Vitorino Nemésio # Relações de Incerteza
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..................I
É esse o desejado coração,
A paz de folhas em branco?
Mas abro a palma da mão
E é como se fosse manco.
Tudo pergunto em decúbito,
Como um ensaio de morto:
Sinto-me vão de súbito,
Navio longe do porto.
Talvez, mudando o ritmo à vela, expanda
As moléculas ácidas que me tolhem.
A minha vida não anda.
Chove. As aves recolhem.
O céu é um cogumelo radioactivo,
O mar petróleo sem peixes.
Homem, eu, de ti cativo,
Só te peço que me deixes!
Guarda-me em pó, electrifica-me,
Trata-me a equação provável:
Sou o teu gás de sonho – quantifica-me,
Homem, mais que o fumo, instável.
No dia, no dia (digo)
Entrópico, falaremos:
Espera-nos a morte
Na última bolha fria
Da caldeira estoirada,
No positrão oriundo de um urânio exaurido,
Com orbe, coração e o dizê-lo – perdido.
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........................II
Em todo o caso, em todo o caso,
Ainda um talvez,
Como em Boltzmann e Gibbs a vastos formalismos:
Uma poeira astral era uma vez
E foi-se pelo y dos abismos.
Mas logo outra galáxia calculada
O vermelho longínquo condensou.
Eu digo por hipótese: Do nada,
Deus, que é cálculo e amor, tudo tirou.
Que eu, se pudesse, ao giz pedia apenas,
Além da cal mortuária, o α carbónico
De um homem novo:
O meu filho electrónico,
Aliviado das minhas penas.
Mas, pra milagre tal, que é dele, o ovo?
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Estúdios Cor, 1972
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Disse Rabidranath Tagore : cada criança que nasce traz consigo a mensagem de que Deus ainda não perdeu a fé no homem !
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