Natália Correia # Auto-Retrato e Ultrabiográfico
A autora para o mês de Abril é Natália Correia
Natália Correia nasceu na Fajã de Baixo, a 13 de Setembro de 1923, na Ilha de São Miguel, Açores. Veio estudar para Lisboa ainda criança e cedo iniciou a sua actividade literária. Poetisa, ficcionista, ensaísta, tradutora, dividiu a sua criatividade pelo teatro e pela investigação literária.
Destacada figura da cultura e da intervenção política, viu vários dos seus livros serem apreendidos pela censura, chegando a ser condenada a três anos de prisão com pena suspensa, acusada de abuso de liberdade de imprensa.
Morreu em Lisboa a 16 de Março de 1993.
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Espáduas brancas palpitantes;
asas no exílio dum corpo.
Os braços calhas cintilantes
para o comboio da alma.
E os olhos emigrantes
no navio da pálpebra
encalhado em renúncia ou cobardia.
Por vezes fêmea. Por vezes monja.
Conforme a noite. Conforme o dia.
Molusco. Esponja
embebida num filtro de magia.
Aranha de ouro
presa na teia dos seus ardis.
E aos pés um coração de louça
quebrado em jogos infantis.
In “Poemas”
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Por um mistério de cerejeira
Subiu a terra. Floriu em mim.
Ah, não ser eu a trepadeira
Com que cheguei ao meu jardim!
Uma gaivota como alimento,
Se é ser gaivota voar assim
Nesta voluta de alheamento
Da carga de ouro dum bergantim.
Se houver raiz ela é por dentro,
Que a minha raça é ser por fora
A esmeralda em que concentro
Uma linhagem que me devora.
Pela teoria dum instrumento
De sete cordas ou de nenhuma,
Sou uma frase escrita pelo vento
Numa parede como a bruma.
Que sexta-feira de estilhaços!
(na via-sacra é a paixão)
Se já morri foi nos meus braços
Por não haver ressurreição.
Cheguei a esta mitologia
Como os ciganos, pelo caminho.
Na minha humana eucaristia
Não há o pão. Só bebo o vinho.
Deixem ao céu a concordata
Com uma flor, se lhe apetece.
Mas não me mostrem santos de prata
Como quem mostra o que padece.
Para Jeová, sofro de mais.
Para o demónio, sofro de menos.
Prefiro os olhos dos animais
E o meu vestido de ver a Vénus.
In “Passaporte”
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