Natália Correia # Retrato talvez saudoso... e A defesa do poeta
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A ti, Mãe, primeira maravilha dada aos meus olhos, eu dedico estes poemas. Subida da tua carne, a minha luz pertence-te. Toma a minha dor e a minha alegria e este desespero que floresce à sombra do teu mistério.
Sou filha de marinheiros
pelo mar que também quis.
Pela linha da poesia
sou neta de D. Dinis.
Aquilo que nunca fiz
é a minha bastardia.
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RETRATO TALVEZ SAUDOSO
DA MENINA INSULAR
Tinha o tamanho da praia
o corpo que era de areia.
E mais que corpo era indício
do mar que o continuava.
Destino de água salgada
principiado na veia.
E quando as mãos se estenderam
a todo o seu comprimento
e quando os olhos desceram
a toda a sua fundura
teve o sinal que anuncia
o sonho da criatura.
Largou o sonho no barco
que dos seus dedos partiam
que dos seus dedos paisagens
países antecediam.
E quando o corpo se ergueu
voltado para o desengano
só ficou tranquilidade
na linha daquele além
guardada na claridade
do coração que a retém.
In “Poemas”
Senhores juízes sou um poeta
um multipétalo uivo um defeito
e ando com uma camisa de vento
ao contrário do esqueleto.
Sou um vestíbulo do impossível um lápis
de armazenado espanto e por fim
com a paciência dos versos
espero viver dentro de mim.
Sou em código o azul de todos
(curtido couro de cicatrizes)
uma avaria cantante
na maquineta dos felizes.
Senhores banqueiros sois a cidade
o vosso enfarte serei
não há cidade sem o parque
do sono que vos roubei.
Senhores professores que pusestes
a prémio minha rara edição
de raptar-me em crianças que salvo
do incêndio da vossa lição.
Senhores tiranos que do baralho
de em pó volverdes sois os reis
sou um poeta jogo-me aos dados
ganho as paisagens que não vereis.
Senhores heróis até aos dentes
puro exercício de ninguém
minha cobardia é esperar-vos
umas estrofes mais além.
Senhores três quatro cinco e sete
que medo vos pôs por ordem?
que pavor fechou o leque
da vossa diferença enquanto homem?
Senhores juízes que não molhais
a pena na tinta da natureza
não apedrejeis meu pássaro
sem que ele cante minha defesa.
Sou um instantâneo das coisas
apanhadas em delito de paixão
a raiz quadrada da flor
que espalmais em apertos de mão.
Sou uma impudência a mesa posta
de um verso onde o possa escrever.
Ó subalimentados do sonho!
a poesia é para comer.
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¹ Compus este poema para me defender no Tribunal Plenário de tenebrosa memória, o que não fiz a pedido do meu advogado que sensatamente me advertiu de que essa minha insólita leitura no decorrer do julgamento comprometeria a defesa, agravando a sentença.
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