Sussurros
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Uma senhora, de meia-idade mas já grisalha, está sentada à janela.
Olhando, sem ver, a rua e os espaços lá fora, as pessoas e todo o movimento que ali vai passando.
Pensativa, imagina como será ela, quando a velhice chegar.
Pensa muito nisso, nas suas condições físicas, nas suas possibilidades, ou melhor, nas suas impossibilidades.
E a vida continua languidamente lá fora da sua janela.
A janela e aquele sítio onde passa os dias são a sua vida (ou o seu modo de vida).
Conhece todos os que ali passam, isto é, conhece-lhes alguns hábitos, os horários, o modo de conduzir e estacionar os carros, os que esperam o autocarro, os que passam apressados…
Mas ela não os vê porque não os pode já ver – mas conhece-os.
Porque ela conhece todos os pormenores que os individualizam uns dos outros.
Assim como distingue os pássaros e as árvores onde têm os ninhos.
Assim como distingue os cães que fazem o seu passeio diário e voltam a entrar nos portões das suas casas.
Como conhece os gatos e até as lagartixas que passam, sorrateiras, no seu parapeito.
Ela percebe todos os cambiantes, todas as mazelas e todas as alegrias que transparecem junto da sua janela.
Ela, que nunca os viu, reconhece-os, percebe-os intuitivamente, depois de os observar muitas vezes – por hábito e curiosidade.
Por outro lado, quantos conhecemos nós que, vendo bem, não são capazes de perceber sequer quem os rodeia!
A velhice há-de ser benevolente para ela e, um dia, vai voar com a brisa para a eternidade (foi o que lhe sussurraram).
- Quem?
- Não sei, acaba assim!
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