Escritos de Eva

Aqui Eva escreve o que sonha e - talvez - não só. Não tem interesses de qualquer tipo nem alinhamento com sociologias, política, religião ou crenças conformes às instituições que conhecemos. Estes escritos podem servir de receita para momentos de leveza, felicidade ou inspiração para melhorar cada dia com bons pensamentos. Alguns poemas ou textos... Algumas imagens ou fotos... Mulheres e homens, crianças e idosos podem ler Eva e comentar dando a sua opinião.

2006-07-31

O motoqueiro

31 de julho de 2006

Uma cidade à beira mar iluminada apenas pelo crepúsculo.
Os tons que ainda a iluminam vão do vermelho-tijolo aos tons de castanho/preto.
Vamo-nos afastando da margem como se fôssemos num barco.
Conseguimos vê-la quase como um postal desdobrável em toda a extensão da sua marginal.
E seguidamente, a sua imagem começa a afunilar-se no vértice do nosso triângulo visual.

Mergulhados no anoitecer navegamos no mar.
Surge entretanto uma sombra de motoqueiro típico, com lenço a sair do capacete e a boa velocidade.
Parecia gozar o vento deslocado pela sua grande moto preta.
Pára de repente no meio de um deserto, entre alguns arbustos, casas velhas e abandonadas.
Começa a cortar o solo de areia como se fosse faca em manteiga.
Do seu corte saem esqueletos inteiros. Espantados, levantam-se e olham todos para nós, incluindo o motoqueiro, que sorri.
Os esqueletos vão-se afastando e, dizendo adeus para nós, começando a andar mais depressa.
Percebemos então que estão a ver conhecidos nas ruínas e que vão a um reencontro há muito esperado.

2006-07-30

Teolinda Maria Gersão # Ladaínha

30 de julho de 2006
.
por todos meu deus peço por todos
pelos sapos pelas cobras pelos burros
p'los peitos murchos sem calor nem leite
p'las bocas mudas sem luar nem beijos
pelos frutos que morrem nas sementes
por não terem coragem de nascer
p'los feios p'los sem sol p'los indiferentes
p'los que gastam a vida sem desejos
no desejo insatisfeito de viver
.
de Teolinda Maria Gersão
in "Poemas"
.
.

2006-07-29

Desejos

29 de julho de 2006

Ponto de encontro. Encontro de poucos em nome de muitos.
Todos querem falar. O tema das conversas torna-se convergente – é sobre o desejo.
A capacidade de desejar algo melhor para a própria vivência e para a felicidade dos que lhe são próximos.
A capacidade de alguns desejarem bem e de outros nem sequer conseguirem fazer uma pausa de paciência e bondade nas suas vidas tão apressadas e ao mesmo tempo tão presas de movimentos de libertação da rotina instalada.
Desejos conscientemente sentidos de ser como as aves que voam sem olhar para o que já passou.
Desejos de ser como as flores do campo que apenas nascem e brilham para o Sol de cada dia.
Desejos de ser como as árvores que até no mesmo lugar se erguem orgulhosas das suas folhas novas para os céus.
Desejos de ser como as águas dos rios que se dirigem para o mar e aí conseguirem fazer parte da unidade maior das águas no planeta.
Desejos de guiar os seus mais queridos na segurança da integridade e verdade pela vida fora.
Desejos de transformação constante como as pedras preciosas que se debatem e lascam até brilharem.
Desejos de ser melhor a cada dia que nasce o sol.

2006-07-28

Dúvidas e estranhezas

28 de julho de 2006

Uma sala de reuniões ou conferências.
Os tons da decoração são gradações de azul.
O tecto é o céu, o chão são os países da Terra, as paredes estão abertas e delas só se vêem colunas a servir de pilares.
O ambiente é de penumbra.
Muita gente espera para ouvir ensinamentos novos de entendimento sobre a felicidade na sua vida. Esperam também para inquirirem das suas dúvidas e estranhezas e problemas.
Alguns, poucos, esperam oportunidade para atentar contra este espaço. E contra os que oferecem o seu tempo para ensinar desconhecidos sobre os seus conhecimentos.
Poucos se aproveitam das dádivas para malquerer e maltratar os que a tanto se dedicam.
Mas os que aproveitam os ensinamentos, os que evoluem, são sempre em número superior às expectativas.
A penumbra vai sendo iluminada por jorros de luz que caem como centelhas ou como os foguetes de lágrimas.
Todos ficam entre a penumbra e o jogo de luzes.
Alguns desiludem-se das suas vontades e ambições.

