Trabalho especial
26 de outubro de 2006
Às vezes parece que todos os que se dedicam aos outros, em qualquer das suas formas e manifestações, são mais ditosos no seu trabalho.
Isto porque conseguem reunir o trabalho com o que lhes dá mais gosto fazer.
A sua produção deveria, por isso, ser melhor - em qualidade e até em quantidade.
Mas nem sempre isso acontece.
E ela está ali, olhar vago a ver as peças para trabalhar e a máquina industrial a soprar por cima dela, cada vez que passa o braço mecânico à sua frente.
Nem sabe como faz, está também meio-mecânica, ela mesma.
Hora de almoço, depois intervalo e hora de saída deste turno. A seguir vai para casa pintar.
Gosta de sentir a tela nas mãos e, depois, as mãos e os pincéis e tintas pintam, garatujam, borram até... para esbater os tons.
Todos os dias são bons esperando esses minutos/horas do seu trabalho especial.
Assim que tiver vários prontos, quer colocá-los para venda. Baratos, para os vender ainda antes do Natal.
Não se importa de os embaratecer porque lhe deram muita satisfação e deseja que dêm também muita alegria a quem olhar para eles ou os comprar.
É a sua maneira de dar um pouco de si, dos seus sentimentos aos outros.
Aos outros que quase não vê, pois não convive socialmente, só os colegas da fábrica com quem não consegue falar muito. Nem sabem que pinta.
Parecem duas pessoas numa só. Quando formam família, se calhar consegue ser três nela mesma.
O que importa é sentir-se bem consigo mesma. E se, com isso, contribuiu para o bem de outros, melhor.
Se calhar a felicidade é isso mesmo: uma nuvem que paira por cima de nós.
À espera que olhemos para ela e lhe estendamos as mãos.
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