melhorar?
- Não faço ideia. É só tentar e logo se vê se resulta...

Mas o resultado é sempre bom.
Nem que seja por outra razão que não a tua gripe.

2007-01-03

Há dias e dias

3 de janeiro de 2007

É assim! Há dias azuis e dias negros.
Os negros servem para darmos mais valor aos azuis, que hão-de voltar.
Isto porque tudo é circular ou ondulante nesta vida.
Por outras palavras: o que vai, volta, e o que vem, há-de ir outra vez.
Alguém comparou a vida às ondas do mar.
Ora estamos na sua espuma e somos enrolados quando menos se espera, ora mergulhamos e caímos de chapa no chão - de areia ou rochas - conforme a nossa incapacidade.
Deve ser especial para surfista, mas a comparação é perceptível.
A diferença maior é que, como os surfistas, há quem goste.
E há quem se isole com pena de si próprio, em angústia e dor.
Maior dor é, contudo, não viver o melhor que se puder.
Vemos pessoas abnegadas de amor, que se sacrificam constantemente pelos outros e têm sempre um sorriso reconfortante no rosto.
Será delas esta vida e outra maior (para os que acreditam) em liberdade.
Liberdade no sentido de libertação dos seus interesses, libertação de si mesmos; das dores e desgostos, como se estivessem a planar suavemente pela vida e nada os atingisse.
Ou a liberdade de que nada do que acontece os interessa, a ponto de viverem os dias simplesmente à espera que tudo acabe... um dia?
De qualquer modo, se calhar o mais importante é a liberdade perante os interesses desta vida.
Liberdade de poder optar pelo que julgam melhor, sem fazer contas aos seus interesses, mas apenas pela moral dos seus sentimentos e emoções.

2007-01-02

Boas Festas

2 de janeiro de 2007

No céu azul claro vêem-se palácios de vidro, iguais aos contos de fadas.

Os vidros cintilam ao sol, com a força da sua luz.
A luz é tal que ofusca o olhar.

Figuras que parecem também ser de vidro, movem-se lenta e harmoniosamente.
Parecem pairar como as nuvens, mas é um modo de comparar porque estão sempre a deslocar-se de um lado para o outro.
Tudo parece ocorrer atrás de um véu finíssimo que filtra a luz do nosso olhar.

Parece um sonho de encantar e só pode ser um sonho.
Tocaram. Pois, tocaram à porta!
- Olá, bons olhos vos vejam. Tanto frio, tanta constipação...

- Ena, uma bolsa cheia de remédios.
- Ah, a casa está quente!
- Agora está porque vocês já chegaram.
- Obrigada pela delicadeza.
- Trouxeram comidas e bebidas...
- Então, assim faz-se uma reunião do nada!
- Do nada não, do contributo de nós todos.
- E que estavas a fazer?
- Acho que estava a sonhar com mundo lindo e luminoso cheio de palácios.
- Isso é de veres tanta publicidade.
- Não! Acho que eram os meus desejos de Boas Festas.
- Boas Festas também aos Reis desse palácio ...

2007-01-01

Merecimentos

1 de janeiro de 2007

Um qualquer filme anuncia que "não estamos sós" e transforma-se num filme de terror.
Mas se aceitarmos essa afirmação como certa, então há outra - também razoável e lógica - que é não estarmos sós pois conseguimos ajudas sem sabermos como isso é possível.
Se calhar, porque nada é impossível.
E sempre que considerarmos não estar a sós com o que vemos e ouvimos, simplesmente, temos também que considerar que isso tanto é válido para o negativo como para o positivo.
Porque, como afirma a ciência matemática e a física, tudo tem o seu contrário.
Considerando estas questões, resta-nos escolher o nosso caminho, a nossa opção, segundo as nossas escolhas.
Não há uma canção que diz ser a nossa vida, as nossas atitudes, uma direcção de vida pela nossa honra? Uma questão de honra!
Sem dúvida que todos os dias optamos e tomamos decisões que têm a ver com a nossa honra. Como anúncios de néon na noite, assim é a nossa consciência e os avisos que nos envia.
Agir conforme a nossa identidade de sentimentos, mais do que só pelos instintos, é conseguir uma reacção mais completa de nós mesmos.
Na dúvida de agir contra nós mesmos - se não há vontade para ser o único diferente - é então preferível ficar quieto.
Ou afastar-se da situação, em vez de arriscar atitudes que apenas são dos outros.
No dia que passa, na vida que corre, sejamos - pelo menos - honestos connosco próprios.
Isso é o mínimo que nos devemos merecer.