Escritos de Eva

Aqui Eva escreve o que sonha e - talvez - não só. Não tem interesses de qualquer tipo nem alinhamento com sociologias, política, religião ou crenças conformes às instituições que conhecemos. Estes escritos podem servir de receita para momentos de leveza, felicidade ou inspiração para melhorar cada dia com bons pensamentos. Alguns poemas ou textos... Algumas imagens ou fotos... Mulheres e homens, crianças e idosos podem ler Eva e comentar dando a sua opinião.

2007-12-31

Bom Ano de 2008

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Os pais trabalham uma vida. De dia e em muitas, muitas noites em branco – por trabalho, pelos filhos, pela família.
Noites dedicadas às festas, quando eram novos, não contam.
Depois vem a carga dos anos, as doenças que paralisam e tornam dependentes.
E deixam de poder viver sozinhos. Passam a estar ora com um filho, ora com outro.
Ou, apesar de tudo, ficam sózinhos. Logo se vê o que comem e se conseguem lavar-se e manter a casa.
Se não… que os vizinhos os cuidem.
Claro que também podem ir para um lar de terceira idade.
Alguns são de luxo, outros nem parecem ser para pessoas.
Os de luxo têm tudo a preços exorbitantes – fisioterapia, remédios, limpeza, médicos, etc.
Mas há algo que não tem preço porque está acima de tudo o que pode levar essa etiqueta. É o amor, o carinho humano.
Felizmente há muita gente que dedica as suas forças a ajudar os que estão em idade avançada.
Que lhes provocam lágrimas de gratidão nos seus olhos tão enrugados.
Que os fazem olhar para cima, emocionados. Eles, que agora olham quase sempre para o chão. E não é só para ver onde põem os pés…
Felizes sejam os que dão tanta felicidade aos que já não podem com o peso dos anos e das doenças.
Bem hajam! Bom Ano de 2008 para todos nós, vós, eles!
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Imagem retirada da net

2007-12-30

Natália Correia # Ó Véspera do Prodígio - IV

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Creio nos anjos que andam pelo mundo,
Creio na deusa com olhos de diamantes,
Creio em amores lunares com piano ao fundo,
Creio nas lendas, nas fadas, nos atlantes,
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Creio num engenho que falta mais fecundo
De harmonizar as partes dissonantes,
Creio que tudo é étero num segundo,
Creio num céu futuro que houve dantes,
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Creio nos deuses de um astral mais puro,
Na flor humilde que se encosta ao muro,
Creio na carne que enfeitiça o além,
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Creio no incrível, nas coisas assombrosas,
Na ocupação do mundo pelas rosas,
Creio que o amor tem asas de ouro. Ámen.

de Natália Correia
in "Sonetos Românticos"
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2007-12-29

Sentimentos

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Idosos e cuidados que são necessários para eles.
São os remédios em grande quantidade.
São os colchões e protecções anti-escaras.
São as casas a temperaturas constantes por causa dos problemas respiratórios.
São as vacinas, ginásticas e fisioterapias.
São as "aulas" de música e teatro para se manterem activos e alegres.
São os jogos de mesa como damas, xadrez ou dominó, que entretêm e ajudam à concentração e raciocínio.
Em tudo, a preocupação é manter a alegria de viver.
Porque é essa que, nesta altura da vida, tem o papel preponderante.
Isto porque a maior parte perdeu o grande afecto das suas vidas - normalmente a esposa ou o esposo.
Porque os filhos já há muito tempo que vivem independentes sem precisar de nada.
Porque os netos também já vão tendo os seus próprios afazeres, especialmente nos estudos.
E porque a grande maioria deles não quer sentir-se dependente dos filhos mas, pelo contrário, continuar a sentir que são o seu apoio.
Quando finalmente se apercebem que isso já não é possível, quando as ideias os alheiam para muito longe, então sentem mais vontade dos cuidados, da aproximação familiar.
- Isso é orgulho? Ou querer manter a seu status na família?
- É mais, muito mais. É querer sentir-se válido para auxiliar os mais novos, que vieram depois deles e sob a sua responsabilidade.
Porque essa protecção passou a fazer parte dos seus sentimentos, do seu modo de ser.
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Idosos a praticar Tai Chi
(Imagem retirada da net)

2007-12-28

O futuro

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Na escuridão do céu brilham luzes por instantes.
Esses instantes permitem-nos continuar a vislumbrar o caminho.
Não estando perdidos, é bom confirmar a estrada sempre que possível.
Estradas alagadas, camiões que iluminam, por vezes em excesso, e encandeiam os carros mais baixos.
Olhitos brilhantes escapam-se rasteiros – são gatos vadios que vão trepando por onde podem, para não atravessar pela água que inunda a estrada.
A trovoada continua e os clarões, agora maiores, continuam a mostrar-nos o caminho. Há sítios em que nem se vêem as bermas.
Chegamos a uma vila, também mal iluminada.
Das janelas, a luz que transparece aparenta ser de velas ou semelhante.
Parece que as descrições do passado vêm até nós e quase achamos que as pessoas trazem lampiões nas mãos.
Mas não. Foi só durante a trovoada. No dia seguinte o sol brilhava.
Chegámos a pensar seriamente se tudo não fora sonho ou ilusão. Estradas secas, pessoas a passear, ou mais apressadas, enchiam as ruas.
Da tempestade nem uma palavra. Só falavam do lindo dia que estava.
Bem, a verdade é que o que passou – já passou!
E amanhã virá, por certo, outro dia a anunciar que o futuro é já ali!
Aliás, daqui para ali!
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Imagem retirada da net

