Escritos de Eva

Aqui Eva escreve o que sonha e - talvez - não só. Não tem interesses de qualquer tipo nem alinhamento com sociologias, política, religião ou crenças conformes às instituições que conhecemos. Estes escritos podem servir de receita para momentos de leveza, felicidade ou inspiração para melhorar cada dia com bons pensamentos. Alguns poemas ou textos... Algumas imagens ou fotos... Mulheres e homens, crianças e idosos podem ler Eva e comentar dando a sua opinião.

2007-10-31

Profissionais

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Hoje em dia, como as pessoas são operadas a quase tudo, chamam pequenas cirurgias às operações mais simples e cujo restabelecimento imediato pode ser em casa.
As cirurgias são já para casos mais graves e o restabelecimento tem que ser no hospital.
Porém, o maior problema está no preço das coisas quem nem sempre é possível pagar.
As quantias são números enormes. Mas são também quantias devidas para pagamento de trabalho, e todos contam desde o cirurgião aos restantes membros da equipa incluindo o anestesista, os equipamentos e remédios utilizados, a marcação e ocupação da sala de operações, o quarto, os necessários exames médicos imediatamente antes e depois…
Enfim, uma lista de coisas com equivalente lista de preços.
Mas, no meio disto tudo, o que mais se deseja é que o resultado seja o melhor possível – sempre!
E a ciência médica está sempre em evolução com pesquisas fantásticas.
Os médicos e o pessoal hospitalar são cada vez mais hábeis e promissores.
Formam uma classe excelente todos os profissionais que se esmeram em trabalhar bem em prol de um melhor futuro para os outros.
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O Médico
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Sir Luke Fildes

2007-10-30

Conhecimento

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Aprender a escrever, aprender a ler, aprender o significado do que se escreve ou lê. São as primeiras fases do conhecimento.
Conhecimento que se opõe à ignorância. Sempre!
Felicidade simples que progride para a felicidade em sabedoria.
O conhecimento implica vontade dirigida, persistência e, por fim, paciência.
Conhecimento que pressupõe a responsabilidade de o dividir com todos os que o solicitarem.
Sem nunca o tornar uma obrigação.
Cada pessoa tem um tempo certo para conhecer o que precisa conhecer na sua vida.
O conhecimento não pode transportar consigo arrogância nem desprezo.
Conhecimento não é concha para um isolamento pessoal, nem carapaça para protecção ou desafio.
Conhecimento é luz que se difunde e ilumina tudo e todos em seu redor.
Conhecimento é liberdade e esperança em si mesmo e na vida.
- Pois é, é a transformação interior. É o elevar-se da mediania com benevolência. - Sim, é ultrapassar-se a cada dia por vontade própria.
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Van Gogh

2007-10-29

Que pensar?

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Era um daqueles programas sobre sexo e igualdade entre homens e mulheres.
Que dizer? Tudo novo… tudo velho!
Parecia ouvir os comentários das avós pela boca daquelas médicas.
Seria possível ainda irem às consultas pessoas de hoje, com estudos, com todos os meios actuais, comentar emoções semelhantes a mulheres que não saíam de casa, e que nem sequer dispunham de electricidade ou água canalizada?
Épocas em que a comida era feita à base de carvão e em que não havia notícias de nada a não ser por “cochichos”!
Jovens de 2000 com as mesmas frustrações de jovens de 1900 e, possivelmente, também de antes!
Que dizer… que pensar?
O ser humano tem, afinal, um corpo que não conhece, que não defende ou que não consegue defender.
É concerteza tempo de libertar o corpo, de liberalizar emoções – de modo construtivo e pela defesa de si mesmo.
Talvez seja depois possível libertar as pessoas que, mais civilizadas ou não, apenas querem ser felizes, apenas querem paz.
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Programa de Vida

Roberto D'Amico

2007-10-28

José Fanha # Elefantemos

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Para o Mia Couto
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Elefantemos portanto.
Deixemos esta tão precária pele
Aprender outros saberes
Deixemos
Portantomente
O olhar do paquiderme
Ensinar ao passarinho
As paisagens do deslumbre
Das escritas mais antigas.
Permitamos que o vento sopre.
E que a pedra exista
E que o sol dispare a sua fúria
Em todas as direcções.
E que a lua se entretenha
No seu jogo de brilhar.
Elefantemos portanto.
Ou,
Melhor dizendo,
Permitamos que um silêncio muito antigo
Venha
Carregado de silvos e sussurros
Venha
Conduzir-nos a palavra
Pelas veredas impalpáveis
Do mistério.
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in "Elogio dos Peixes, das Pedras e dos Simples"
de José Fanha
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2007-10-27