Muitos armam-se de novas energias para a sua labuta diária.
Todos levam de volta ao lar um mundo de ideias novas.

E o ensejo de outras vidas para descobrir imediatamente, no seu tempo.

2006-07-27

O grão de areia

27 de julho de 2006

O erro e a dor são comparáveis ao grão de areia nas ostras.
Ou às tempestades, no caso de serem mais gravosos os erros.
Nas ostras o grão de areia é encontrado e envolvido com toda a sua "seiva" até se transformar numa pérola.
Nas tempestades, os raios e trovões limpam e afastam os excedentes que impedem a harmonia da natureza.
A seguir vem a bonança, tão valiosa quanto desejada.
É assim que em qualquer situação menos agradável, temos a possibilidade de aprender com a dor que essa situação nos causa. Ou com o erro, se o conseguirmos enfrentar e identificá-lo como tal.
Dessa aprendizagem podemos reagir com estados de amargura e desilusão que nos "atiram para o chão" da nossa existência.
Ou podemos reagir às primeiras sensações, sempre contraditórias, e analisá-las projectando-as ao encontro da verdade e da integridade.
Dessa projecção limpamos da memória o que é desnecessário, enriquecendo-nos quanto possível, de modo a transferir as reacções para q.b.

2006-07-26

Imagens

26 de julho de 2006

Imagens - feias ou bonitas. Grandiosas ou macabras.
Elas preenchem a nossa vida, os nossos dias.
Os nossos ideais também se revestem de imagens. As nossas.
Também são nossas as que povoam os nossos sonhos e que traduzem as ânsias e expectativas.
Ou as que revelam as respostas que precisamos saber.
Ou ainda as que despejam os avisos dos nossos traumas e erros por resolver.
Todo o tipo de imagem que projectamos simboliza o que somos.
Por vezes somos heróis e fadas. Outras, os perseguidos em fuga enervada.
Por vezes perdemo-nos completamente no retorno.

E então aí parece que saímos para sempre de nós mesmos e acontece o desvario do medo.
Do descalabro que ora aflige, ora empurra na procura.
Seja como e onde fôr, procuramos sempre - por instinto ou reflexo - a felicidade.
Hoje pareceu-me importante criar imagens de felicidade que possa recordar e também encontrar, se me perder.

2006-07-25

O paciente

25 de julho de 2006

Gestos circulares. E circundantes entre duas pessoas.
Um é o curador e o outro o que está a ser curado.
Ou, dito de outro modo, um é o médico/enfermeiro e o outro é o doente/paciente.

Paciente na acepção de paciência porque é preciso muita, para uma vida inteira.
Após todos os exercícios de tratamento, o doente pôde reeerguer-se.
Assimilar de novo o ar no seu corpo ainda débil. Tenta movimentos, dantes tão usuais mas que presentemente lhe são impossíveis.
Demasiado amargurado não consegue impôr a sua vontade ao corpo.
A dor da desilusão é tal que cai de bruços.
Mesmo nessa posição rente ao chão, consegue reagir por si mesmo, sabendo que é da sua vontade que se alimenta a sua mente e, por ela, o seu corpo.
Respirando o melhor que consegue, levanta-se e se pode desejar algo é que ninguém sofra como ele está sofrendo.
Possa este sofrimento aliviar o de outros, semelhantes ao seu.
Possa ultrapassar-se a si próprio e, nas suas melhoras, restabelecer-se enfim.
Desejos que conseguem projectar pensamentos bemfazejos.

2006-07-24

A missão

24 de julho de 2006

Como Vénus, de uma concha renasceu uma mulher, já de cabelos brancos e bastante doente.
Da concha pequenina onde estava o grão de areia formou-se uma pequena pérola e ficou lá.
A concha foi crescendo e quando abria para respirar e ver melhor as águas que a rodeavam, a pérolazinha saltitava no seu interior.
E a concha cresceu, cresceu. Cresceu tanto que o seu lugar no fundo das areias já não chegava.
E teve que subir à superfície. Aí os perigos levaram-na em fuga para uma enseada.
Era agora uma concha enorme e a pérola já não se mexia. Na orla da água e da areia já não podia mais e teve que abrir.
Ais de espanto por todo o lado.
Dos pássaros, das abelhas, dos peixes e dos outros animais.
Até as frutas e folhas das árvores estavam espantadas.
A pérola estava agora na mão de uma rapariga verde água que saía da concha.
A concha cumpriu a sua missão. A pérola iria agora conduzir a rapariga na sua.
Os deveres são para ser cumpridos.
É uma lei. Igual para todos.