2007-12-27

Os erros

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Inverno que continua. Chuvas, ventos frios, dias curtos e escuros.
As falhas de electricidade provocam sempre distúrbios nas casas, principalmente nos electrodomésticos e graves consequências nos equipamentos electrónicos.
Nas casas e apartamentos de prédios onde a segurança é controlada por equipamentos mais sofisticados a perturbação ainda é maior.
Por essa razão, por exemplo, uma família não podia sair de sua casa porque as portas com comando eléctrico trancaram, incluindo a que dava acesso à escada de segurança. Os elevadores, idem. As persianas eléctricas, igual, e ficaram todos às escuras até que viesse auxílio, através de outros vizinhos.
Os alarmes dispararam sozinhos e também tiveram de ser os técnicos a resolver o problema.
Mas passos largos são dados constantemente nas novas tecnologias, a favor da sociabilidade, apesar de, às vezes, o que se pensa bem - e para o bem comum - redundar em fracasso.
Na ciência e na tecnologia, como na vida, acontecem erros que nos obrigam a avançar mais depressa e melhor.
Os erros são sempre para ser ultrapassados pela qualidade, ou não teriam razão de ser.
E tudo tem razão de ser, de existir, de se tornar excelente.

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Imagem retirada da net

2007-12-26

Parabéns, mãe!

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Parabéns e muitas felicidades! Desejo assim porque já não pode ser pessoalmente.
Já não te posso comprar o perfume, como fazia.
Mas posso imaginar o teu sorriso e as palavras que poderias dizer, mesmo quando já só podiam ser murmúrios.
O teu olhar, os teus olhos de água - esses, posso continuar a vê-los a olhar para mim.
Onde estejas, que possas ser feliz.
E os parabéns que te dou, que possam ser tão doces como a palavra «mãe»!
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A Árvore da Vida
Gustav Klimt

2007-12-25

Green God - Eugénio de Andrade

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Trazia consigo a graça
das fontes quando anoitece.
Era um corpo como um rio
em sereno desafio
com as margens quando desce.
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Andava como quem passa
sem ter tempo de parar.
Ervas nasciam dos passos,
cresciam troncos dos braços
quando os erguia no ar.
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Sorria como quem dança.
E desfolhava ao dançar
o corpo, que lhe tremia
num ritmo que ele sabia
que os deuses devem usar.
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E seguia o seu caminho,
porque era um deus que passava.
Alheio a tudo o que via,
enleado na melodia
duma flauta que tocava.
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in "Poesia"
de Eugénio de Andrade
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2007-12-24

Véspera de Natal

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Véspera de Natal! Dia de reunião de familiares e amigos, para os mais tradicionais.
Ou de viagens e festas longe do sossego em casa, para os outros mais.
Ou dia de desolação, para os sem-abrigo.
Dia feliz e festivo ou dia para esquecer e passar depressa.
Dias que, do mesmo modo que os nossos gostos e desejos, mudam connosco e se transformam.
Dia que pretende também pontuar uma data de esperança por melhores qualidades, um pouco por todo o mundo cristão.
Jesus e os seus ensinamentos são lembrados anualmente como o melhor que podemos fazer por nós mesmos.
Abrir o coração à centelha divina que cada um pode desenvolver em si.
Promover assim, em melhores pensamentos e atitudes, o melhor progresso para cada um e, como um espelho, isso poderá reflectir-se pelo mundo fora.
Enquanto houver bons exemplos a seguir, e quem os queira seguir, estamos bem.
E estaremos sempre melhor, sempre que tivermos uma paz melhor nos corações.
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Voluntariado de apoio aos sem-abrigo