Sempre

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Doenças de pele, sinais, borbulhas, eczemas, eu sei lá…
Dizem que é alergia, até ao sol.
Dizem, também, que são as gerações da Internet.
Mas ele é um velhinho e a pele está cada vez pior.
A circulação de sangue é deficiente pela idade avançada.
Mas nós queremos sempre que a nossa família, dos mais velhos aos mais novos, viva o melhor possível.
Remédios que aliviam, mas não curam...
Remédios que os doentes não tomam porque se esquecem ou que trocam as doses, porque confundem as indicações.
E as pequenas coisas começam a exteriorizar-se com mais força.

Assim como as ervas daninhas.
Mas mesmo que o tratamento não obtenha os resultados esperados, devemos fazê-lo porque senão é desistir de viver melhor.
Devemos também ir testando sempre outras hipóteses.
Sempre a esperança de melhores dias nos guiem os pensamentos, as palavras e as atitudes - para nosso melhor modo de vida.
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. Homem velho
Leonardo da Vinci

2007-10-26

Sinais dos tempos

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- Vão nascer gémeos. Tão bonitos aqui na fotografia.
- Bem, bem. Foto ou ecografia? As mães exageram sempre!
- Ela esperou e desesperou tanto para os ter. Chegou a pensar que não podia ter filhos dele e, mesmo assim, preferiu o casamento.
- Sim, ela sempre quis ter filhos. E se não viessem assim os dois ao mesmo tempo, já só deviam ficar com um.
- Pois, é verdade. Os tratamentos foram difíceis e ainda teve do o convencer a fazê-los…
- Fora o preço... um dinheirão por cada experiência.
- Diz que sim, que são tratamentos caríssimos. Estas coisas da genética são… hum…de espantar. Tanto pela ciência e tecnologia que representam, como pelas possibilidades de ter filhos que oferecem aos jovens casais.
- O que também é de espantar é o número de casais inférteis que há hoje em dia. Tentam anos a fio e nada de nada.
- E depois ainda há as grávidas que não aguentam os filhos na barriga.
- Sim, essa também. Têm que se sujeitar a tratamentos durante quase todos os meses, ou semanas.
- Enfim… sinais dos tempos.
- De tempos difíceis… por aqui. Porque noutras regiões há crianças a morrer de fome e, no entanto, ninguém as consegue adoptar a não ser à custa de fortunas.
- Estás a falar da via legal, é claro.
- Só posso, e só quero, falar de situações legais. Porque o desequilíbrio está por todo o lado.
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Mary Cassat

2007-10-25

A borboleta

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A borboleta branca atrai outra castanha e amarela para a fonte e a relva do jardim.
A castanha vai pousar na mesa de pedra e após uns instantes, vai abrindo e fechando as asas.
Parece um exercício, como se quisesse experimentar se funcionam.
É que ela acabou de sair do casulo e ainda lhe parece mentira estar outra vez renovada de asas.
As suas asas anteriores tinham sido rasgadas e não só tinha que aguentar a dor, como não conseguia voar bem, porque ainda abriam mais os rasgões.
A cada voo os rasgões aumentavam e o esforço era, também, cada vez maior.
Às tantas, já não conseguia voar mais e ficou murcha no chão, à espera.
- À espera de quê?
- Da solução. Quando não sabemos o que fazer esperamos um sinal de mudança.
Nessa altura tentamos entender os sinais e segui-los, no intuito de melhorar. O problema é se a ignorância não nos permite entender os sinais.
Outras vezes não temos coragem para segui-los e então instala-se a dúvida.
- Mas a dúvida ajuda a discernir, ou não?
- Não. Isso é a análise. A dúvida, se a deixarmos instalar-se, corrói toda a intenção, quanto mais qualquer movimento da vontade. O que é necessário é seguir, devagar ou mais depressa, mas avançar sempre.
- A borboleta fez isso, foi?
- E a natureza das coisas ajudou.
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Borboleta (detalhe)