2006-07-23

Maria Aliete Galhoz # Mulher Com Menino Nos Braços

23 de julho de 2006

...Aconteceu assim e nem sequer é um conto.
... ... O apontamento que tenho é desse dia, reli-o, senti-o vivo e dá-me vontade de contá-lo assim mesmo, porque hoje eu já não escrevo bem daquela maneira, mas não importa, aqui a literatura é o menos, o mais é que se passa por vezes tanto tempo sem um gesto de fraternidade que somos desertos secos onde não cai chuva, e nós precisamos de irmãos como o nosso corpo de pão ou então a vida é morta em nossa vidas.
... ... Sob a protecção precária das telhas sublinhadas e de um jasmim do cabo todo aberto em flores amarelas, a presença da mulher com três crianças. Um bebé embrulhado em trapos limpos, que tinha nos braços. Dois meninos pequenos sentados a seu lado e que comiam pão a grandes dentadas sôfregas que quase pareciam felizes. Vieram ao meu encontro os olhos dos meninos com sua curiosidade respondendo à minha sem mal nem medo. Depois foi a mulher fitando-me de outro mundo, com aquela força de inocência pisada e que se fica como um pasmo admirado em certas vidas.
... ... Fitei-lhe os olhos que me fitaram também, azuis, de um puríssimo azul, com sua névoa luminosa de quem aprendeu lágrimas caladas. Sorriu-me e não sei que lhe fez sentir a urgência necessária de ser generosa comigo. A resposta angustiada dos meus olhos escondeu-se no gesto de me curvar para lhe acarinhar os filhos. «Quer comprar alguma coisa?» Apenas as bugigangas misturadas do comércio de quem não sabe ainda, de quem não é capaz de mendigar.
... ... Abri a minha mão no canto onde as moedas faziam um pequeno troco magro. Ela não protestou nem agradeceu, deixou-me escolher, desajeitada, a minha compra irrisória. Corei. Os seus olhos fitaram-me de novo com seu azul magnífico, avaliaram-me toda, um sorriso abriu-lhe uma vivacidade no rosto. Remexeu num saco que tinha ao lado, tirou qualquer coisa lá de dentro, limpou na manga do casaco, pôs-me na mão, «isto sou eu que ofereço à senhora». Um espelhinho redondo com sua orla de plástico vermelho, ingènuamente feio. Fechei a mão sobre ele.
... ... Lembro este nada que se passou com a consciência de uma cobardia pesando sobre mim e ao memso tempo com a comoção humilde de quem viveu um milagre.
...Aliás já mo disseram com a brusquidão dos amigos certos «você é traidora». Perguntei porquê, todos nós queremos uma estimativa de maior valia, é humano também. A resposta foi só «porque sabe». Calei-me, já nada tinha a argumentar, a verdade às vezes obriga-nos ao respeito de que ao menos se sofra calado.
...Quem és tu para me chamares de irmã?

in "Não Choreis, Meus Olhos"
de Maria Aliete Galhoz
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2006-07-22

Um encontro

22 de julho de 2006

Voando a rasar os prédios e árvores de uma cidade.
Está tudo a preto e branco ou, melhor dizendo, a cidade está cinzenta e matizada de preto e branco.
Descendo, vêem-se as ruas e algumas pessoas que passam de carro ou caminham de um lado para o outro.
Parece que está ali um homem, já velho, que lembra alguém conhecido. Está parado no meio do passeio e parece algo indeciso.
Uma bola de luz ergue-se no céu. É o amanhecer e, então, a luz vem pintar tudo o que alcança.
Aproximando-nos do velhote, percebe-se que está mesmo perdido pois não se lembra de chegar ali.
E também não sabe onde é o "ali".
Mas lembra-se de, em novo, ter vivido numa cidade parecida. Maios ou menos por ali era o prédio.
Notando a nossa presença, semelhante à dele e alheios aos outros todos que passam por nós indiferentes, resolve perguntar se podemos guiá-lo de volta.
De volta, não podemos.
Mais para além sim, é possível se ele quiser e desejar. A confiança fez lugar no encontro.
Seguimos então com mais um convidado.
O dia estava radioso de tolerância e luz.