2007-12-23

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Bíblia Sagrada
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Lc. 2, 1-14
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Por aqueles dias, saiu um édito da parte de César Augusto, para ser recenseada toda a terra. Este recenseamento foi o primeiro que se fez, sendo Quirínio governador da Síria. E iam todos recensear-se, cada qual à sua própria cidade.
Também José, deixando a cidade de Nazaré, na Galileia, subiu até à Judeia, à cidade de David, chamada Belém, por ser da casa de David, a fim de recensear-se com Maria, sua mulher, que se encontrava grávida.
E quando eles ali se encontravam, completaram-se os dias de ela dar à luz e teve o seu filho primogénito, que envolveu em panos e recostou numa manjedoura, por não haver para eles lugar na hospedaria.
Na mesma região, encontravam-se uns pastores , que pernoitavam nos campos, guardando os seus rebanhos durante a noite. O anjo do Senhor apareceu-lhes, e a glória do Senhor refulgiu em volta deles, e tiveram muito medo.
Disse-lhes o anjo:«Não temais, pois vos anuncio uma grande alegria, que o será para todo o povo: Hoje, na cidade de David, nasceu-vos um Salvador, que é o Messias Senhor. Isto vos servirá de sinal para o identificardes: Encontrareis um Menino envolto em panos e deitado numa manjedoira».
De repente, juntou-se ao anjo uma multidão do exército celeste, louvando a Deus e dizendo:«Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens do Seu agrado».
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Edição de 1968 de Difusora Bíblica (Missionários Capuchinhos)
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Presépio
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O Sagrado Al-Corão
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19: 21 a 35
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21. Ela disse, “Como posso eu ter um filho quando nenhum homem me há tocado, nem eu tenho deixado de ser casta?”
22. Ele respondeu, “Assim será. Diz o teu Senhor, ‘Isso é fácil para Mim: e Nós assim faremos para que Nós possamos fazer dele um sinal para os homens, e uma mercê da Nossa parte, e é uma coisa ordenada´.”
23. E ela concebeu-o e retirou-se com ele para um lugar muito distante.
24. E as dores de parto levaram-na para junto do tronco duma tamareira. Ela disse, “Oh! quem me dera que eu tivesse morrido antes disto e tornasse uma coisa por completo esquecida”.
25. Então ele (anjo) chamou-a por debaixo dela, dizendo, “Não te aflijas. O teu senhor há colocado um ribeiro abaixo de ti;
26. E sacode na tua direcção o tronco da tamareira; isso fará com que frescas tâmaras maduras caiam sobre ti;
27. De modo que come e bebe, e refresca os teus olhos, E se tu vires algum homem, diz, “Eu fiz um voto de jejuar ao Clemente; por isso eu não falarei neste dia a nenhum ser humano”.
28. Então ela trouxe-o ao seu povo conduzindo. Eles disseram, “Oh Maria, tu fizeste uma estranha coisa.”
29. Oh Irmã de Aarão, teu pai não era um homem perverso nem tua mãe era uma mulher desonesta!”
30. Então ela apontou para ele. Eles disseram, “Como podemos nós falar a alguém que é uma criança no berço?”
31. Ele disse, “Eu sou um servo de Allah, Ele me há dado o Livro, e fez-me um Profeta;
32. E Ele me há feito abençoado onde quer que seja que eu possa estar; e há imposto sobre mim Oração e dar esmolas por tanto tempo quanto eu esteja vivo;
33. E Ele me há feito obediente para com minha mãe, e Ele não me há feito soberbo ou miserável.
34. Houve paz comigo no dia em que eu nasci, e paz haverá comigo no dia em que eu morrer, e no dia em que eu serei outra vez erguido para a vida”.
35. Tal foi Jesus, filho de Maria. Esta é uma declaração da verdade a respeito da qual eles duvidam.
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Edição de 2003 (texto árabe e tradução portuguesa) da Islam International Publications Lt.
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Em Nome de Deus o Clemente o Misericordioso

(caligrafia islâmica)
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2007-12-22

Torradas e café

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Flores cor de laranja. Não é uma cor habitual mas são tão bonitas assim a abrir em cachos e a cair pelos muros ou a enrolarem-se nos varões da varanda.
Os rosas e laranjas do pôr-do-sol reflectem mais um dia que passou e que se viveu.
Às vezes penso se não seria de o riscar no calendário.
Como uma tarefa feita e acabada – bem ou mal, melhor ou pior.
Mas isso era o mesmo que dizer que se vive a esperar a morte – o que seria sinónimo de uma enorme desilusão (ou ilusão) pela vida.
O que também não seria muito normal.
Não quero falar sobre o que é normalidade, que não é hora disso nem de relativos ou absolutos.
O pôr-do-sol parou estático
– Ou seja, o tempo parou.
- Não! Eu continuo a escrever. O que parou foi o pôr-do-sol. As flores também. Mas os carros e as pessoas continuam a mexer-se
- Queres dizer que a natureza parou e a humanidade continua a mexer-se.
- Sim, deve ser por força da rotina. Movem-se e fazem o que sempre fizeram. Eu incluída.
- Uma paragem do tempo e, se calhar, do espaço. Já agora…
- Qual das coisas para ti é ilusão?
- Nenhuma. A tua cabeça é que é diferente. Como se funcionasse noutra onda.
- Hum, que cheirinho a torradas e café…
- Olha, agora está a funcionar correctamente!
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Pôr-do-sol no Vale de Yosemite

Albert Bierstadt

2007-12-21

Família e amigos

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Aulas mais que acabadas, encontros entre amigos e colegas são sempre possíveis e bem aceites.
Tudo é desculpa para se juntarem – almoço, lanche, compras de prendas, troca de prendas, cinema, noites e divertimento...
Que sei eu? E há ainda os diálogos na Internet, até com os professores e amigos dos amigos à mistura.
Outros há que não saem de casa até Janeiro, se possível, sempre a fazer algo no computador ou ligados à televisão.
Um mundo de opções que não se sonharia quando eu era miúda ou já rapariga.
Mas levantava-me tão cedo (ou quase) como hoje e passava o dia entretida.
Só que o entretenimento eram tarefas dirigidas por adultos, exigentes e respeitados.
Ontem como hoje, muitos têm, nesta altura do ano, uma quadra festiva entre família e amigos.
Tanta controvérsia se ouve sobre o Natal e a sua simbologia, que hoje vai restando que mais vale um Natal por ano que nada.
E cada um que puder, faça um Natal todos os dias dentro de si, no seu coração, equilibrando amor e alegria.
Porque o resto… são restos.
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2007-12-20