2007-10-24

Fado

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Recibos, rendas, dívidas – tudo misturado num turbilhão de ideias e dúvidas.
Deve haver mais em que pensar, mas as dívidas amontoam-se e parecem até surgir do nada.
Pergunto-me para que servirá esta preocupação em juntar o dinheiro suficiente para pagar as dívidas.
Ainda por cima de coisas que não pedimos. São dívidas da família a que pertencemos ou da família que, ao longo dos anos, fomos formando.
Sendo de famílias honradas, pretendemos deixar aos filhos as coisas livres de encargos.
Mas custa muito trabalhar para utilizar o que se ganhou, com tanto sacrifício, apenas para pagar “papéis”.
Porque são simplesmente papéis: impostos, rendas cuja razão já não existe mas que legalmente ainda não é possível anular…
Custa muito conseguir andar em frente e de cabeça erguida.
Os dias são de muitas despesas obrigatórias mas sem se notarem contrapartidas.
Sobrevém a esperança que todo esforço não será em vão.
A esperança que a saúde seja suficiente para não arcar ainda com mais despesas.
A esperança de conseguir administrar melhor as coisas e de que os erros sirvam para aprender, muito mais do que para lamentar.
A esperança de manter acesa essa luz, agora ainda tão trémula, da Esperança.
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Guitarra
Graça Morais

2007-10-23

Sobrevivência

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Tumulto de gentes em correria.
Casas que se afundam em águas que correm céleres no que, há poucos dias, eram estradas secas.
Carros, bicicletas, árvores, tudo derrubado ou partido.
Muitos morrem, muitos sobrevivem.
O desespero e a desolação grassam entre famílias e estranhos.
Bens, animais e demais haveres jazem nas águas.
E, com eles, o trabalho de anos e anos.
Lágrimas correm, as pessoas vão ficando desanimadas com a força da natureza.
Noites sobre noites e o ambiente não muda, antes se generaliza a outras regiões.
Após uma semana, o sol volta em força e vai secando as terras.
Muito trabalho, oh! muito trabalho vai ser necessário para reconstruir.
Não vale o tempo de ficar parado e triste.
Não vale o tempo para pensar.
A esperança floresce e dá fôlego.
Os miúdos vão-se juntando e vão cantando as canções da escola.
Juntam-se nas encruzilhadas para trocarem o pouco que lhes resta por coisas de maior necessidade.
Os valores são agora mais reais, são de sobrevivência.
As vózinhas convidam a olhar só para o futuro.
A sonhar para dar alento e avançar.
Avançar sempre para melhor.
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Imagem retirada da net (sem indicação de autoria)

2007-10-22

O bébé

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Salas de espera carregadas de gente doente.
Entre pessoas em macas, de pé ou sentadas como podem, está um bebé, de poucos meses.
Ele brinca com os guizos do carrinho, com uma fralda e com as suas próprias pernitas e pés.
Está completamente alheio àquela algazarra de ambulâncias, vozes, microfones – com vozes que mal se entendem – pessoal hospitalar e médicos.
Uns ralham, outros resmungam, outros estão completamente calados.
Os calados estão assim por uma de duas razões: ou estão tão doentes e cansados que perderam a vontade de falar ou estão atentamente a seguir o futebol na televisão que, aliás, está muda.
E o bebé brinca sózinho, a descoberto, no carrinho.
Os altifalantes não deixam perceber os nomes que chamam e, de cada vez que produzem uns sons, aumenta a algazarra dos protestos.
A impaciência esparvoa as pessoas, em geral.
Mas o bebé continua a brincar, consigo mesmo, com ar feliz.
Das portas que se abrem automaticamente, entram e saem pessoas para atendimento médico.
Umas podem ir embora, outras têm que esperar pelo resultado dos exames.
Neste meio de doenças e mau humor, um bebé parece ser uma luz na escuridão.
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C. Petit

