O veleiro
31 de outubro de 2006
Era uma barco cheio de miudagem meio esfarrapada. Um barco grande, à vela.
Não um veleiro moderno, mas antigo. Fazia lembrar os de escravos.
A miudagem comia e atirava-se ao colo ou ao lado dos marinheiros, também de mau aspecto. Aspecto de muitos - demasiados - dias em alto mar.
Dias de ninguém, que são para esquecer. Esquecer as necessidades sentidas.
Dias de esquecimento pelas atitudes de menos, que foram tomadas.
Atitudes meio tresloucadas quando revistas com calma e bem estar mental.
Mas o mar, como o deserto, ou a neve, ou a chuva sem parar, transtornam a mente.
Fazem surgir o que há de mais podre em cada um.
No barco a comida escasseia, mas o vento sopra bem as velas e a velocidade vai ajudar a encontrar terra, comida e água doce.
Os homens, como as crianças, odeiam-se e querem-se sem razões, mutuamente.
São a infelicidade uns dos outros. Uma morte do íntimo de cada um.
Uma agonia lenta.
Os dias sucedem-se, soalheiros e tempestuosos. Ilhas e nevoeiro ao longe.
A visão de terra firme obriga-os a arriscar-se nessa direcção cinzenta.
Chegam a ilhas e decidem dar-se uns aos outros a oportunidade do esquecimento do passado e a esperança de um futuro melhor.
A miudagem fica naquela ilha mais florida e variada, pois tem o mar, mas tem também serras e flores em todo o lado.
Até nas ondas vêm flores para deslumbrar as areias.
Os marinheiros vão para a mais longínqua que tem forma de península.
Parece maior, com espaço para eles. sem se atropelarem.
O barco vai afundar-se perto dali e vai tornar-se apenas um momento da enormidade que não é para repetir.
Em hipóteses semelhantes, todos vão ter que ultrapassar problemas.
Mas, sobretudo, superar-se a si próprios e aos seus pesadelos.
Todos desejam sonhos de paz. Finalmente!
Finalmente vão poder renascer em si e na natureza serena que agora os envolve.
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