Recordar

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Os carros passam, as pessoas também seguem a rotina do costume.
Ele não. Está em tratamento e tem a janela como reflexo da realidade.
Que bom poder seguir dali o dia-a-dia: aquele ritmo cansativo. Aquele chegar a casa, levar e trazer os filhos, passar pelo banco, pelo escritório, dar um saltinho ao jardim infantil. Levar o filho, mais o casaco, mais o boné, mais o triciclo, a bola, que sei eu?
Um carro cheio, as mãos cheias para um meia-leca que nos enche de alegria o coração e de preocupações quando adoece.
Agora é ele o doente. E, da sua janela, lembra como era bom e não tinha percebido.
Tinha tanta coisa… mas na pressa e no cansaço – oh! tanto cansaço – que já sentia...
Era tão grande o esforço de sair, entrar, trabalhar, mover-se.
Hoje tem o sofá e a janela.
Hoje é uma felicidade quando se consegue sentar no sofá, olhar a janela e recordar. Rotinas que reflectiam a sua vida.
Tudo passou. Está aí outro modo de viver.
E mais um pouco de vida.
Vida em que cada minuto livre da cama é um minuto de ouro.
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Maluda

2007-12-19

Anjo-criança

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Parece-me ver ali um anjo branco com um anjo-criança.
E a criança é invisual, com uns olhos lindos e muito escuros.
Ondas de estrelas pequeninas, de muitas cores, envolvem-nos.
Eles parecem esperar algo...
Aproximam-se gradualmente do pequeno, e dos seus olhos, pérolas pequeníssimas que lhe rodeiam a cabeça, como um anel, à altura dos olhos.
Não sei o que aconteceu, só sei que os olhos escuros ficaram a brilhar com todas as cores das estrelas que os rodearam logo no início.
Pareciam um espelho delas.
Eles (os anjos) sorriem e afastam-se!
- Então… e mais nada?
- Que querias mais?
- É que não tenho sono nenhum e essa história acordou-me ainda mais.
- Porque não ficas tu a pensar o resto da história, como gostarias que fosse? E podes assim adormecer no meio desses pensamentos!
- Boa ideia! Vou tapar-me, até à cabeça, para adormecer mais depressa! É que, às vezes, nos sonhos, é que estão as respostas, não foi o que me disseste no outro dia?
- Dorme bem, que essa lição já está apreendida!
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Imagem retirada da net

2007-12-18

O bébé e a estrada

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Um carrito, com mãe a conduzir e bebé atrás na cadeirinha.
Ele levantava a cabeça, conforme podia, para ver melhor a janela.
A mãe olhava-o pelo retrovisor e estava preocupada.
Ia falando com ele e, nesses momentos, ele olhava e atendia a direcção da voz.
Agora dois camiões gigantes cruzam-se entre fortes buzinadelas e cumprimentos.
Um tem que ultrapassar o outro aproveitando uma curva aberta.
É uma curva larga mas eles são enormes e a manobra é demorada.
Finalmente lá seguem eles e os carros ligeiros atrás.
A mãe dá mais atenção à estrada e o bebé lá continua a tentar libertar-se da cadeira e chegar melhor à janela.
Agora são motas e motoretas ruidosas que ultrapassam, rente ao carro.
E ele olha extasiado, boca semiaberta, olhos enormes, e quieto – completamente quieto, feito estátua.
O carro, por causa dos semáforos, pára em frente a uma vivenda com trepadeiras floridas (são floridas todo o ano. O clima é bom para elas).
O bebé lá vira a cabeça para ver melhor as trepadeiras.
Mas em todo o trajecto, o que ele mais gosta são as motas.
Está ainda indeciso se gosta mais das que parecem quase carros ou das que fazem barulho.
Estas últimas passam rente a ele e, às vezes, tiram o capacete e cumprimentam-no.
Ele gosta mas não sabe devolver o adeus. Só o sorriso.
Isso, ele faz bem. Tão bem como chorar.
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Imagem retirada da net

(sem indicação de autor)

2007-12-17

Modos de pensar

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Erros, descrenças, descréditos, trazem amargura quando finalmente os reconhecemos.
A amargura de querer voltar atrás e não poder. De querer pedir desculpa e já não estarem as pessoas visadas ao pé de nós.
De não haver possibilidade, de não haver entendimento.
Passados anos, se olharmos para trás, é fácil compreendermos de outro modo – e até oposto – o que nos aconteceu e achar que teria sido mais sensato termos ficado calados.
E, ao contrário, por vezes temos a impressão que, se tivéssemos dito tudo, talvez - como nós – outros tivessem melhorado a sua vida.
Porque o essencial é o entendimento, e erros todos fazemos: a trabalhar, a conduzir, até quando estamos parados.
Tudo pode ser uma ilusão dos sentidos porque a compreensão encaixa nos conceitos que tivermos.
Assim, se pensamos ou desconfiamos de algo ou de alguém, tudo se irá encaixar para confirmar essa ideia.
Se, pelo contrário, tivermos a disciplina de racionalizar o que acontece, metodicamente e sem preconceitos, é possível chegar a conclusões que se adeqúem melhor à realidade.
Para isso é necessário sentir o interesse do bem comum antes do nosso.
É necessário promover um hábito de método científico no nosso modo de pensar. Mais racional e menos emotivo.
- E depois ficamos frios e calculistas de modo a que as pessoas não interessam; só os objectivos!
- Não é para cair em tal insensatez. É sim para ser mais cordial e precaver-se de ilusões.
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Imagem retirada da net

