A mente
10 de outubro de 2006
Homem de bigode grande e farfalhudo, a rir-se. Outro homem apático, semiconsciente numa cadeira junto a uma mesa. Outro homem, de pé, guarda-o para que não mexa nem acorde.
O de bigode, bem vestido e parecendo uma visita como que a um preso, está alegre, vivaço e ri-se muito. Mostra o tal apático a outras pessoas como a exemplificá-lo de qualquer coisa que não se percebe.
Dá vontade de fugir. E, além disso, a visita terminou mesmo por decisão do tal guarda.
Passam-se portões e a sós na paisagem imensa e vazia, os pensamentos vinham em catadupa e fugiam, sem os conseguir deter.
Não percebia nada. Nada parecia ter ligação.
A pobre coitada, meio louca numa cadeira de hospital psiquiátrico, jazia também no vazio.
Só se mexia com movimentos precisos a compor a roupa, as ligaduras e as mãos quando se sujavam.
Os olhos vazios - vazios e longínquos como nunca vi.
Falava com ela, mas estava longe, sozinha, e quem se sentia sozinha era eu.
Não conseguia fazer que deixasse de mexer as mãos e as levasse à cara, aos braços, às ligaduras.
Nem sequer me via. Nem via os remédios. Mas uma vez postos na boca, engolia-os perfeita e mecanicamente.
Quantos, oh quantos! como estes dois haverá por aí - sozinhos ou acompanhados.
Presos à força ou em tratamento médico.
Eles estarão sozinhos também deles mesmos?
A mente, esse enigma de capacidades que escapa aos cientistas. Todos os estudos e operações, e autópsias, e descargas eléctricas... coitados dos doentes, das vítimas.
Coitados dos cientistas que também não sabem observar o objecto de estudo.
O seu objecto está com eles mesmos. É o seu próprio cérebro no activo, que deve ser actualizado e experimentado pelo próprio médico.
Talvez assim, alvo das suas próprias experiências, logre sentir-se mais humano, mais mental.
E, na sua auto-análise, ajudar a tratar os doentes mentais a que se dedicar.
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