2007-10-21

Nuno Oliveira M. - Meu menino meu anjo

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O meu menino nasceu
Na torre o sino tocou
Do céu um anjo desceu
E o meu menino acordou
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Do céu um anjo desceu
E o meu menino adormeceu
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Ò anjo branco trouxeste
Toda a alegria dos céus
O sol, a lua, uma estrela
E o mundo é todo seu
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Do céu um anjo desceu
E o meu menino adormeceu
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O meu menino cresceu
Do céu um anjo o guiou
E ao ver o mundo que é seu
O meu menino chorou
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Do céu um anjo desceu
E o meu menino adormeceu
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Ò anjo branco meu guia
A noite encobriu a lua
E o meu menino deixaste
tão só, tão triste e sem rumo
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E ao céu um anjo subiu
Ao meu menino ele sorriu.
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.in "Fados de Coimbra"
letra e música de Nuno Oliveira M.
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imagem retirada de http://www.attambur.com/

2007-10-20

Trabalho

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- Quero trabalhar.
- Ou queres um emprego?
- Não, não (risos), quero mesmo trabalhar.
- Hum… e já foste ao médico?
- Oh… se foi ele mesmo que disse.
- Ahhh!
- Não ahhh, nada! Eu perguntei se podia, que já estou com mais energias, tenho contas a pagar e tenho demasiado tempo livre.
- Está bem, está bem! E queres trabalhar em quê?
- Era disso que queria falar-te…
- Ai, ai! Não arranjo nada. Desculpa mas se tenho um empregado, vai-se embora a loja.
- O quê?
- É assim, é. Não há capacidade de negócio para a capacidade de negociação dos sindicatos. E não quero trabalhadores em condições ilegais. Pronto! Já disse tudo! Sou pobre mas honesta. Trabalho quase noite e dia mas só tenho a responsabilidade do meu ordenado, e quando tenho de prescindir dele um mês ou outro, faço-o e, até hoje, tenho recuperado bem.
- Eu diria muito bem.
- Pois, mas "sai do lombo".
- Mas se achas que vale a pena…
- Ah, isso sim. Trabalho no que gosto e não arranjo discussões patrão-empregado. Em contrapartida, trabalho constantemente. Dou apoio à família, pago as dívidas, ainda dá para umas fériazitas fora daqui… e estou ocupada todo o tempo. Creio – estou convictamente convencida disso – que o meu trabalho, na sua humildade, também contribui para o bem-estar dos outros. Portanto… acho bem que vás trabalhar. E não desistas de encontrar o que queres p
ara teu bem e dos outros.
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2007-10-19

Conhecimentos

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- Ele agora chega mais tarde porque está a tirar um curso, de seis meses, para poder concorrer ao nível acima.
- Estás a falar de cursos académicos?
- Não, de cursos profissionais; uma espécie de equivalência a uma pós-graduação.
- Então tem exames, etc. e tal.
- Tem, tem tudo e as aulas ocupam-lhe parte da noite.
- Fora o tempo para estudar.
- Sim, sim, e ainda falta esse. Mas, sabes? Vale a pena! Não está tão resmungão, tem outra dinâmica no dia-a-dia e vejo-o mais interessado pelo que acontece no mundo e lá em casa. Verdade! Agora que não tem tempos livres é que se dedica a todos com mais interesse.
- Isso tem também a ver com o nível dos conhecimentos que se adquirem. Dá-se uma expansão ou descompressão (ou compressão) do intelecto e, logo, da capacidade de entendimento de si mesmo e dos outros. É como a troca de oxigénio, ou seja, tão simples como respirar: inspiração e expiração.
- Mas a respiração já não é só isso! É inspirar, parar e expirar.
- Hã? Inspirar… parar… expirar… é isso é... pois, tens razão!
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© Paul Bourke e Gayla Chandler
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2007-10-18

Odores

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Loja de perfumes.
Bem, soa melhor perfumaria, pois é o mais comum.
Ela fica meio atarantada, logo a seguir à porta.
Bom, isto hoje! Nesta perfumaria, não se vê a porta (imagine-se!).
Entra-se logo na loja, entre as vitrines da esquerda e da direita.
Vitrine ou montra, claro está.
A loja está um pouco rebaixada em relação ao plano da rua e, por isso, é necessário descer uma rampa levemente inclinada.
A ladeá-la estão perfumes em nichos de prateleiras (ou prateleiras em forma de nichos).
Tudo muito bonito… e perfumado.
Ela continua zonza mas está habituada a uns costumeiros minutos de espera, para se recompor.
É que os perfumes e outros cheiros, se alcançam determinado grau odorífero, causam-lhe este transtorno.
Fica vacilante e atordoada ou dormente.
Depois espirra uma série de vezes seguidas e fica pronta para a necessária compra de perfume.
Apesar do que os profissionais dizem, às vezes é bom identificarmo-nos apenas com um determinado perfume e não, usar vários conforme os que estão em moda.
Isto de perfumes não pretende, aqui, querer significar o dinheiro para comprar este ou aquele perfume, desta ou daquela marca.