(sem indicação de autor)

2007-12-16

Anunciação de Maria # na Bíblia e no Al-Corão

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Bíblia Sagrada
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Lc. 1, 28-38
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Ao entrar em casa dela, o anjo disse-lhe: «Salvé, ó cheia de graça, o Senhor está contigo». Ao ouvir estas palavras, ela perturbou-se e inquiria a si própria o que significava tal saudação.
Disse-lhe o anjo:«Não tenhas receio, Maria, pois achaste graça diante de Deus. Hás-de conceber no teu seio e dar a luz um filho, ao qual porás o nome de Jesus. Será grande e chamar-Se-á Filho do Altíssimo. O Senhor Deus dar-Lhe-á o trono de Seu pai David, reinará eternamente sobre a casa de Jacob e o seu reinado não terá fim».
Maria disse ao anjo: «Como será isso, se eu não conheço homem?»
O anjo respondeu-lhe: «O Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo estenderá sobre ti a Sua sombra. Por isso mesmo é que o Santo que vai nascer há-de chamar-Se Filho de Deus. Também a tua parenta Isabel concebeu um filho na sua velhice e está já no sexto mês, ela, a quem chamavam estéril, porque nada é impossível a Deus».
Maria disse então: « Eis aqui a escrava do senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra».
E o anjo retirou-se de junto dela.
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Nossa Senhora do Ó (Catedral de Évora)

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O Sagrado Al-Corão
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3: 46 a 49
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46. Quando os anjos disseram, ‘Oh Maria, Allah dá-te boas novas de uma palavra vinda de Si; o seu nome será o Messias, Jesus, filho de Maria, venerado neste mundo e no próximo, e daqueles a quem é concedida a proximidade a Deus.’
47. ‘E ele falará ao povo no berço e quando de meia idade ele fará parte dos justos.’
48. Ela disse, ‘Meu Senhor, como poderei eu ter um filho, quando eu não fui tocada por nenhum homem?’ Ele disse, ‘Tal é a maneira de Allah, Ele cria o que lhe apraz. Quando Ele decreta uma coisa, Ele diz-lhe: ‘Sê’ e isto começa a ser.
49. ‘E Ele lhe ensinará o Livro e a Sabedoria e o Tora e o Evangelho’;
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19: 17 a 22
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17. E menciona o relato de Maria no Livro. Quando ela se retirou do seu povo para um lugar olhando a leste.
18. E a si própria se encobriu deles, então Nós enviámos-lhe o Nosso Espírito, e ele apareceu-lhe sob a forma de um homem perfeito.
19. Ela disse, “Eu busco refúgio de ti com o Clemente, se tu temes Deus.
20. Ele respondeu, “Eu sou apenas um Mensageiro do teu Senhor, para que eu te possa conferir um filho justo”.
21. Ela disse, “Como posso eu ter um filho quando nenhum homem me há tocado, nem eu tenho deixado de ser casta?”
22. Ele respondeu, “Assim será. Diz o teu Senhor, ‘Isso é fácil para Mim: e Nós assim faremos para que Nós possamos fazer dele um sinal para os homens, e uma mercê da Nossa parte, e é uma coisa ordenada´.”
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Em Nome de Deus o Clemente o Misericordioso
(caligrafia islâmica)
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2007-12-15

Ferrugem

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Ferrugem. Sim, ferrugem – é o que têm os ferros do varandim. Bem e, se calhar, os do portão.
Pois agora só para o ano é que vou ver isso com “olhos de ver” porque os dias estão muito pequenos e os trabalhos assim não rendem.
- Não rendem?
- Pois não, porque vão acumular com outros já marcados. Isto de trabalhar por conta própria retira as hipóteses de horário fixo.
- Aham… quem te ouviu e quem te ouve…
- A minha vida dá muita volta, não dá? Mas estou melhor comigo mesmo.
Se exijo, é a mim e já não sinto necessidade de “despejar o saco” pelos não-quereres dos outros.
- Arrogantemente só?
- Não. Individualmente só. Cada um tem o seu ritmo de trabalho. Nem melhor, nem pior, são diferentes capacidades.
- É verdade que chegamos todos ao fim – uns chegam é primeiro que outros.
- Olha, vamos desfrutar a vista do pôr-do-sol aqui da janela.
- Já viste os dourados que dá aos ferros?
- Nem se nota o defeito.
- Pois não, com esta luz tudo fica mais bonito!
- Até nós!
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Gaudi

(pormenor de um dos portões de ferro no Parque Guell)