2006-07-21

Dimensão

21 de julho de 2006

Dimensão da sala. Dimensão dos projectos.
Dimensão do espaço. Dimensão das leis.
Dimensão dos homens. Dimensão das suas capacidades.
Quem poderá medi-las? Os cientistas quererão - talvez.
O próprio homem está geralmente mais interessado na dimensão da sua importância - familiar, social e económica. A dimensão dos poderes materiais.
Noutra dimensão, a natureza mostra os seus poderes no belo e no tormentoso.
É a natureza que nos envolve desde tempos imemoriais.
Seja protegida ou não pelo homem. Esteja em desiquilíbrio ou não pelo homem.
É sempre ela que nos permite sobreviver.
Respirando, hidratando e curando.
Curando as ideias e o corpo, permitindo o equilíbrio de forças ao ser humano.
O mesmo ser que tanto a desrespeita e maltrata. Tanta irracionalidade assusta.
Esta é também uma lição de amor.

2006-07-20

O tratamento

20 de julho de 2006

Um homem leva um corpo, meio nos braços meio nos ombros.
Vai a voar e os olhos do corpo olham para os dois com assombro.
Nunca se vira em tal circunstância, a olhar para si mesmo a ser um carrego para outro levar.
E eles, olhos, ficam no sofá onde estavam a descansar há já algum tempo.
Bem, voltando à história, lá ia ele a voar com o outro.
Entretanto, reconheceu que era um seu amigo quem o carregava e relaxou.
E vê também que chegaram a uma espécie de consultório ou hospital.
Ou sala de cirurgias. Ou... algo parecido.
Nesta altura ele está como que pendurado por fio invisível no meio da tal sala.
O amigo senta-se a olhar para ele.
É observado por uma luz que lhe percorre o corpo todo e, de seguida, vê-se já numa maca a ser tratado com aqueles utensílios todos de médicos e a ser deitado cuidadosamente na maca.
O amigo então levanta-se e vai buscá-lo.
Trá-lo de volta, agora com mais cuidado e deita-o junto dos olhos que agora vão dormir.
Boa noite.

2006-07-19

Um pouco de perfume

19 de julho de 2006

Flores espalhadas por todo o lado.
Voam, poisam e algumas até estão a boiar. O seu perfume está também em todo o lado.
Um casal já idoso sobe para uma espécie de gruta.
Digo espécie porque as grutas dão-me uma sensação de escuridão e frio.
Mas esta tem o "tecto" muito alto, está cheia de luz rosa ou coral. Mais coral.
E tem um caminho largo, como uma estrada, no meio.
Ao fundo bifurca mas agora está lá uma pessoa à espera do casal.
Ela reconhece-o imediatamente e corre para ele.
O marido não parece dar conta da sua presença e ela leva-o como que a reboque dos seus passos rápidos.
Enquanto avançam pela gruta as suas figuras vão mudando e como que rejuvenescendo.
Fazem lembrar a si próprios nos seus trinta ou quarenta anos.
Se bem me lembro, foi a sua época de vida mais feliz, cheia de planos e sonhos sem fim.
Ele vira-se, depois de cumprimentar respeitosamente a pessoa que os espera, e pede para lhe enviarem as flores que viu à entrada da gruta.
Quando as recebeu, agradeceu e, já agora, que tal um pouco desse perfume?
Obrigado!

2006-07-18

A realidade

18 de julho de 2008

Como um emprego, é a realidade que enfrentamos.
Uns dias, o chefe tem boa cabeça para mandar. Noutros, ele é que deveria sair.
Como uma tempestade, é também a realidade.
A realidade abraça-nos com tanta força que caímos e nem sabemos como levantar e lutar outra vez.
Outras vezes, é como uma carícia amorosa. E quando é coisa boa é só parar e desfrutar.
Como o vento, é a realidade. Sopra, chega e vai nem se sabe como nem para onde.
A realidade também é como o arco-íris cheio de cores que se justapõem sem nunca se sobrepôrem.
A realidade só clama coragem e mais coragem. Fôlego e mais fôlego.

Forças onde parece que já não há.
E ainda pede vontade. Boa vontade para continuar o caminho.
Lembra um poema, que foi cantado : "caminhante não há teus passos no caminho, fazes o caminho ao andar" (adaptado do original).

