Clara Pinto Correia # Quem Tem Medo Compra Um Cão
6 de maio de 2007
O Zé naquela altura andava sempre a dizer que as coisas nunca são exactamente como as pessoas sabem muito bem que elas são. Era uma frase um bocado esquisita que ele tinha descoberto num livro que estava dentro da arca das viagens do Pai Zé, por baixo de um monte de mapas do mundo muito antigos e cheios de buracos no meio dos mares e continentes. Era por causa dos índios que vivem nas florestas do equador, junto de uma cascata enorme que vem lá de cima de uns penhascos monstruosos e cai mesmo ao lado da aldeia com imenso barulho.
Faz parte da tradição desses povos comer os amendoins selvagens de casca encarnada que são arrastados pelas corrente e se abrem sozinhos quando batem nas rochas. Eles acreditam que estão a engolir a energia do deus rebelde das ondas, que há milhões de anos que anda ali a rugir aos turbilhões, porque ficam cheios de vigor e de força e nunca têm doenças. Quando os exploradores brancos lá chegaram perceberam logo que não era nada disso, e que os amendoins só tinham aqueles poderes mágicos porque ao caírem no rio que forma a cascata ficavam muito enriquecidos em grandes quantidades de proteínas, vitaminas e sais minerais que abundam nos terrenos por onde a água corre e se diluem nela. Os índios ouviram esta explicação científica sem se impressionarem nada, e no fim começaram a rir-se e disseram:
«Está bem, homem branco. Fala para aí até caíres de morto. O que tu não percebes é que as coisas nunca são exactamente como as pessoas sabem muito bem que elas são».
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De Clara Pinto Correia
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