2007-12-14

Rumores

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Dia de temporal ao fim da tarde. Uma tarde bem curta de Inverno.
Das copas das árvores, sempre frondosas, dezenas de pássaros chilreiam.
E são de várias espécies, desde pardais a pombos e melros.
Em voos rápidos e cada vez mais numerosos, parecem chamar-se uns aos outros para regressarem aos abrigos.
Este rumor de passarada dura mesmo até ao anoitecer.
A noite traz a impressão do temporal ir aumentando.
A manhã seguinte, em compensação, é clara com nuvens altas e brancas.
Vem aí um fim-de-semana e as tarefas típicas desses dias.
Para os mais folgados, são dias de descanso.
Para outros são de afazeres constantes para, em dois dias, fazer o que se necessita para os cinco seguintes.
Hoje há mais vontade, talvez pelo sol, pela luz ou pelo calor que alguns inventam haver.
De mangas arregaçadas fazem-se limpezas, embeleza-se tudo o que se pode em cores de Natal.
Bem… cores de Natal são todas, porque o Natal é nascer.
Ou renascer para a vida, para a esperança e paciência renovadas a cada ano.
Todos os dias são também de Natal em nós. Assim como todas as horas ou minutos.
Todos os instantes podem ser sagrados, no melhor de nós a transparecer em tudo que pensamos, dizemos ou fazemos.
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Retirado da net (sem indicação de autor)

2007-12-13

Vidas

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A estrada cheia de gente, de nómadas que a utilizam para chegar a outro local. E mais outro e outro. Ciclicamente voltam aos mesmos lugares.
As crianças revêem os amigos de escola nas mesmas épocas, ano após ano, até acabar o seu tempo de escolaridade.
Vidas diferentes para nós, os das casas fixas e vida sedentária.
Eles estão habituados ao seu estilo de vida, nós ao nosso.
O deles carrega aventuras e liberdade de fuga fácil.
O nosso carrega a rotina e a segurança que retém.
Vidas de costumes diferentes mas a mesma humanidade periodicamente reunida em lugares comuns.
Modos de entender a vida moral e religiosa – tão estranhos.
Modos de viajar ou ficar – tão diferentes.
O que une será o aspecto comercial de interesse mútuo ou simplesmente o aspecto semelhante – o humano?
Serão também os casamentos mistos que ocorrem de vez em quando?
Serão os não preconceituosos, as liberdades de aceitação?
Será a vontade de conviver em paz?
A vida, uma média de 80 anos, não será para ser massacrada por convenções mas para ser vivida em harmonia e aceitação de cada individualidade, desde que pacífica e respeitosa.
Todos têm algo bom para oferecer de si.
Todos podem receber algo bom se forem receptivos.
- A vida será uma dádiva de troca constante e melhorada sempre a cada dia.
- Quero acreditar que sim!
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Jonathon Earl Bowser

2007-12-12

Dias de nevoeiro

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Dias de nevoeiro.
Dias de pagamentos de dívidas que não se entendem, por vezes, e que enevoam também o nosso raciocínio e o nossos sentir.
Que fazer quando se fez tudo o que se sabia e as dívidas continuam a chegar e a levar o dinheiro, que não podem levar… porque já não há, nem há onde o ir buscar?
Que fazer quando o nevoeiro lá fora é tão mais pequeno que aquele que tolhe o coração?
Que fazer se nem há onde ir pedir porque estamos todos na mesma situação?
Não há quem queira comprar as coisas, não há como conservá-las e não há como pagar os impostos – os esperados anualmente e os novos, tão desconhecidos.
Que fazer quando já não se pode fazer nada?
Que fazer quando não há forças para fazer o nada?
Alguém fez um dia um poster a dizer que, nas crises, o melhor é ficar quieto à espera que a crise passe.
O que o poster não referia era o que fazer se ela se repete, e repete e repete.
Se nos encontramos frente a uma parede de desespero a erguer-se cada vez mais assustadora.
Ou quando já não há forças, quando só resta uma centelha de ânimo.
A centelha da luz, a centelha da fé que nos move a esperança.
A esperança de que um dia será o dia do amanhã.
O amanhã em que já tudo isso passou… o amanhã da paz no coração.
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Kandinsky

2007-12-11

O tempo

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O tempo que se escoa ou que demora a passar.
O tempo das coisas. O tempo que desliza entre os dias e as noites.
O tempo da partida e do regresso. O tempo dos sonhos e o sonho que voltou com as tarefas cumpridas.
O tempo… sempre o tempo.
Tão importante e, no entanto, uma perfeita ilusão.
Mas a nossa vida rege-se por factores temporais, desde a contagem da vivência em anos (ou aniversários) às horas agendadas conforme os nossos deveres.
O tempo de sol ou chuvoso. De Outono ou Inverno. De alegria ou tristeza.
O tempo da nossa solidão ou da convivência. Da nossa ausência ou presença.
Hoje, ou ontem, dependente de uma cama ou de uma cadeira, o tempo parou.
Parou em tempo de espera, de paciência. Em tempo de partida.
Partiu de noite e deve ter chegado de madrugada.
Oh! Como brilhava no caminho, à chegada!
- Verdade que brilhava?
- Verdade! Um brilho suave de paz e estrelas…
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Salvador Dali