2006-07-17

O um e o outro

17 de julho de 2006

Casal em constante discussão. Velhice em conjunto.
Doenças que, de origem diferente, causam deficiências semelhantes para o viver do dia a dia.
Tratamentos e médicos diferentes para resultados semelhantes entre ambos.
Perspectivas de vida quase opostas, mas que lhes permitem felicidade afim.
Modos de viver tão diferentes para resultados tão semelhantes.
Bem vistas as suas vidas, são tão próximas como as de muitos casais que se entendem constantemente e em harmonia.
Esses, contudo, completam-se até nas diferenças.
Conseguem ser um par ideal, ligados por um sentimento de amor sublimado por todas as épocas que viveram juntos.
Ajudando-se mutuamente no bem e no mal.
Carregando um o que o outro desdenhava.
Trabalhando o outro o que um não fazia.
Vivendo intensamente um o que o outro parava pacíficamente.
Equilibrando-se os dois em um só.
Ultrapassando a morte caminhando juntos, pois um vai indicar a estrada de luz ao outro, continuando a evoluir juntos.
Juntos sem fim.

2006-07-16

Alexandre O'Neill # O Poema Pouco Original do Medo (excerto)

16 de julho de 2006

.............................................
.
Ah -o -medo -vai -ter -tudo
tudo
(Penso -no -que -o -medo -vai -ter
e -tenho -medo
que -é -justamente
o -que -o -medo -quer)
.
.....................................................
..
Alexandre O'Neill
.

2006-07-15

O recomeço

15 de julho de 2006

Um deserto à frente. Tudo seco e árido. Apenas terra, areia e pó.
Dia quente e luminoso.
Alguém está à espera, em pé junto a uma rocha (ou algo parecido) onde também podia estar sentado.
Mas, teimosamente em pé, espera.
Chega quem espera e começa as despedidas.
Despede-se da raiva, do desespero, dos enganos.

Das penas cuidadosamente tecidas por si próprio.
Das suas desgraças alimentadas ao longo de anos.

Despede-se de si mesmo, para agarrar a segunda, ou melhor, a terceira oportunidade de viver.
Viver honradamente para si e para a sua família.

Para viver alimentando agora a força do amor.
Do amor pelos seus, mais que por si mesmo.
Pelo amor à felicidade da vida que ainda tem para viver.

Viver melhor, mais plenamente.
Será que percebeu que o amor é a maior força do universo e dele próprio?
Será que ainda alguém duvida da força de um céu rosa para cada um e para todos?
Para todos - a união da força do amor.
E da transparência do amor.

2006-07-14

Compreensão

14 de julho de 2006

Cores e mais cores. As cores do arco-íris e mais tonalidades.
Paletas de tons da mesma cor. De cada cor.
Impossível escolher a mais bonita.
No meio delas, dois olhos começam a surgir. Entre admirados e tristes.

Algo desamparados no tempo e, sobretudo, no lugar.
Tento explicar-lhes que o melhor era estarem no corpo a que pertencem.
Mas os olhos dizem que não. Não, por duas razões - não sabem onde está o seu corpo e não sabem porque estão ali.
De qualquer modo, ali está-se bem e é tudo cheio de cores em matizes que nunca aqueles olhos viram. E lá vão eles dar uma volta por ali.
Vou à procura do corpo, que isto está a ficar surrealista.
Ora bem, cá está ele. E, claro, meio aparvalhado à espera que os olhos voltem.
O problema é que eles não querem vir. Ou já não voltam.

Parece que entendeu. Sim, está a relaxar e vai dormir.
Voltamos então à procura dos olhos.
Meu Deus, que velocidade.
Bem, como sempre, o que é bom (ou bonito) apreende-se depressa.
Bem hajam no seu vôo.

2006-07-13

Ilusão e fantasia

13 de julho de 2003

Uma tapeçaria com chão cor de areia e flores de várias cores.
Pessoas a passearem no que parece ser um jardim, com fonte/chafariz e coreto.
As roupas eram simples e bonitas, em tons claros. Passeavam em passadas harmoniosas e algo lentas.
Tudo tinha aspecto agradável, nada era garrido ou diferente. Alguns conversavam. Um grupo estava perto de um edifício de arquitectura clássica, com frontão e colunas.

Nesse grupo falava-se de saudade, dos valores a que nos apegamos e que se transformam, eles próprios, na vida personificada de cada um.
E, claro, falava-se das atitudes decorrentes da importância dada a esses interesses.
Esquisito como se podiam virar vidas do avesso pela força dessa vontade.

A mesma vontade que atrai a rectidão e integridade.
A mesma que delas se afasta para satisfazer opções precárias, para tentar resolver uma realidade infeliz.
Ilusão e fantasia que tapa e afunda totalmente a paciência e a resignação de uma realidade que um dia irá ser ultrapassada.
Convencimento que se enfrenta com coragem e a determinação necessária.