Quer dizer identificar a nossa personalidade com um determinado odor.
O perfume pode ser tão banal na higiene diária como lavar-se, secar e pentear o cabelo ou vestir roupa sempre lavada.
É mais um acessório pessoal ou individual, do que um acessório para mostrar.
É um andar satisfeito consigo mesmo.
Harmoniosamente limpo.
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. Michel Roudnitska

2007-10-17

Arco-íris

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- Outra vez a chover.
- Sim, mas hoje há um arco-íris.
- Vale que cada dia “é sua coisa”…
- Hoje, se as pessoas correm é por causa da chuva.
- Ah, isso é natural.
- Ou seja, os centros comerciais estão cheios, assim como os cafés… telheiros… toldos…
As ruas ficaram desertas ou então têm pessoas a correr - e bem...
O chapéu-de-chuva não dá, porque esta cai com muita força.
Só de casa, das janelas ou a conduzir é que dá para ver o arco-íris que entretanto se formou.
É lindo e as cores estão bem distintas e bem largas.
- E, já agora, porquê tanto interesse no arco-íris?
- E porque não? Se está no céu e é lindo… Mas está bem - é que, para mim, ele simboliza uma porta. A porta que dá para outros mundos, um em cada cor, com as suas diferenças e as suas possibilidades.
A da cor verde é a da saúde; a azul, a do escudo ou da protecção; a rosa-laranja é a do amor;a amarela, da sabedoria e a roxa é a do perdão e da regeneração...
- Nem comento!
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Imagem retirada da net (sem indicação de autoria)

2007-10-16

Quem anda à chuva...

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Fios brilhantes estão por todo o lado.
Parece que saem do céu e nos envolvem como se fossem uma écharpe.
Envolvem tudo. Os cabelos, as roupas, as mãos, o chão, as copas das árvores…
Até as borboletas e os pássaros ficam com esses fios brilhantes.
Todos nós brilhamos de modo especial.
E por razão desse brilho, ou qualquer outra, olhamos uns para os outros tentando perceber o que está a acontecer.
- Ora, está a trovejar e quem anda à chuva molha-se. É a luz dos raios e relâmpagos nas gotas brilhantes… é o que é!
- Não é só isso, não, porque ninguém parece importar-se de estar à chuva e todos parecemos mais animados e felizes… parece... simplesmente, que é por estarmos vivos! O olhar de todos é mais simpático!
- Andas a ver muitos filmes, não?
- Filmes, não, nem ando a ler livros sequer!
- Então…
- Então, quem puder entender, entende como pode e deve entender!
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Dhira Lawrence
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2007-10-15

Estamos

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Na tarde quente, abafada e seca, começa a soprar uma leve aragem.
O ar que asfixiava começa também a ser mais agradável, com uma leve frescura. Ah, tão bom, passear assim, no fim da tarde… lentamente...
Parece que fazemos parte desse ar, desse céu, desse chão, desse… tudo que nos rodeia.
Estamos nas árvores e elas estão em nós.
Estamos azuis como esse céu e ele está como nós, copiando até as cores da nossa roupa.
Os nossos olhos, o nosso cabelo, a nossa pele está cheia de luzinhas e parece que, se quiséssemos, poderíamos flutuar em vez de caminhar.
Acho que gostaria de ficar assim o tempo que fosse possível. Quanto seria isso?
Parece que parámos no mundo, nos nossos dias.
Estaremos noutra esfera, noutro...humm, qualquer coisa…
Será que os pássaros têm esta sensação quando voam, planando?
- Ó rica, planar é isso tudo. Por isso se chama p-l-a-n-a-r…
- Credo, caí no chão duro. Livra!
- Adeus!
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Joseph Raffael