2007-12-10

Motivos

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Ouvia uma canção que, no seu poema, depois de enumerar uma série de vicissitudes, dizia que tudo era culpa de haver esquecido que o mais importante na vida era o amor.
Fez-me lembrar uma outra sobre guerras, guerrilhas e combates em que o combatente pedia ao seu Deus que não o deixasse esquecer, ou que o lembrasse, de amar até o que poderia ser ali o seu inimigo. Porque nunca vale a pena combater mas sim amar.
“Amar os outros como a nós mesmos” – uma frase mais que repetida e nem sempre praticada.
Porque não encontramos nela que reneguemos as nossas ideologias, nem nada do que é o nosso sentir, mas apenas que nos respeitemos, assim como aos outros, pela graça da força do amor fraterno.
Amor compreensão. Amor que consola, perdoa e acarinha as diferenças que vamos tendo.
Porque vivemos para progredir em nós mesmos, para conseguir ser melhores a cada dia e, se possível, constituir uma família segundo esse exemplo.
Se todos nos melhorássemos nos nossos deveres, talvez os almejados direitos viessem ter connosco.
Até porque deixaria de haver motivos para lutar. Os ressentimentos, as raivas e as desilusões seriam então integridade, verdade e alegria.
- Sonhaste com o paraíso bíblico?
- Ou tenho uma esperança do tamanho do mundo!
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Hope
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George Frederic Watts

2007-12-09

Renato Teixeira # Romaria

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É de sonho e de pó
O destino de um só
Feito eu perdido em pensamento
Sobre o meu cavalo
É de laço e de nó
De gibeira
O jiló desta vida
Cumprida a sol
Sou caipira pirapora
Nossa Senhora de Aparecida
Ilumina a mina escura
E funda o trem da minha vida
O meu pai foi peão
Minha mãe, solidão
Meus irmãos perderam-se
Na vida em busca de aventuras
Descasei, joguei, investi, desisti
Se há sorte eu não sei, nunca vi
Me disseram, porém
Que eu viesse aqui
Pra pedir de romaria e prece,
Paz nos desaventos
Como eu não sei rezar
Só queria mostrar
Meu olhar
Meu olhar
Meu olhar
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.de Renato Teixeira
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2007-12-08

Desculpas

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Favores que se retribuem em jeito de agradecimento.
Tratamentos que se fazem em troca de problemas que se causaram.
Comidas, doces, prendas que se dão, em ofertas plenas de satisfação.
Sentir aqueles dias de dever cumprido.
Que se alguma falta houve no passado, a boa acção de hoje balança e traz boas relações no presente.
Mas, na maior parte das vezes, não é suficiente se a intenção for uma simples troca de favores.
É deixar agradecido quem um dia suportou agravos, atitudes rudes e, porque não dizê-lo, cruéis, nalguns casos.
Oferecendo, há retribuição como um modo de pedir desculpa sem pedir.
O que falta então?
Nessas situações, como noutras, falta o respeito pelo sofrimento do outro.
Falta a consideração pela sua dor, falta o amor generoso de querer, de preferir que seja mais feliz que nós mesmos.
E pedir, oh!, pedir desculpas é tão gratificante para quem pede, sentindo-as.
É um descanso tão grande.
Uma paz e tranquilidade que parece que nasceu um céu – um paraíso – dentro de nós.
Todos cometemos erros e só são completamente ultrapassados quando as vítimas desses erros, e a sua felicidade, nos importam mais que a nossa própria.
Nessa altura um abraço é suficiente.
É amizade, é sermos mais que nós.
É sermos o melhor daquele «nós» de que ainda desconhecemos a capacidade.
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Antonella Affronti

2007-12-07

O outro

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Pensamentos, concentração, imaginação e fantasia são estados mentais.
O estado real interage com o mental.
Quando o pensamento e acção se correspondem, o indivíduo está em unidade mental e real – em equilíbrio.
Muitas pessoas imaginam, pensam até saturar-se de cansaço mental.
O pensamento é selvagem se não for disciplinado pela vontade e controlado pelos valores morais.
As palavras e atitudes podem, ou não, corresponder-lhes.
Daí que encontremos “sonhadores” perfeitamente acordados a caminhar, trabalhar e a falar connosco, mas a pensar mil e uma coisas diferentes.
A prática de anos neste tipo de atitudes dá consistência a uma divisão da personalidade.
Daí à incapacidade de atenção e concentração é um passo, apenas uma etapa do processo.
Hoje o individualismo generalizado pelas possibilidades de trabalho e lazer que as tecnologias permitem, tornam as pessoas mais pensantes que actuantes.
Se não se observarem os princípios de coerência, os pensamentos desenvolvem um “outro” dentro do indivíduo.
Outro esse que diz e faz o que o sujeito real já não consegue enfrentar realmente.
O desinteresse e a omissão em determinados assuntos, sobretudo nos ideais por que o indivíduo deve pugnar, começam a ser os mais comuns.
A correcção moral não deve ficar só no plano mental.
A integridade relaciona precisamente o pensamento e a acção real – unifica as partes do ser na mesma conduta.
Então o indivíduo sente a paz.
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Stan Wisniewski