2006-07-12

As respostas

12 de julho de 2006

Mesa grande. Pessoas que chegam por um corredor em pedra branca tipo mármore.
Há um degrau e a seguir, passando por uma porta envidraçada com madeiras castanhas, entram na dita sala da mesa grande.
Parecem conhecer o sítio e o encontro porque sentam-se sem hesitação ao lado uns dos outros.
Não há conversas, apenas as palavras necessárias. Homens e mulheres de várias idades estão ali com semblante grave de responsabilidade.
Começam a gesticular em conjunto e o ambiente torna-se pesado. Desagradável, até.
Nós, que nem percebemos se fomos convidados ou se esperavam simplesmente por nós, voamos instintivamente dali para fora.
A "milhas", o ar fresco da noite devolveu ânimo e serenidade.
Exercitando harmonia individual e global não pudemos deixar de constatar, com alguma tristeza, o poder da ignorância.
Aflição relaciona-se mais fácilmente ( ou ainda, instintivamente ) com mais aflição.
No meio da correria desenfreada à procura de solução para os seus problemas, as pessoas deveriam parar, para tomar fôlego.
E pensar, raciocinar!, pois, sempre ( mas sempre ) as respostas estão já connosco.
Guardadas às vezes lá muito ao fundo do nosso precioso coração!

2006-07-10

A constante

11 de julho de 2006

Não se conseguia ouvir a telefonia com o barulho da rua mais o barulho dos pássaros.

Estes estavam em pânico porque os ninhos caíam, ainda com os filhotes lá dentro e morriam todos.
As lagartixas e osgas andavam atarefadas.
As buzinas tocavam, os tubos de escape faziam o "som do ruído" quanto baste para fechar as janelas.
No pântano, o lodo começava a secar com o calor do sol que se esforçava por brilhar entre as fileiras de árvores.
Era desejável que, a seguir, dessa terra apodrecida nascessem ervas, arbustos e até qualquer espécie de flor. Pequena, grande, mais ou menos colorida.
Qualquer coisa que alterasse a paisagem lúgubre e enevoada para outra mais amena aos olhos.
E os pássaros continuavam na sua corrida de salvar ninhos e reconstrução de outros mais seguros.
As lagartixas e, agora, os gatos não lhes davam paz.
Os filhotes idem - ora piavam por comida, ora piavam por ajuda para aprender a voar.
E os pais a reaprender a fazer ninhos "modernos" e mais seguros.
A segurança da família ainda é uma constante.

A felicidade da saúde

10 de julho de 2006

Tubos, fios, aparelhos e ais. Muitos ais.
Sonolência, olhos mal abertos ou mal fechados (dependendo da vontade positiva ou não).
Letargia. Tanta que até se vai verificar se respira. Sim senhor, respira até arfar.
Os aparelhos marcam números, gráficos. Os tubos conduzem líquidos de frascos.

O do oxigénio borbulha sem parar.
Pelo corpo há ligações de agulhas, eléctrodos, pensos, placas e sei lá que mais.
Os ai-ais continuam. Mas ele dorme em pesada apatia.
Hora de comer e ele come. Quando se insiste em alguma pergunta, até responde.
Mas tem aspecto de estar longe. Muito longe dali.

Outros melhoram mais rapidamente.
Cá fora, muito sol. Muitas esplanadas com gente despreocupada da saúde.
E afinal ela é tudo o que temos para viver bem neste corpo.
O amor é o que temos para ser felizes.
Que fazer para entender estas dádivas e cultivá-las em nós e nos outros?
Se há valor no desejo, desejemos bem.
Desejemos valorizar a felicidade da saúde e poder amar.
Desejemos valorizar as coisas simples da vida.

2006-07-09

Natália Correia # Passaporte

9 de julho de 2006

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Herdei-me como herdei a Babilónia
E o sentimento de passar por mim
Na lenda dum perfil quase magnólia:
O que resta das eras donde vim.
.
Num país irreal como haver mastros,
A minha infância de ainda haver sereias
É um chegar ao mundo antes dos astros
E não ficar por causa das areias.
.
Um caroço num fruto transparente,
Minha alma é a estrela que me sonda
Levando de Oriente a Oriente
O que me falta para partir em onda.
.
Natália Correia
.

2006-07-08

As duas metades

8 de julho de 2006

Homens e mulheres sempre em disputa que parece eterna.