2007-10-14

Ary dos Santos e Joaquim Pessoa - Os Amigos

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Quem faz o Natal para todos nós? São os amigos
Quem nos dá prazer e dá calor? São os amigos
A quem é que damos a ternura? É aos amigos
A quem é que damos o melhor? É aos amigos
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Os amigos são o nosso bolo de Natal
Cada amigo nosso vale mais que um Pai Natal
É um irmão nosso que trabalha no Natal
E com suas mãos faz a diferença do Natal
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O dinheiro pouco importa
O que importa é a verdade
E a prenda mais valiosa
É a prenda da amizade
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Quem faz das tristezas forças
E das forças alegrias
Constrói à força de Amor
Um Natal todos os dias.

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in "Operários do Natal"

disco (vinil) com textos de Ary dos Santos e Joaquim Pessoa
música e interpretação de Carlos Mendes, Fernando Tordo, Paulo de Carvalho
voz de Maria Helena D'Eça Leal
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2007-10-13

Os amigos

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A amizade, para as pessoas, está na razão da sua “capacidade” social.
Isto é, a maioria deseja formar uma família, cuidar da educação dos filhos, etc. etc.
E as relações de amizade vão-se perdendo com os anos, os horários… e nem sempre se preenchem esses relacionamentos ausentes com outras amizades.
Ficam então as que se fazem no local de trabalho ou das relações decorrentes do trabalho.
Mas aquele sentimento de ter amigos para partilhar tempos, actividades ou problemas e opiniões nem sempre persiste.
É como se ficassem fora de moda nas novas rotinas a que nos dedicamos.
No entanto, as amizades geram sentimentos de igualdade, de humildade e reciprocidade (pelo menos).
Dão uma sensação de liberdade de comentários que também é necessária.
Na família somos o apoio, a trave mestra que não pode falhar e onde temos sempre abrigo.
No grupo de amigos temos a troca de sentires afins. Encontramo-nos semelhantes nos problemas e pode formar-se um grupo para juntar as famílias, dividindo tarefas por todos e permitindo a todos mais tempos livres e divertidos. Os filhos convivem, zangam-se, fazem as pazes e vão compreendendo o que são deveres e direitos com toda a facilidade e confiança.
Os amigos são uma trave de apoio à estrutura familiar.
Em todo o lado, a sensatez, o respeito e a honestidade podem valorizar o amor familiar.
Em tempos tão apressados não podemos esquecer que outros tantos sentem e partilham situações semelhantes à nossa e, todos juntos, poderemos evoluir e valorizarmo-nos reciprocamente.
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Georges Seurat

2007-10-12

Cansaço

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Que cansaço… parece que acordo já cansada!
Não devo dormir o suficiente ou não me estou a alimentar convenientemente.
Mas depois de parar, nem que sejam uns minutos, já sou capaz de agir como se tivesse dormido umas horas.
Ou seja, tem a ver com o relaxe do corpo e da mente.
É seguir aquele conselho de “se já está, não te preocupes; se não depende de ti, não te preocupes”.
Porém, não é fácil adoptar essa postura mental.
A dinâmica própria do dia-a-dia também faz bem.
Como sempre, o equilíbrio entre as duas posições é o mais acertado. Pelo menos para a saúde.
O cansaço provoca dor de cabeça e mal-estar. Há ocasiões em que sobrevém o desespero de querer repousar.
- Nessas alturas lembra-te do que acabaste de dizer. O melhor é o equilíbrio dos pensamentos e acções.
Foi isto, não foi?
- Pois foi, mas é mais fácil dizer que fazer!
- Olha ali, aquela rede a baloiçar. Até parece que está a chamar-te.
- Se calhar… sabes que mais? Vou já para lá.
- Adeus.
- Até logo!
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Di Cavalcanti