2007-12-06

O Viajante

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Parecem águas de cores variadas – do azul ao verde, do amarelo ao branco e do laranja ao roxo, ao lilás e ao rosa.
Não lhes encontro recipientes. Apenas estão assim, em forma de lagos redondos e pendurados no céu.
E ondulam e movem-se e fazem splash se algo atinge a sua superfície.
Vão mudando as cores. São cores em tons pastel (ou suaves).
- Pois não, não brilham. São transparentes e são lindas.
- Que fazem? Ou para que servem?
- Ah! Servem para passar por elas.
- Para quê? Parecem funcionar como reflexos sucessivos de pessoas. Parecem desdobrar o indivíduo e juntá-lo também.
- Sim, sim, no fim é como se fosse um tratamento. Melhor dizendo, um tratamento enquanto viaja.
- Quem?
- Ora, o viajante!
- Se volta? Pois volta, volta logo, assim que queira.
- Então é livre...
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O Sono

Salvador Dali

2007-12-05

A verdade do tempo

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- Quantas vezes parece que imaginamos coisas e passados uns dias, meses ou até anos vivemos exactamente a mesma cena.
- Foi um saltinho ao futuro, só isso.
- O engraçado é que são pequenos acontecimentos, quase sempre sem importância de maior.
- Às vezes parecem avisos.
- Pois, é como dizes, um saltinho ao futuro.
- Também dava jeito dar outros saltinhos, mas ao passado e poder refazer o que o que deixamos mal feito ou até em omissão.
- Refazer?
- Tudo pode ser alterado no espaço e no tempo.
- Como na banda desenhada. Fazer novos desenhos dos episódios até ficar bem.
- Mas que conversa tão louca! Vocês não querem assentar os pés na terra?
- Qual? Esta aqui?
- Qual havia de ser?
- Pela conversa (como tu dizes), não faltariam hipóteses...
- Ora, o céu é azul e o teu fato verde. Isso é que é real e é verdade.
- Já Pilatos perguntou “o que é a verdade?”
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Salvador Dali

2007-12-04

Não sei!

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Estão todos à volta de um lago de águas serenas.
Estão sentados sem cadeiras, simplesmente assim, em posição sentada.
De vez em quando, um deles (ou delas) levanta voo até à bordinha do lago e estende a mão para a água.
Mais alguém vem chegando. Às vezes isoladamente, outras vezes em grupo.
Saem da água de pé, como se a água cobrisse degraus de uma escada.
Mas o lago é um lago e não um poço. Nem sequer é fundo... é assim..tal e qual.
Aparece primeiro um bocado de roupa a flutuar, como se fosse alguém vestido com uma t-shirt enfunada pelo vento enquanto aparece a nadar, meio dentro, meio fora da água.
Depois a figura aproxima-se e nada da margem para o lago.
A seguir, e para sair, agarra na mão que se estende para ajudar e parece subir dois ou três degraus para conseguir sair da água e pisar a areia.
A areia junto à borda é fina e muito branca.
A impressão que dá, daqueles que estão em posição sentada, é que se levantam para ir ajudar e receber alguém conhecido. Porque a ordem é arbitrária.
E vão indo todos embora na direcção do horizonte, com reflexos azuis claros, brancos e lilases.
Sem palavras, nem sorrisos, nem explicações.
- Olha lá, isso foi um filme?
- Não sei!
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Imagem retirada da net
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2007-12-03

Percepções

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O planeta Terra está no meio de universo, no meio das estrelas, como nas fotos que vemos tantas vezes.
Mas, aqui e agora, aparece uma outra luz. A luz de uma vela larga e baixa, redonda, cor creme.
Essa luz vem do espaço ou do universo que rodeia a Terra e aproxima-se dela, qual nave.
Conforme se aproxima, a luz fica em frente à Terra, iluminando-a na totalidade. E, surpresa das surpresas, espalha-se agora por todos os seres vivos, iluminando as cabeças, especialmente as dos seres humanos.
Todas as cabeças se tornam semelhantes a lâmpadas de vidro transparente, mostrando, todas elas, o cérebro em luminosa actividade.
Por todos os países, em todas as regiões, doentes mentais saem porta fora das clínicas onde estavam em tratamento, porque de repente perceberam o que lhes estava a acontecer.
- E tu, percebeste?
- Eu? Não!
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Space Light
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M. Célia

2007-12-02

António Gedeão # Poema da Malta das Naus

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Lancei ao mar um madeiro,
espetei-lhe um pau e um lençol.
Com palpite marinheiro
medi a altura do Sol.
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Deu-me o vento de feição,
levou-me ao cabo do mundo,
pelote de vagabundo,
rebotalho de gibão.
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Dormi no dorso das vagas,
pasmei na orla das praias,
arreneguei, roguei pragas,
mordi peloiros e zagaias.
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Chamusquei o pêlo hirsuto,
tive o corpo em chagas vivas,
estalaram-me a gengivas,
apodreci de escorbuto.
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Com a mão esquerda benzi-me,
com a direita esganei.
Mil vezes no chão, bati-me,
outras mil me levantei.
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Meu riso de dentes podres
ecoou nas sete partidas.
Fundei cidades e vidas,
rompi as arcas e os odres.
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Tremi no escuro da selva,
alambique de suores.
Estendi na areia e na relva
mulheres de todas as cores.
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Moldei as chaves do mundo
a que outros chamaram seu,
mas quem mergulhou no fundo
do sonho, esse, fui eu.
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O meu sabor é diferente.
Provo-me e saibo-me a sal.
Não se nasce impunemente
nas praias de Portugal.
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.in "Teatro do Mundo"
.de António Gedeão
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