Maria José Rijo # O Gato Pias – Perder e Ganhar
Perder e ganhar são palavras tão correntes, tantas vezes repetidas a propósito de tudo e de nada que penso valer a pena meditar um pouco nelas.
Afinal, o que é perder e o que é ganhar?
Será que se ganha quando se pode por o pé sobre o peito do adversário deitado por terra, como é de uso ver nas fotografias de caça, mormente se a peça abatida tem peso e tamanho de vulto?
Será?
Será que alguém se pode considerar vencedor porque dispondo de poder como o caçador dispõe da arma subjuga e cala os adversários, será?
Então se assim é porquê a preocupação permanente de algumas pessoas em aproveitar a propósito e a despropósito circunstâncias de acaso querendo-as transformar em oportunidades – que em verdade não o são, e só colocam mal quem, sem sentido algum de conveniências, exibe o seu mau gosto, falta de educação, e falta de respeito pelos outros – para exultantes, pisarem no seu semelhante?
Será assim tão incontrolável a necessidade de se justificarem perante os outros, sendo, como se fazem crer, tão donos das verdades e das soluções?
Na realidade arrogância não significa segurança, nem certeza de coisa alguma.
Arrogância pode muito bem significar insegurança e medo, esforço irreprimível para abafar a incomodidade da consciência que jamais adormece...
Um vencedor não se define por falar de poleiro.
Nunca será vencedor quem nada acata dos sentimentos dos outros e faz e desfaz obras de outrém só porque detém o mando e quer, e pode, exibir a sua força.
Penso que não serão jamais esses os vencedores.
Vencedor é quem resiste.
Vencedor pode ser quem na aparência perde, mas luta, arrisca, sofre, suporta incompreensões, incómodos, grosserias, sarcasmos soezes, mas não se nega à luta de rosto descoberto.
Vencedor é quem entra na contenda sabendo que lhe falta a força, o poder, mas não dobra porque lhe sobra consciência dos seus direitos e dos seus deveres, da sua obrigação de não renegar aquilo em que acredita.
Pensava nestas e em outras coisas. Pensava, porque lendo jornais, escutando noticiários, até vendo novelas, a reflexão se nos impõe.
Apeteceu-me então, o que estou a fazer, chamar a atenção para a maneira como desde sempre, em todos os tempos alguns poderosos exerciam e exercem o poder.
Como a cobiça, a má fé, a perfídia, se podem dissimular sob falsas aparências. Vencer, ganhar...
Só cada qual sabe o que lhe vai no coração. Às vezes, quem morre vencido à luz dos homens é vitorioso à luz de Deus. O contrário também pode ser realidade.
O que não deixará porém duvidas a quem quer que seja – é que é sintoma de falta de carácter desrespeitar e achincalhar, a despropósito, um adversário vencido como se qualquer espécie de poder elevasse um Homem acima dos outros Homens.
Pensava assim quando com um sorriso me ocorreu a história do gato Pias.
Aprendi-a recentemente, mas não a esquecerei por certo.
Expulso de uma ilha grega onde habitava respondeu a quem incrédulo lhe perguntou: (vendo-o sem malas nem embrulhos) - então partes sem bagagem?
“Omnia mea mecum porto” (levo tudo comigo) respondeu sensatamente o gato.
Todos levaremos tudo connosco quando partirmos de vez. E, tal como o gato, não precisaremos nem de malas nem de relatórios, medalhas, condecorações, ou álbuns de fotografias das “maravilhas”que tivermos erguido neste mundo.
Apenas e sem hipótese alguma de escamotear – quaisquer que tenham sido os resultados – espectaculares ou nefastos – as nossas mais secretas intenções estarão sem disfarce possível como nossa única bagagem.
Levo tudo comigo – trazemos tudo connosco.
Omnia mea mecum porto.
Quer em latim, quer traduzida, a frase é curta – vale a pena fixá-la e
Meditá-la.
Vale mesmo a pena.
de Maria José Rijo
(in Jornal Linhas de Elvas
Nº 2.555 de 12/5/00
Conversas Soltas)
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