2007-10-11

Amanhã

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Na água funda de um lago, ao crepúsculo, brilha uma luz.
Do barco, parece trémula e baça.
Mas quando se mergulha para ver o que é, a luz torna-se mais forte e localizada.
O local é ao fundo, cada vez mais fundo.
E os mergulhadores seguem intrigados a luz que os vai enganando.
Pois parece ser ali e, afinal, ainda é acolá. E mais lá ainda.
Ah, agora sim, estão próximos. Agora a água já não lhes tolda a visão da luz.
A água já não é mais névoa para os seus olhos, e está a ficar transparente – tal é a força da luz.
E a luz brilha cada vez mais. Parece o fogo de uma lareira.
- Olha, não é nada disso! É uma arca!
- Mas está fechada… a luz é que parece rebentar dentro dela!
- Melhor dizendo, vai rebentar com ela… vês… abriu a tampa!
- Tem ouro?
- Não! Mas também não percebo o que é!
- Que foi que passou por nós? Olha ali!
- São… são…seres!?
- Se são seres, são iguais a nós mas quase transparentes e… nós somos assim? Tão belos?
- Só se forem os nossos sentimentos! Temos que voltar ao barco, ou será que já não vamos a tempo de casar?
- Vamos pois, está marcado para amanhã!
- Amanhã… quando é?...
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2007-10-10

A simplicidade de amar

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Amor, generosidade e benevolência andam geralmente a par.
Mas também andam a par o amor, a paixão e o amor ferido ou ressentido.
Nestes casos, parece que o coração está num recipiente que, uma vez cheio, derrama à toa os excessos.
Daí ao desespero e desvario é um instante.
São choques contínuos de emoções que alteram os sentimentos.
Sentimentos de amor desvairam em ódio e revolta.
É um rio que se transforma num mar imenso, cheio de turbulência.
Diz o povo que um novo amor cura a dor de outro amor.
E assim parece ser, não tanto no sentido restrito de amor-paixão, mas sem dúvida ultrapassando esse sentimento pelo amor fraterno e universal por todas as criaturas, com respeito pelas suas existências e espaços, com o carinho e a suave doçura da compreensão e benevolência por todos – até para quem tenha provocado sofrimento.
Ódios, desvarios e vinganças só se curam com mais amor.
Vida com amor encantado, daquele que permite viver em paz.
Esse Amor fraterno, doce e sublime.
Amor suave e pacífico.
Enfim, a simplicidade de amar!
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Abaporu

Tarsila do Amaral

2007-10-09

Tempos

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É altura de reservar lenha e guardá-la em lugar seco para acender uma boa lareira nos dias frios, que já se vão aproximando.
É também uma azáfama de cansaço e limpeza pelo calor acolhedor que mais tarde acontece.
Tudo o que é bom dá trabalho e necessita perseverança.
Mas, geralmente, vale a pena porque gostamos das coisas bem feitas e porque, no passar dos anos, nos habituamos a ser activos, nesta ou naquela tarefa.
E mesmo que os projectos cansem, a verdade é que o seu resultado também é virtude nossa e dá satisfação ver o trabalho feito.
Também é verdade que há trabalhos arrasadores, seja pelo tipo de actividade, seja pelo excesso de horas a exercê-los.
Enfim, o trabalho dá valor aos tempos de descanso.
E os tempos de descanso são excessivos e, por vezes, doentios se não tiverem o contraponto do trabalho.
Tudo se quer em equilíbrio para a saúde do próprio, o bem-estar familiar e social.
A falta de trabalho torna-se deprimente e enferma as melhores motivações.
Verdade verdadinha, é preciso, é necessário, saber estar activo e saber parar nos tempos certos da vida de cada cada um de nós.
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Van Gogh

2007-10-08

A Cela

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Ele está numa cela subterrânea, amarrado em correntes muito sujas.
Oh!, mas… as correntes só o amarram a ele, como se lhe fizessem um casulo.
Não estão presas nem à parede nem a nada. Estão como que em rolos, em novelo bem fechado.
Chegam o que parecem ser visitantes, levados pelo guarda que lhes abre a cela.
O amarrado mal os consegue vislumbrar mas, ao fim de algum tempo, fica a olhar para eles. São um homem e uma mulher, muito limpos e brancos.
Conseguem que se identifique e depois de alguma troca de palavras, de desculpas e razões, de perdão e muito carinho, ele – o amarrado – consegue libertar-se das correntes.
A seguir, dirigem-se todos a uma outra cela próxima e acontece mais ou menos o mesmo, mas agora com uma mulher.
E seguem todos para a rua, para a estrada, para o espaço da noite escura.
- Como esta de hoje?
- Mas esta tem luz, está cheia de estrelas. Tão bonita!
- Olha, vês ali aquelas cinco?
- Sim!
- São eles, porque agora já estão todos limpos e brancos. Bom… e brilhantes como as estrelas!
- Mas eram quatro ou cinco?
- Cinco com o guarda, que foi com eles também.
- E estavam presos em si mesmos, porquê?
- Por causa dos remorsos que sentiam de um crime que em tempos cometeram.
- Mas então…
- Já tinham cumprido a sua própria pena. Estavam livres, mas ainda não sabiam!
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(Jerusalem) Stars
Eva Kostabel