Ora são os homens que se julgam superiores, ora são as mulheres.
Os cientistas parecem ir ao sabor das modas nos seus apontamentos e conclusões. Tudo provado e comprovado científicamente.
Mas quando temos filhos e filhas, tudo muda.

Os contextos, as ideias e até as conclusões passam imediatamente ao estatuto de igualdade.
Afinal é uma questão de genes masculinos e femininos ou de hereditariedade familiar. Que dizer então dessas diferenças que se transformam em semelhanças?
Isto para não falar nas ligações de simpatia entre pais e filhas ou entre mães e filhos.
Que dizem os cientistas se lhes faltarem às teorias freudianas. Não sobra muito.
Mais razoavel, talvez até mais linear (no sentido de correcção), será considerar um todo que se completa em igualdade circunstancial.
Homens e mulheres iguais em direito à felicidade juntos e um do outro.
Iguais no direito ao amor, à paz, à perfeição.
Iguais nas suas metades da unidade de um ser completo.

2006-07-07

O círculo incompleto

7 de julho de 2006

Uma torres revestidas de trepadeiras passam como um combóio rápido pela esquerda de uma estrada de terra ( ou areia ).
Ao fundo à direita está a margem dessa estrada, ligando directamente à água de uma enseada rochosa.
O sol brilha forte, como também bate com força a água nas rochas mais próximas.

E ainda nos rochedos mais altos e mais longe.
Dois deles quase se juntam e formam, nessa união, um círculo quase acabado.
Desse círculo incompleto, olhando para o horizonte, vê-se um mar sem fim.
O sol parece estar no seu zénite. O calor enche o ar.
Até as águas parecem transpirar desse calor na bruma de espuma que se forma por cima deles.
Como se fossem quadros paralelos e sucessivos, pode observar-se o desenrolar de várias vidas e vários tipos de vida.
São várias épocas e regiões de desenvolvimento diferentes a passarem como um filme no horizonte dos nossos olhos.
De repente, vejo-me sucessivamente em diferentes situações. E, com toda a calma, aceno-lhes um adeus.
E vou andando na direcção desse mar sem fim. Tão brilhante que ofusca.

A água parece prateada e o céu está nacarado.
Deixo uma rosa para a vida, a rosa mais bonita que encontro.
A vida é oportunidade para ser feliz e fazer a ultrapassagem do próprio no melhor de si mesmo.

2006-07-06

As voltas da vida

6 de julho de 2006

Uma luzinha, minúscula, a brilhar. A querer brilhar com força.
Está dentro de uma esfera transparente. A sua cintilação é por isso multiplicada vezes sem conta.
E ela adora essa sensação. Faz-me acenos ( ou adeus ).

Está entusiamada com o novo destino.
No entanto é preciso preparar muita coisa, começando pela mãe.
Atrapalhada entre tanto trabalho, a correr sem parar.

Nem tem tempo para ela. Para se olhar. Para se sentir.
Como decifrar, como entender as voltas que a vida dá.
Há uma canção que diz assim: "ahhh, as voltas que a vida dá para encontrar um grande amor...".
Eu sempre pensei que estes versos estavam cheios de razão, mas para encontrar tudo o que é bom e, evidentemente, o Amor.
A vida é também como o trânsito à hora de ponta.

Sabe-se lá se ficamos parados ou chegamos rápido. Se temos que desviar muito ou pouco.
Se nos perdemos nesse desvio. Ou ainda, se nem sequer chegamos.
Mas, se não fosse todo esse enigma, qual seria o nosso valor no meio disso tudo?
Que fazer das nossas opções?
Ficar paralisado ou explorar as nossas faculdades.
Talvez... usá-las para a nossa liberdade.

2006-07-05

A tirania

5 de julho de 2006

Sala de perguntas. Interrogatório sem fim.
Consciente ou inconsciente, sempre as perguntas e as folhas para o inquiridor apontar as respostas.
O tempo ficou sem conhecer o tempo que passou.
Mas ainda ouviu que nem valeu a pena o esforço.
Tiranias de ontem e de hoje.
Cobaias humanas para outros conseguirem conhecimentos sem razão.
Conhecimentos parciais que podem conduzir mais facilmente ao engano do que à verdade (sem porquê).
Os conhecimentos forçados não são, nem serão nunca, sagrados.
Sagrados, quando de razão, amor e fidelidade ao próximo.
O conhecimento das coisas é para dar felicidade ao Homem.
Nunca foi nem será para dar autoridade formal.
As tiranias físicas são horrorosas. As tiranias mentais são indescritíveis.
Até quando os eruditos farão planos aquém dos mais selvagens.
Até quando o desenvolvimento da ética, da humildade, do equilíbrio.
É sempre o tempo da exortação do próximo tão amado como o próprio.
A valorização do sentimento mais sublime que o Homem pode sentir por si próprio e pelos outros continua a ser o simples e delicado AMOR.