© 2006. Unity Coalition for Israel

2007-10-07

Henriqueta Lisboa # Sofrimento

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No oceano integra-se (bem pouco)
uma pedra de sal.
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Ficou o espírito, mais livre
que o corpo.
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A música, muito além
do instrumento.
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Da alavanca,
sua razão de ser: o impulso.
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Ficou o selo, o remate
da obra.
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A luz que sobrevive à estrela
e é sua coroa.
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O maravilhoso. O imortal.
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O que se perdeu foi pouco.
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Mas era o que eu mais amava.
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In “Flor da Morte”
de Henriqueta Lisboa
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2007-10-06

Erros meus...

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“Erros meus, má fortuna
Não os queira jamais
O tempo dar”
Assim dizia o grande poeta e assim apetece dizer quando percebemos os nossos erros.
Pequenos ou grandes, simples ou maiores, os erros são para ser ultrapassados.
É claro que, primeiro, tem de ser identificados e temos de tomar a consciência das suas consequências.
Mas depois são para ser ultrapassados, com o remorso e a pena de os ter feito.
As nossas vidas são processos de conduta moral.
Cada situação é para ser tratada e ultrapassada.
Ou seja, é necessário transferir o erro para a virtude.
E então o estado do erro passa a ser o de transferência e seguidamente o de qualidade.
E se conseguirmos que a situação fique melhor do que era antes do erro cometido, então conseguimos a vitória de nos ultrapassarmos. Só aí o processo pode ser fechado.
A luz encandeava e as palavras ressoavam na sua cabeça.
Tentou fazer um desenho de tudo o que ouvira.
Tentou passar a mensagem aos outros.
Mas não os distinguia bem. A luz não os deixava ver, só percebia a forma.
E era importante passar esta mensagem ao maior número de pessoas.
Como fazer, então?
Ah, pois! É isso! Passar a mensagem com pensamento, segundo a palavra e a atitude correctas.
- Pois! É só isso que tens a fazer!
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Paul Cézanne

2007-10-05

Iluminação

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Quando há trovoadas, na terra onde moro, vai embora a luz.
Procuramos apressadamente as velas imemoriais e as pilhas para as lanternas.
Daí a nada (ou daí a horas) volta a luz.
E é uma alegria. Não só porque vemos melhor o que fazemos mas também porque os equipamentos funcionam quase todos por energia eléctrica e metade das nossas acções pára, pura e simplesmente!
Quando era pequena, passava muito tempo olhando as nuvens. Mas não eram todas. Eram aquelas semitransparentes e tipo rabiscos no céu, ou então as mais alongadas.
Isto porque o sol ainda perpassava por elas dando-lhes alguma luz e eu achava que Deus estava lá porque, na minha imaginação, o Seu lugar tinha que ter muita luz e brilho.
Pequena ou já grande, a luz, para mim, é sinónimo de algo bom.
Penso que talvez seja assim para outras pessoas.
Agora o mais importante no meio disto tudo, é se conseguimos ver ou vislumbrar a luz que temos dentro de nós.
Para a encontrar, é necessário unir, numa linha vertical, o nosso corpo, a nossa mente e o nosso espírito.
Então, a nossa linha torna-se brilhante e luminosa, alertando que algo divino existe em nós e muito para além de nós. Apontando o nosso caminho para essa iluminação.
- Sai outra bica ali para o centro…
- Não, não! Hoje quero só água!
- Água?
- Sim, dessa garrafa ali. É tão transparente que parece que nem está lá, só se nota a luz reflectida pela iluminação do balcão!
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Pál Szinyei Merse