2006-07-04

Nas cores dos nenúfares

4 de julho de 2006

Cores de nenúfares. Lagos, montanhas, planícies.
Escarpas e declives para o mar. Vulcões na terra adentro.
O avião tudo vê e visita no seu vôo.
Novas paragens e paisagens de encantar.
Tudo nas cores dos nenúfares. Isto é, brancos, verdes e azuis água.
Frescura e flores. Neve e sol. Chuva e arco-íris. Nuvens brancas e céu limpo.
Voa agora ainda mais alto, a imitar uma escarpa de montanhas.
Progressão aritmética e progressão geométrica.
Alguém disse que a matemática era tudo ou que tudo era matemática.
Tudo ou o todo - sei lá! Algo assim!
O céu estava em cores de nenúfares.
Um ramo de noiva sobe à nuvem e sobe mais, até ao infinito.
Sobe em brancura e brilho.
Percebe-se a presença e o fato do noivo.
Partes do vestido da noiva vão surgindo nas imagens com cores de nenúfar.
Flores e perfumes enchem progressivamente o ar.
A progressão aqui é geométrica.
Felicidades para sempre.
Ou eternas.

2006-07-03

A ilha

3 de julho de 2006

Aquário vivo - era assim que se sentia.
Algas, flores, peixes pequenos e de cores lindíssimas. Águas rasas a marulhar com espuma leve, tão leve...
Parecia em férias numa ilha, como mostram os filmes. Mas era tudo tão real.
Seria deste sol abrasador a chamar por férias. Ou este cansaço de trabalho - também a chamar por férias.
A verdade é que essa paisagem de sonho acalmava até ao relaxe.
Parecia que ora mergulhava nas águas, ora se elevava nos ares no meio de flores.
E que dizer do calor que sentia.
Era morno-quente, a convidar ao sono. Ou seria ao sonho?
Flores e pétalas esvoaçavam pelo ar.
Ai, que bom estas gotas ou salpicos de espuma.
Bom, pensando bem, talvez fosse melhor abrir os olhos.
Ai, ai... colegas parvas! Então era daí que vinham os salpicos.
Pois nem sabem o que perderam.
Eu estava num pequeno paraíso.
Paraíso de sonho - já se vê.

2006-07-02

Cecília Meireles # Não digas: Este que me deu corpo é meu Pai

2 de julho de 2006

Não digas: Este que me deu corpo é meu Pai.
Esta que me deu corpo é minha Mãe.
Muito mais teu Pai e tua Mãe são os que te fizeram
em Espírito.
E esses foram sem número.
Sem nome.
De todos os tempos.
Deixaram o rastro pelos caminhos de hoje.
Todos os que já viveram.
E andam fazendo-te dia a dia
Os de hoje, os de amanhã.
E os homens, e as coisas todas silenciosas.
A tua extensão prolonga-se em todos os sentidos.
O teu mundo não tem pólos.
E tu és o próprio mundo.
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Cecília Meireles
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2006-07-01

O enigma

1 de julho de 2006

Passou cabisbaixa, na dúvida se falava sózinha.
Amargos protestos. Solidão de sentir-se incompreendida.

Todos pareciam falar outra língua.
Ela queria intervir, replicar que não era nada assim do que diziam.
Eles pareciam não a ouvir e, pior, sorriam-lhe bondosamente. Sorriam!
Como isso era possível em reacção ao seu sofrimento é que ela não descortinava.
Os dias eram este enigma.

As noites um tumulto de acontecimentos fantásticos (fantásticos era mesmo o termo).
Novo dia e nova tarde a caminho de casa e da noite mais próxima.
De repente sente um estremeção.
Parece-lhe estar a viajar pelo mar, depois pelo ar, entrar no céu azul e quase cair desamparada em si mesma.
E, por acaso, no mesmo lugar onde estava, no meio do passeio a caminho de casa.
Porém, agora que caíu, parecem ser duas em vez de uma.

Parece que se juntaram, a que vinha mais a que voava.
Mas é ela própria em duas... versões, digamos assim.
Uma pequena, curvada e ansiosa. Outra maior, mais colorida e brilhante, e calmíssima.
Esta que olhando-a... sorriu bondosamente.